Inês Sousa Real aposta na recuperação de um grupo parlamentar, com eleição também no Porto, e diz que “qualquer solução governativa que conte com uma agenda PAN será bastante distinta”. A porta-voz não se imagina “a fazer aquilo que outros líderes fizeram, a abandonar o partido ou a virar as costas às suas causas”.
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O PAN (Pessoas-Animais-Natureza) está em vias de extinção?
Não é um partido em vias de extinção, bem pelo contrário. Em 2024, conseguimos aumentar a nossa representatividade na Assembleia da República, em termos de votos. Ficámos a muito poucos votos de eleger um segundo deputado, neste caso pelo distrito do Porto. E queremos precisamente agora, nesta oportunidade eleitoral, resgatar o grupo parlamentar do PAN e, com isso, conseguirmos dar mais força às causas e aos valores que o PAN representa no Parlamento e que são precisamente as causas, as preocupações e grandes desafios que os portugueses também enfrentam. Quer no que diz respeito a fenómenos como o combate à violência doméstica, a oposição que o PAN tem feito às touradas ou até mesmo a nossa luta contra o negacionismo climático, a par, evidentemente, dos grandes desafios como dar soluções para a habitação e para a carga fiscal.
O PAN perdeu a única deputada na Madeira. Justificou, na altura, que os eleitores estavam cansados de serem chamados a votar. Pode acontecer o mesmo nas eleições de 18 de maio e o PAN desaparecer do Parlamento nacional?
Não só não acreditamos que o PAN desapareça da Assembleia da República, como queremos um grupo parlamentar. Precisamos de estar alinhados dentro do Parlamento com as causas dos portugueses. Temos assistido no último ano a uma degradação do ambiente parlamentar. Tivemos um primeiro-ministro que foi irresponsável porque não soube estar à altura de retirar a moção de confiança, nem teve sequer a capacidade de arrumar a sua vida privada antes de assumir funções e arrastou o país para esta crise política. Tivemos também uma força política, como o Chega, que oportunisticamente tem aproveitado a insatisfação das pessoas e o seu desânimo em relação à vida política para propagandear algo que depois também não é capaz de concretizar no Parlamento. O PAN tem sido um fator de estabilidade ao longo destes anos. Temos conseguido importantes conquistas. O verdadeiro problema de insegurança nacional tem sido a violência doméstica. E tem sido pela mão do PAN que temos conseguido aprovar medidas concretas para as vítimas de violência doméstica. Mas precisamos de mais medidas para combater este flagelo. E também para a proteção animal. As famílias não conseguem fazer face ao IVA de 23%, tendo em conta as despesas médico-veterinárias. Outro grande flagelo, e até fracasso das políticas públicas, é o da habitação. Temos mais de 70% dos jovens até 29 anos que não conseguem sair de casa dos pais. Há aqui um caminho a fazer, que convoca para uma capacidade de diálogo. Coisa que o PAN tem tido, independentemente de estarmos a falar de um Governo mais à direita ou mais à esquerda. E capacidade, acima de tudo, de concretizar as propostas que apresentamos no Parlamento.
O que irá mudar na estratégia eleitoral do PAN?
Temos procurado dar a conhecer às pessoas o trabalho que temos feito, a importância e o impacto que a nossa ação tem tido no Parlamento, seja ao nível digital, seja ao nível da presença nas ruas. Temos estado a escutar também as pessoas e a pedir contributos não só para o programa, mas acima de tudo a ouvir aquilo que as pessoas gostariam de fazer caso estivessem na Assembleia da República. Convido até os leitores e ouvintes que nos estão a acompanhar a aderirem ao grupo de WhatsApp que entretanto criámos e que está disponível nas minhas redes precisamente para que deem o seu feedback. Porque queremos representar efetivamente a voz dos cidadãos na Assembleia. Venho do ativismo, sou uma cidadã comum como qualquer outro cidadão e, por isso mesmo, acredito que é essa a forma que devemos estar na vida política. Queremos representar os valores e aquilo que tem sido a marca PAN no Parlamento, que são as preocupações dos cidadãos naquilo que é o seu dia-a-dia. E temos que saber também dar a conhecer aquilo que temos feito para que as pessoas percebam a utilidade e a urgência de votarem no PAN. Não podemos ter uma urgência climática que está a correr contra o tempo com governantes que não souberam mudar e adaptar-se. E não podemos continuar a ter governantes que querem voltar a abater animais, como é o caso da AD, em que sabemos que, timidamente, têm procurado colocar esse tema na agenda. É inaceitável um retrocesso dessa maneira, até mesmo no que diz respeito aos direitos das mulheres, em que continuamos a ver um conservadorismo, basta olharmos para algumas listas. Há, de facto, um recuo na representatividade das mulheres até do ponto de vista político e, por isso mesmo, nós estamos a dar a conhecer aquilo que é o nosso roteiro, a nossa agenda, porque é importante as pessoas saberem que estamos aqui completamente alinhados naquilo que são os valores e as preocupações dos portugueses.
Começou por ser visto como um partido da causa animalista, mas alargou o discurso às outras causas. O PAN perdeu o foco ou é preso por ter cão e preso por não ter?
É mais o segundo caso porque, quando começámos, havia muito essa conotação, algumas vezes numa tentativa depreciativa de nos reduzir à causa animal. Somos orgulhosamente um partido animalista. Mas o PAN sempre foi um partido pelas pessoas, pelos animais e pela natureza. Agora que temos mais experiência, maturidade e que temos mostrado trabalho em todas as áreas da sociedade, não nos parece muito justo que nos acusem de não voltarmos a ser um partido de nicho e de não falarmos apenas dos cães e dos gatos. Não faria sentido termos empatia para com o sofrimento animal e a necessidade de darmos respostas sociais para garantir que têm uma existência condigna, e ignorarmos as necessidades e dificuldades pelas quais as pessoas passam.
Se não conseguir o resultado desejado, que ilações pode retirar? Colocará o lugar de porta-voz à disposição?
Volto a dizer, acredito que o PAN vai recuperar o grupo parlamentar. É o nosso grande objetivo e nada me dará mais alegria na noite eleitoral. Negar ao PAN um grupo parlamentar seria recuar nas causas que os portugueses querem ver representadas no Parlamento. Mesmo que fiquemos na mesma circunstância de deputada única, estamos a falar de um resultado que já existia. Mas não é esse o objetivo. São muitos os obstáculos que uma deputada única enfrenta. Ficámos a pouco mais de 800 votos em 2024 de conseguir um deputado pelo Porto. Espero que o Alexandre Trindade se possa juntar a mim após o dia 18 de maio.
É porta-voz há quase quatro anos. Fixou algum prazo para a sua liderança?
O partido também precisa de estabilidade. Precisamos de ter um projeto de partido que implique que haja não só um passado, um presente, mas acima de tudo um futuro. Temos objetivos políticos que também tracei, como a criação da juventude do PAN , o aumento da representatividade nos municípios. Agora, com as autárquicas, vamos poder trabalhar nisso. Se há alguém que acorda todos os dias e se deita à noite a pensar em estratégias para que o partido cresça e tenha mais representação, sou eu.
Os ex-líderes Paulo Borges e André Silva estiveram cerca de quatro anos, meta que vai ultrapassar. Não coloca, portanto, qualquer limite?
Não faz sentido. Podem acontecer circunstâncias extraordinárias e todos nós devemos saber qual o momento para sair. Mas é evidente que o meu compromisso para com o PAN levará a que esteja sempre envolvida, independentemente da função que decida abraçar. Não me imagino a fazer aquilo que outros líderes fizeram, a abandonar o partido ou a virar as costas às suas causas. Há sempre diferentes visões e fações. No dia em que sentir que está na altura de abraçar outro desafio, assim o farei. Mas, até aqui, sinto que um dos meus grandes objetivos é recuperar um grupo parlamentar, porque é muito ingrato aquilo que aconteceu ao PAN e a penalização que acabou por sofrer quando fomos para eleições antecipadas. É um ciclo que ainda não terminou e irei continuar a trabalhar todos os dias para que o partido cresça e tenha alicerces para o futuro.
Referiu-se às vozes críticas como minoria ruidosa. Se não for eleita, esse ruído interno pode ditar o seu afastamento?
O partido está unido em torno desta candidatura. E temos estabilidade interna. Faz parte da democracia haver diferentes vozes, mas não vale tudo em política. Há coisas que têm sido feitas e foram ditas que são muito feias e inaceitáveis. Não posso tolerar esse tipo de ataques, nem em mim, nem a quem me acompanha na direção. Mas o PAN está unido e determinado. Temos consciência da diferença que faz na vida das pessoas, na emergência climática, na proteção animal. Mais nenhum quer saber destas problemáticas fora das eleições.
Lisboa, Porto e Setúbal são apostas para recuperar um grupo parlamentar. Mas como tenciona contrariar o apelo ao voto útil?
O apelo ao voto útil deve passar, em primeiro lugar, por uma avaliação do trabalho efetivo dos deputados. O PAN, com uma deputada única, teve 63 diplomas aprovados. Só o PS nos superou, mas por causa das freguesias. Vamos visitar os vários distritos. Lisboa, Porto, Setúbal, evidentemente, mas também os demais, porque sabemos que as problemáticas de que temos vindo a falar são transversais a todo o país. E a que se somam agora os problemas até por conta das tarifas e deste braço de ferro entre EUA e Europa, em que queremos garantir também que contribuímos para uma visão que ajude as empresas, ajude à manutenção dos postos de trabalho. Mesmo no âmbito da saúde, o SNS tem sido também um dos grandes problemas e um dos grandes desafios deste mandato tão curto. Tivemos um Governo que prometeu acabar com as listas de espera e também com a ausência de médico de família. Mas acabámos com um aumento superior a 34 mil pessoas no número de utentes sem médico de família e também com mais esperas. Inclusivamente do ponto de vista dos apoios às pessoas com doença oncológica, continuam a não ter, por exemplo, a baixa remunerada a 100%.
O PAN tem sido um dos partidos da Oposição com mais propostas aprovadas no debate orçamental. Que balanço faz da sua aplicação?
Têm tido um impacto muito direto na vida das pessoas. Foi pela mão do PAN que vimos a isenção do IMI aumentar de três para cinco anos e, com isso, estamos a beneficiar sobretudo os mais jovens na aquisição de casa própria. Na proteção animal, não só já saíram os avisos de 2024, como agora, para 2025, quando o Governo queria zero euros para a causa animal, conseguimos a maior verba de sempre, de 14,5 milhões de euros.
Alguma medida em concreto que não esteja a ser cumprida?
O prazo de execução do Orçamento não terminou. Apesar de estarmos numa legislatura interrompida, não nos podemos esquecer que ainda agora foi publicado o diploma de uma medida que o PAN conseguiu no Orçamento e que visa, na saúde mental para os mais jovens, garantir apoio no reforço da rede de psicólogos, não apenas no ensino básico, mas também no secundário. Passamos a ter um rácio de um psicólogo para 500 alunos. Estamos a acompanhar a execução e a monitorizar as nossas medidas.
A solução passa por coligações alargadas de Governo? Como partido pêndulo, o PAN deve admitir acordos quer à esquerda, quer à direita?
Uma coisa é certa, sendo o PAN uma força política responsável e que tem feito a diferença na vida das pessoas, seja qual for a solução governativa que saia após o dia 18 de maio, será bastante distinta do ponto de vista da agenda política daquela que seria se não existisse o PAN no Parlamento. E se não houvesse uma agenda PAN a ser promovida junto desse mesmo Governo. Como tal, precisamente pela diferença que temos feito nos orçamentos do Estado, no processo legislativo, temos a consciência de que qualquer solução governativa que conte com uma agenda PAN será uma solução bastante distinta.
Está então disponível para apoiar uma solução tanto à esquerda como à direita?
A única coisa de que temos a certeza é que a nossa agenda é distinta das demais forças políticas. E temos uma instabilidade causada por esses partidos. Um voto no PS ou no PSD não faz diferença. Um voto no PAN não só nos dará um grupo parlamentar como a capacidade de levar para a mesa do diálogo e da decisão as nossas prioridades e bandeiras.
Após se ter colocado no centro-esquerda, o PAN está agora a posicionar-se de forma mais equidistante?
O PAN coloca as causas no centro e não fica refém do preconceito ideológico. Não somos um partido radical, mas sim um partido que preza os valores e as preocupações das pessoas. E é para as pessoas que trabalhamos, a par evidentemente da proteção ambiental e da proteção animal.