Todos os anos Portugal perde terreno litoral para o avanço do mar. As observações feitas nos últimos quatro anos por um satélite da Agência Espacial Europeia (ESA) mostram que o mar não tem parado de avançar na costa nacional e os recuos são mais fortes nas zonas a norte da Costa da Caparica e no areal entre a Lagoa de Óbidos e a praia do Baleal, em Peniche.
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A erosão da costa portuguesa tem-se agravado no troço da Costa da Caparica até à praia da Mata, onde o avanço do mar leva a linha da praia a recuar cerca de 2,5 metros por ano a norte, seguindo-se o areal entre a Lagoa de Óbitos e a praia do Baleal, em Peniche, com uma tendência de recuo de cerca de 2,1 metros anualmente. Estes recuos foram detetados a partir do espaço por um satélite do programa europeu "Space for Shore", criado pela ESA em 2019, que monitorizou, nos últimos quatro anos, a erosão costeira em França, Alemanha, Portugal, Grécia, Roménia e Noruega. Em Portugal, o estudo foi coordenado pela Universidade de Aveiro.
Os dados apontam ainda para taxas de recuo preocupantes no arco central entre Troia e Sines, no distrito de Setúbal, e em vários pontos na costa algarvia, como as praias de Cacela Velha e da Fuseta até à da Barra Velha, com recuos, respetivamente, até 4,5 e 3 metros por ano. Mas as zonas costeiras do Algarve têm a particularidade de terem sido abertas barras de areia nos últimos anos, o que pode resultar numa "erosão mais intensa do que a que pode ter ocorrido na realidade", explicou, ao JN, Paulo Baganha Baptista, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro e coordenador do programa em Portugal.
O travão das barragens
Ainda que a erosão da costa nacional venha a agravar-se com a subida do nível das águas do mar, o principal problema prende-se com a deficiência de sedimentos na costa portuguesa, que não chegam dos rios. "É algo que já tem sido alertado ao longo dos últimos anos que é a pouca retenção dos sedimentos dos rios, que são os principais contribuintes em termos sedimentares para as praias", aponta o investigador, que identifica também o problema do travão das barragens.
Apesar da tendência erosiva na maior parte da costa nacional, há também resultados positivos como na zona mais a norte de Troia que "tem vindo a mostrar evidências de algum robustecimento", com ganhos até 13 metros por ano, sublinha Paulo Baganha Baptista.
Já na Costa da Caparica, são as praias mais a sul que têm tido ganhos de 2,5 metros por ano com os reforços artificiais de areia. Já a praia da Nazaré tem registado ganhos até 2,9 metros por ano, alimentada pelo transporte de sedimentos de praias mais a norte.
Há o caso de outras praias, como a Figueira da Foz, que têm conseguido manter os sedimentos que vêm do norte do país. "Para as pessoas, pode não ser muito agradável terem de se deslocar quase meio quilómetro para chegar à praia, mas a verdade é que tem ficado com sedimentos de uma forma muito consistente ao longo das últimas décadas", aponta o investigador.
"É um problema global"
"Há litorais da Europa que apresentam maiores taxas de recuo do que outros, mas realmente é um problema global", avisa Paulo Baganha Baptista. Segundo o investigador, o grupo de países que participou no estudo evidencia taxas de recuo bastante significativas, mas a costa portuguesa é "particularmente afetada pela oscilação do Atlântico Norte que potencia temporais normalmente mais severos do que aqueles que ocorrem nos outros países da Europa".
Durante os últimos quatro anos, mais de 70 organizações científicas e de gestão costeira dos seis países europeus monitorizam 4 500 quilómetros de costa para observar as mudanças que ocorreram entre 1995 e 2022, para avaliar a evolução do risco de erosão e a vulnerabilidade das zonas costeiras às alterações climáticas. A investigação abrangeu as costas do Mediterrâneo e do Mar Negro, passando pela costa do Atlântico-Canal da Mancha-Mar do Norte, até ao Ártico (Arquipélago de Svalbard).
O objetivo do estudo "é que as entidades que trabalham no litoral e têm a capacidade de poder estudar sobre o litoral possam ter cada vez mais acesso a informação quantitativa de uma forma regular, consistente ao longo do tempo, com rigor adequado para os propósitos das intervenções que pretendam realizar", sublinha o investigador. Trabalhados os dados, a ideia é que, num futuro próximo, este levantamento fique alojado numa plataforma online para que as entidades que gerem as zonas costeiras possam tomar as melhores decisões para prevenir e mitigar a erosão costeira, adianta.
Caso não sejam adotadas medidas para prevenir e mitigar a erosão costeira, ainda que só possa vir a acontecer daqui a várias décadas, há a "tendência natural" de o mar vir a atingir as casas ou infraestruturas construídas em zonas costeiras, alerta.