O homem que vigia os 22 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um esperançoso prudente: o programa está em velocidade de cruzeiro, mas falta mão de obra. Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão de Acompanhamento do PRR, acredita, ainda assim, que Portugal sairá melhor deste processo.
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Faltam dois anos para concretizar todos os projetos do PRR. Quanto dinheiro vai ser perdido por falta de capacidade para os concretizar?
Temos que ser capazes de, em primeiro lugar, concretizar os projetos para causar resultados e impactos. Em segundo lugar, temos de ter a capacidade de ter investimentos que garantam as subvenções e os empréstimos concedidos. Se formos eficientes, podemos alcançar os mesmos resultados sem ter que receber todas as subvenções. Não é expectável que isso aconteça, sobretudo nos investimentos com construção. Houve um aumento relevante dos custos nos últimos anos, mas podem existir investimentos onde é possível algum ganho de eficiência.
Pode dar-nos um exemplo?
Temos o exemplo do Ensino Superior, que tem dado uma resposta cabal aos objetivo contratualizados. Os resultados de 2025 estão praticamente alcançados. Claro que os investimentos não são apenas em recursos humanos, também há construção e recuperação de edifícios. Mas isto é um exemplo muito claro de um setor que foi capaz de dar resposta aumentando as qualificações em áreas fundamentais, como as ciências, tecnologias, matemática ou artes, com um dinheiro que ainda não foi totalmente consumido.
O PRR está estimado em 22,2 mil milhões de euros. Quanto é que neste momento está de facto projetado?
Temos cerca de 90% dos vários investimentos contratualizados, quer para os beneficiários intermediários, quer para os beneficiários diretos. E há um conjunto de metas e marcos, designadamente nove, que estão em recolha de evidência de informação. Na maior parte dos casos tem que ver com concursos que ainda estão a decorrer e que, de acordo com a metodologia de pedidos de pagamento, a Comissão Europeia terá agora dois meses para analisar. Há aqui agora uma questão que temos que perceber: se vamos a tempo na reprogramação de retirar essas metas e marcos e portanto ter uma avaliação limpa e sem penalização ou adiamento do reembolso relacionado com o sexto pedido de pagamento.
O ministro Castro Almeida tem insistido na ideia de que se há projetos que não têm capacidade para avançar devem ser trocados por outros. Quantos projetos novos já foram submetidos para os substituir?
No âmbito da reprogramação de outubro de 2023, houve um aumento da dotação que resultou em novos projetos, sobretudo na componente 21, que é o REPpowerEU, na sequência da guerra da Ucrânia. A Comissão Europeia permitiu reforçar o aumento de custos e também as agendas mobilizadoras, cujas candidaturas e o montante financeiro solicitado foram muito superiores aos 930 milhões de euros que inicialmente estavam previstos. Dou-lhe o exemplo dos equipamentos sociais. Houve um número de candidaturas muito superior àquilo que era a dotação disponível, o que significou que existiram candidaturas aprovadas, mas sem financiamento. Entretanto, já se verificou que algumas dessas candidaturas aprovadas não avançaram com as obras. E aquilo que já está a ser feito, também na sequência de uma alteração administrativa que este novo Governo já produziu, é que os contratos estão a ser rescindidos e aqueles que têm uma maturidade maior são os que dão direito ao desembolso por parte da União Europeia. O mesmo se passa na habitação. A Comissão Nacional de Acompanhamento teve uma reunião com o presidente do IHRU e com a sua equipa. Nesse âmbito, foi publicada a lista definitiva dos 26 mil fogos para construção. Foi criado um mecanismo de financiamento do Orçamento do Estado, que permite financiar mais do que essas 26 mil casas.
Habitação, equipamentos sociais, Ensino Superior... Quais são as áreas em que têm sentido maior dificuldade?
Todos os investimentos que implicam construção e, sobretudo, aqueles que obrigam também a licenciamento adicional em termos de projetos industriais e de licenciamento ambiental. E aqui estamos a falar desde barragens (temos um caso muito concreto da construção da Barragem do Pisão) a estradas que implicam muitas vezes abate de árvores. Esta tem sido uma dificuldade, a que juntaria a escassez de mão de obra associada a muitos destes investimentos. Não apenas em quantidade. Visitámos nas últimas semanas mais de uma dúzia de agendas mobilizadoras e houve unanimidade entre os autarcas em reconhecer uma diminuição no número de imigrantes que procuram Portugal, em termos absolutos e em termos líquidos.
Isso está a impactar negativamente na mão da obra?
Exatamente. Para além disso, aquilo que se nota é que os imigrantes que chegam têm menos competências para desempenhar determinado tipo de funções. Dito de outra forma, a utilidade de muitos desses imigrantes no desempenho de funções é menor do que aquilo que tradicionalmente existia.
Esse valor está classificado? Essas falhas ao nível da resposta?
A associação do setor da construção fala de largos milhares de imigrantes. Eu noto que, nos próximos meses, vai ser lançado um número significativo de obras.
E já temos tido bastantes concursos desertos.
Em alguns casos, isso resolve-se pelo aumento do preço-base, mas, na realidade, isso significa mais custos. Portanto, nós estamos a aquecer o mercado, o que significa que com o mesmo dinheiro conseguiríamos fazer mais obra. Assim, temos que gastar mais para fazer a mesma obra.
Se não houver uma solução, quase que arriscaria dizer milagrosa, para encontrarmos milhares de imigrantes, há muitos projetos do PRR que não vão avançar?
É um desafio muito grande. Falou na ajuda divina, eu não iria por aí, nós temos alguns instrumentos que podemos mobilizar, temos que ser muito céleres a fazê-lo. Ainda esta semana falei com o presidente do IHRU, porque existe uma portaria que define o preço-base para a construção a preços acessíveis, sobretudo para a classe média. Neste momento, a maior parte dos concursos está a ficar deserta. Porquê? Porque o preço-base, ou o preço padrão da portaria, está claramente desfasado dos valores do mercado. E, portanto, aqui o Governo tem que tomar uma decisão: ou se define que o preço não é adequado e se aumenta, para poder atrair empresas para conseguir construir as casas; ou então vamos ter essa mesma consequência. A quantidade e a dimensão da obra exige mais imigrantes na área da construção, porque nós não temos essa mão de obra disponível em Portugal. E essa articulação entre o setor privado, entre o IEFP, o Governo e a AIMA é essencial para garantir essa capacidade. Nós podemos estar a falar da possibilidade de construir mais de 50 mil casas nos próximos anos, umas financiadas pelo PRR, outras financiadas pelo Orçamento do Estado.
De que forma é que a decisão de dispensar o visto prévio do Tribunal de Contas nos projetos do PRR pode impactar na rapidez dos procedimentos? E que portas é que este quadro legal pode abrir, aumentando tentações de irregularidades?
Os diferentes decisores políticos e públicos são pessoas de bem, conscientes e que têm serviços que naturalmente os assessoram de uma forma correta. O visto do Tribunal de Contas normalmente demora entre dois a três meses. Portanto, neste momento, ganhar dois a três meses em termos de lançamento de projetos é importante. Mas o número de contratos de vistos recusados é relativamente reduzido. Claro que há interação, há solicitação de informação adicional, mas mesmo assim, eu gostava também de referir isto, continua a existir a competência para o Tribunal de Contas fiscalizar.
No dia 1 de janeiro de 2027, e comparando com 2021, em que é que Portugal estará diferente por ação do PRR?
Eu quero acreditar que os investimentos que estão previstos vão ser concretizados. Do ponto de vista social, somos capazes de responder melhor ao desafio do envelhecimento. E porquê? Porque nós temos um número muito significativo de lugares, de residências para pessoas idosas de habitação colaborativa, mas também para os jovens. O número de creches que está a ser construído é particularmente significativo. As autarquias tiveram um número muito significativo de candidaturas a creches municipais quando, tradicionalmente, não tinham creches. Agora, temos que ter recursos humanos para operar esses mesmos equipamentos.
A máquina do Estado vai ter de engordar para poder responder às expectativas do PRR?
Eu não sei se vai ter que engordar, vai ter que garantir o financiamento destas atividades. Ou engordamos, como está a dizer, ou tornámo-nos mais eficientes.
E esse é o principal ensinamento que fica para a Administração Pública?
Sim. Eficiência e maior articulação. Mas eu gostava de acrescentar mais três ou quatro áreas fundamentais. Estamos com investimentos muito significativos na área da digitalização da Saúde, na área da Justiça e na área da Segurança Social. Mas há mais: o setor aeroespacial ou da aeronáutica, onde estamos a lançar satélites, onde vamos ter um avião e um drone de 800 quilos que tem uma capacidade muito significativa de vigilância aérea do mar. Mas podia falar também no setor dos insetos, em que estamos com o maior investimento a nível europeu, quer para a alimentação humana, quer para a animal.
Tem notícias do sucesso das equipas de funcionários da Administração Pública que o ministro Castro Almeida anunciou e que visavam acelerar a concretização ou formalização dos projetos atrasados?
A notícia que tenho é que estão em fase de recrutamento, porque têm que cumprir as regras da Administração Pública. Houve um conjunto de candidaturas muito superior às vagas disponibilizadas. Provavelmente no início de 2025 poderão iniciar as suas funções. E este também é um ensinamento que devemos ter. Têm que existir regras e transparência, mas quando queremos executar 22 mil milhões de euros com as regras para um funcionamento normal, tudo se torna mais complexo e difícil.
Não estávamos capacitados para levar a cabo este plano?
Eu diria que tínhamos várias debilidades para, no prazo previsto, conseguir concretizá-lo.
Não acha também que foi criada por parte dos vários governos e dirigentes políticos uma expectativa demasiado alta em relação ao poder transformador do PRR?
Muitas vezes a Comissão Nacional de Acompanhamento paga este preço, porque representa a sociedade civil e muitas vezes diz coisas que há certas pessoas que não gostam de ouvir. Nós tentamos relatar aquilo que ouvimos, triangulando a informação, de diferentes fontes. E, portanto, nós temos que ter um sentido crítico em cada um dos programas, saber aquilo que conseguimos alcançar e aquilo que não conseguimos alcançar.
Na comparação com outros países europeus, em que lugar é que podemos colocar Portugal no ranking da aplicação dos fundos?
Portugal é o segundo país que solicitou o sexto pedido de pagamento. Só há um país, que é a Itália, que já solicitou o sexto pedido. Por esse indicador, nós somos o segundo país que mais pedidos de pagamento efetuou e, desse ponto de vista, estamos na linha da frente. Recordo, porém, que o número de metas e marcos que já cumprimos, mesmo com o sexto pedido de pagamento, ainda não está nos 50%.