Inês Sousa Real rejeita qualquer acordo com a Aliança Democrática (AD) por esta incluir Gonçalo da Câmara Pereira, líder do PPM, que “acha legítimo bater numa mulher”. Diz que o PAN será o “fiel da balança” contra o “extremar de posições” à Esquerda e à Direita e diz sim a uma geringonça, desde que com acordo escrito.
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Em entrevista ao JN, Inês Sousa Real, que lidera o PAN desde 2021, diz que a saída de Miguel Albuquerque é o único desfecho aceitável na Madeira, deixando também reparos ao presidente da República. Afirma querer subir de um para quatro deputados, voltando a eleger no Porto. A habitação é um dos temas que considera mais urgentes.
Arrepende-se do acordo que fez com o PSD e o CDS na Madeira? Se pudesse voltar atrás, faria alguma coisa diferente?
De forma alguma. O PAN demonstrou ser uma força política responsável, que põe em primeiro lugar os interesses dos madeirenses e porto-santenses. Demonstrámos à região e ao país que não têm de estar reféns de uma maioria absoluta ou da extrema-direita. Funcionámos como um tampão à extrema-direita. Percebemos que a população está frustrada, que as pessoas sentem que o seu esforço do trabalho do dia-a-dia e que estamos a ter um grande voto de protesto. Mas as respostas para os problemas das pessoas não são um voto no populismo antidemocrático.
Por outro lado, o PAN serviu também de travão para uma continuidade que não faria qualquer sentido e que punha em causa os interesses da região: se o PAN não tivesse exigido que Miguel Albuquerque se demitisse, sabíamos que a sua intenção não era a demissão. Foi graças ao acordo de incidência parlamentar com o PAN que os interesses dos madeirenses e porto-santenses prevaleceram, porque, ainda que respeitemos o princípio da presunção de inocência, não nos podemos esquecer que estão aqui em causa acusações e uma constituição como arguído no âmbito de um processo de corrupção, de interferência a nível de interesses e, portanto, de influência de interesse. Isso lesa o erário público, lesa os interesses da população e foi graças ao PAN que conseguimos repor a credibilidade institucional que deve existir num cargo como este.
Para o PAN, qual é a melhor opção para a Madeira?
Para o PAN, a única questão que deve estar salvaguardada é o fecho do orçamento regional. Tirando o orçamento regional, não nos faz qualquer sentido a continuidade [de Miguel Albuquerque]. Foi, para nós, uma condição de imediato que Miguel Albuquerque renunciasse ao seu lugar e que fosse substituído, através da indigitação por parte do PSD, de um novo nome. Para o PAN, aquilo que está em causa é a salvaguarda dos valores e princípios que representa e que esta pessoa [o substituto] tenha disponibilidade para, de alguma forma, revisitar todos os processos que estão aqui em causa, porque eles não podem ter qualquer expressão no orçamento regional. Agora, não nos faz sentido que Miguel Albuquerque continue. É importante que a Justiça prossiga os seus trâmites, mas também que a confiança dos madeirenses e porto-santenses seja restituída. Isso só se fará com o seu afastamento.
Disse recentemente ao JN que, se Marcelo convocasse eleições, revelaria ter "dois pesos e duas medidas", tendo em conta a dissolução do Parlamento nacional. Mantém essas palavras?
Não concordamos com esta visão do presidente da República. O PAN não tem qualquer problema a apresentar-se novamente ao escrutínio regional e temos a plena confiança de que os madeirenses vão voltar a depositar o seu voto no PAN, que já demonstrou ser uma força útil à população. Agora, não nos podemos esquecer que o facto de estarmos sistematicamente em dissolução de Parlamentos, seja a nível regional, seja a nível nacional, só contribui para a instabilidade política e para que o país não discuta as reformas estratégicas que precisa de fazer. E, de cada vez que Marcelo está a decidir dissolver um Parlamento, temos uma situação muito conturbada no país, ao invés de estarmos a contribuir para a paz social, para o desenvolvimento sustentável e social, que é absolutamente fundamental no nosso país.
Para terminar o tema Madeira: a situação que se vive no arquipélago pode, de alguma forma, prejudicar o PAN em eventuais eleições regionais? E a nível nacional?
De forma alguma. Nós atuámos de forma responsável e consciente. O PAN demonstrou ser o adulto na sala, ao dar o murro na mesa e dizer que não iria admitir a continuidade de alguém que foi constituído arguído e que, ressalvado o princípio da presunção de inocência, estaria a pôr em causa a confiança dos madeirenses e porto-santenses na figura institucional do Presidente do Governo Regional. Nós não só demonstramos que para além de o PAN ser um partido de causas e de valores, e não um partido da velha dicotomia da Esquerda e Direita -, que somos de facto um partido com sentido de Estado, de governação e de responsabilidade. Estamos à altura de qualquer desafio político que nos apresente pela frente.
Na Madeira, o PAN entendeu-se com o PSD. A nível nacional, admite fazê-lo?
Não vejo como é que é possível o PAN, sendo um partido que respeita os direitos humanos e, em particular, os das mulheres, aliar-se a uma força política que tem alguém [Gonçalo da Câmara Pereira] que entende que as mulheres não têm lugar na vida política e que acha legítimo bater numa mulher. Seria profundamente irresponsável, da nossa parte, darmos a mão a uma AD absolutamente bafienta, que não acompanha os valores do século XXI. Por outro lado, o CDS defende o revivalismo das touradas, que é completamente contrário aos valores do PAN. E, olhando para as listas, encontramos o ex-presidente da Confederação dos Agricultores [Eduardo Oliveira e Sousa, nº1 por Santarém], que continuava a ser negacionista das alterações climáticas e fez fortes críticas à nossa visão de agricultura.
Exigirá acordo escrito para fazer acordo com PS?
Os acordos que o PAN tem feito, seja ao nível da incidência parlamentar na Madeira, seja ao nível do Orçamento do Estado, têm sido sempre acordos escritos. Portanto, todo e qualquer acordo que o PAN possa vir a celebrar terá sempre por base um acordo escrito porque, como é evidente, prestamos contas ao nosso eleitorado. O nosso compromisso também será sempre esse princípio de transparência em relação a qualquer acordo que possa existir, seja com quem for.
É a única deputada do PAN. Subir para dois é pouco?
Voltarmos a ter voz em distritos como Porto e Setúbal, onde já tivemos representação, é absolutamente fundamental. A nossa pretensão será eleger pelo menos dois em Lisboa, e ainda há Braga. Mas sabemos que vivemos um contexto político muito complexo: muitas vezes, o voto útil acaba por prevalecer, e também há o receio da extrema-direita.Só que um deputado a mais no PS ou no PSD não vai fazer a diferença, isso já ficou bastante claro.Aliás, neste momento existe todo um centro político que está órfão, precisamente por esse extremar de posições: o PSD a aproximar-se do Chega, o PS a extremar-se e a aproximar-se da esquerda mais radical. O PAN tem a consciência que é o fiel da balança, ao ser um partido do centro progressista.
O PAN está pronto para ir para o Governo? Exigiria algum ministério?
Estaremos disponíveis para enfrentar e aceitar os desafios que os portugueses nos decidirem confiar. Portanto, não afastamos qualquer dos cenários. Há ministérios e tutelas que, para nós, seriam bastante relevantes, desde o Ministério do Ambiente e Alterações Climáticas, até mesmo na dimensão social e da igualdade de género.Ou até a Cultura, que tem sido uma área muito descurada na nossa sociedade.
De que medidas o PAN nunca abdicará?
Precisamos de garantir que as famílias têm acesso à habitação e que é feito o levantamento do parque imobiliário público, para ser colocado ao uso da população. Isso, para nós, é absolutamente imprescindível. Queremos garantir também a suspensão da execução da penhora da casa de morada de família, tal como aconteceu na pandemia, ou que os mais jovens tenham acesso quer ao Porta 65 quer ao crédito bonificado, para que o sonho de uma casa própria não tenha de ser continuadamente adiado.Também temos de falar, de uma vez por todas, da ferrovia – urbana e regional –, para que as pessoas cheguem com mais facilidade a diferentes pontos do país. Precisamos ainda de garantir que temos hospitais públicos veterinários e uma redução do IVA dos 23% para os 6% dos serviços médico-veterinários e da alimentação. Além da defesa ambiental, que está noADN do PAN.
Terminamos com duas perguntas de leitores. A primeira, feita pelo leitor Bruno Maia, tem a ver com a criação de testes obrigatórios para avaliar se as pessoas estão aptas a ser donas de um animal. O PAN estaria de acordo?
Há mais de 42 mil animais abandonados no nosso país e, de facto, não é qualquer pessoa que está apta para ter um animal de companhia. Há países que exigem formação; se calhar, tendo em conta o nosso contexto, ainda temos um caminho a fazer antes de chegarmos a esse ponto. Há uma responsabilização que tem de ter lugar, mas o combate ao abandono e as políticas de esterilização e a inclusão da proteção animal na Constituição parecem-nos ser a prioridade.
Última pergunta, agora da leitora Ana Ferreira. O PAN não teme passar a imagem de que se preocupa mais com os animais do que com as pessoas?
De forma alguma. Os valores humanitários não podem ser indiferentes ao sofrimento animal. Uma coisa que me despertou curiosidade quando estudei Bioética foi este descentramento da ética para com outras entidades. E se, hoje, navios, por exemplo, podem ter personalidade jurídica, não faz sentido que o animal não tenha. Se falamos em direitos de sociedades, não faz sentido não dizer que um ser vivo tem o direito a não ser maltratado. Se nos preocupamos com os animais, imaginemos com as pessoas.E mais de 70% das nossas iniciativas [legislativas] são para as pessoas.