Prestações sociais associadas à covid-19 lideradas pelo sexo feminino. Elas foram mais para lay-off, assistiram mais os filhos e perderam rendimentos.
Corpo do artigo
As desigualdades entre homens e mulheres no mundo do trabalho e na vida doméstica agravaram-se durante a pandemia. Todos os dados relativos às prestações sociais da Segurança Social demonstram uma realidade que os académicos, sindicatos e as próprias mulheres também confirmam: foram elas que se sacrificaram mais, tiveram de recorrer mais a lay-off, perderam mais rendimentos e, na altura de escolher quem vai para casa tomar conta dos filhos, a opção recaiu sobre as mesmas do costume, agravando uma discriminação que, para muitos, urge combater.
Desde o início da pandemia, 58% dos portugueses que estiveram em lay-off foram mulheres. No mês passado, a percentagem foi de 88%. Os apoios à parentalidade e doença são todos dominados por elas, seja no subsídio parental inicial (63%), prestações de doença (54%), subsídio de doença (58,5%) e prestações de assistência a filho (83%). Também são mais precárias, pois representaram 56% dos apoios a trabalhadores independentes.
Elas só são minoritárias no apoio à retoma, que é para patrões, e nos apoios a trabalhadores com contrato de trabalho. Antes da pandemia, as mulheres já eram as mais apoiadas pelas três modalidades de subsídio de desemprego e assim continuam. São igualmente maioritárias nas pensões e RSI, para além de uma nítida discrepância no que toca a remunerações. No trabalho dependente, elas só estão em maioria nos salários até aos 800 euros, e no trabalho independente também só lideram nos escalões mais baixos (até 250 euros).
Investigadores confirmam
"Vemos uma tendência de persistência para essa desigualdade, neste caso para as mulheres continuarem a ser o grupo mais volumoso de beneficiárias dos apoios sociais", conclui Ana Paula Marques, que estuda assuntos ligados às profissões e relações de género e é professora de Sociologia na Universidade do Minho. A investigadora explica que nas organizações "genderizadas" ainda é a mulher "que sai para ir buscar os filhos, que não se encontra disponível para fazer longas jornadas de trabalho, que tem que ir com os filhos para o medico". É preciso, por isso, fazer "uma aprendizagem coletiva" de "práticas de liderança" e "estruturas organizacionais" que consigam corrigir as desigualdades ainda existentes "que não se dissiparam com a pandemia", assegura.
Sacrifício maior
Prova disso é o trabalho feito por um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra que inquiriu 1500 pessoas sobre os impactos da pandemia. Os resultados "confirmam que as mulheres foram chamadas a sacrificar mais a sua atividade profissional e a sobrecarregar aquilo que já era uma conciliação difícil entre as várias esferas da vida", revela Lina Coelho, que coordenou a investigação.
Em Portugal, às mulheres, ainda está reservado "este papel social de suportar o cuidado das pessoas, quer das crianças, quer dos outros dependentes", constata. Confirma-se assim que "elas foram imobilizadas em termos profissionais pelas situações de confinamento", enquanto "em muitos casos os companheiros masculinos continuaram a trabalhar", acrescenta Lina Coelho.
Rendimento menor
Isto traduziu-se numa maior quebra de rendimentos das mulheres que os dados calculados pela CGTP-IN também confirmam. Em 2021, elas receberam, em média, menos 12% de subsídio de desemprego do que eles, o que significa que auferiam menos do que os homens quando trabalhavam. Isto conduz a outro dado da CGTP-IN que mostra que a diferença salarial média entre homens e mulheres "chegava aos 16%" no último trimestre do ano passado, mesmo que as mulheres tenham, "em média, níveis de habilitação maiores".
O Eurobarómetro do Parlamento Europeu também analisou o impacto da pandemia nas mulheres da União Europeia (UE). As mais de mil entrevistas a mulheres portuguesas concluíram que 52% sentiram um impacto negativo na conciliação da vida pessoal com a profissional (contra 44% da média da UE), 47% tiveram quebras de rendimentos (38% na UE) e 42% fizeram menos trabalho remunerado do que queriam (31% na UE).