Um casal de idosos e o sobrinho sobreviveram, mas ficaram apenas com a roupa do corpo. Hoje, temem que a falta de limpeza dos terrenos sirva de combustível a uma nova tragédia.
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Três anos depois do incêndio que lhe engoliu a casa e o carro, e deixou marcas daquele inferno gravadas no corpo do marido, Alzira Quevedo, de 79 anos, não esconde a angústia de as chamas voltarem à aldeia de Barraca da Boavista, em Vila Facaia, Pedrógão Grande. "Ando a tremer com medo do verão", confessa ao JN.
"Ninguém limpa os pinheiros e os eucaliptos, que estão partidos ao meio", observa o marido, Álvaro Santos, de 83 anos. "Aqui há dias, fui passear com o meu sobrinho e vi um monte de eucaliptos grossos cortados na beira da estrada, e matos e silvas por todo o lado", confirma Alzira. "Se o lume vier daquele lado para aqui, nada escapa. Vai outra vez tudo à vida", teme.
Alzira mantém a área à volta da casa nova sempre limpa, e arranca os eucaliptos e pinheiros quando nascem. Mas, apesar da boa vontade, não conseguiu impedir a formação de um pequeno eucaliptal, num cantinho da propriedade.
"O terreno é mau para eu lá andar. Não consigo ir desbastá-los e enchem-se de filhos", lamenta. Já pensou em contratar alguém, mas as reformas são pequenas.
A casa onde Alzira vivia com o marido e com o sobrinho, Jorge, foi a única de Barraca da Boavista que ficou reduzida a cinzas. As chamas destruíram ainda barracões e provocaram "bastantes feridos", mas não há mortos a lamentar. Apesar disso, aquele dia está sempre presente. Na memória e nas conversas.
"Vamos morrer todos"
O fumo que Alzira e Álvaro viram ao longe, na manhã de 17 de junho, não fazia adivinhar o que se seguiria. "À tarde, começámos a ouvir uma zoada. Parecia a força do vento ou das chamas, mais para cá um bocado", recorda a idosa. "De repente, vejo o lume aqui à frente. Trazia tudo enrolado", explica. "Ai, Nossa Senhora, que vamos morrer todos", disse ao marido e ao sobrinho.
Em instantes, a casa ficou cercada pelo fogo, alimentado pelos pinheiros do terreno vizinho. Alzira ainda tentou tirar o carro da garagem, para fugirem, mas a força do vento impediu-a. Escaparam a pé, por um carreiro, enquanto as chamas lhes passavam por cima da cabeça. Só que o marido decidiu voltar para trás, para salvar o carro. "Gritei e chorei, a pedir-lhe, por favor, para não ir. Mas ele, teimoso, nem me respondeu."
Não foi preciso Álvaro andar muito para perceber que só lhe restava recuar. Um pouco mais à frente, as pernas cederam e acabou por cair, numa estrada. Um carro que ia a passar salvou-o, mas não escapou a 20 dias de internamento em Coimbra, devido às queimaduras no corpo. Quanto teve alta, juntou-se à mulher e ao sobrinho numa residência emprestada pela prima de um primo, onde viveram um ano e meio, até a casa nova ficar pronta.
Hoje, a presidente da Associação de Vítimas de Pedrógão Grande, Dina Duarte, acredita que as pessoas aprenderam que, em caso de incêndio, devem ficar em casa. Além da formação dada a seis elementos de cada aldeia resiliente, localizadas em Pobrais, Vila Facaia (Pedrógão Grande), Arega (Figueiró dos Vinhos) e Pera (Castanheira de Pera), a associação criou um curso de primeiros socorros e outro em prevenção e combate a incêndios.
"Estamos mais bem preparados e acreditamos que as pessoas não cometeriam os mesmos erros", sustenta.