
Boa parte dos inspetores contratados regressará à carreira docente, voltando às escolas
Leonel de Castro/Global Imagens
Após processo de recrutamento que durou três anos, 15 dos 20 contratados vão deixar a Inspeção-Geral da Educação. Perda chega a superar os 400 euros.
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Quinze dos 20 inspetores da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) admitidos no ano passado em período experimental, após um concurso público de recrutamento que se prolongou por mais de três anos, já comunicaram ao inspetor-geral que não aceitarão a nomeação definitiva. Descontentes com os cortes salariais que chegam a superar os 400 euros, vão sair da IGEC em junho e voltarão às escolas de origem.
"Tragicamente, a esmagadora maioria regressará à carreira docente, se nada mudar nas condições em que trabalham: a perda salarial mensal média é de 463,29 euros [ilíquidos], agravada pela progressão na carreira inspetiva mais desfavorável", alerta o Sindicato dos Inspetores da Educação e do Ensino, presidido por Bercina Calçada. Enquanto um docente pode atingir uma remuneração equivalente ao topo da carreira em 34 anos, na IGEC tal só é possível ao fim de 100 anos, desde que tenham "bom" na avaliação de desempenho. Um dos inspetores confidencia que se sente "frustrado e defraudado", porque tirou um mestrado e desempenhou cargos diretivos em escolas para poder ser admitido na IGEC, onde sempre sonhou trabalhar. Desde então, está a receber menos 300 euros líquidos. "Como sou do quadro e afeto ao Ministério da Educação, achei que, pelo menos, ia ter a mesma remuneração."
Pagar para trabalhar
O inspetor manifesta "vergonha", porque passou a depender da "mãetrocínio" para fazer face às despesas, que se irão agravar. Terá de se deslocar a uma escola a 500 quilómetros de distância durante uma semana e só receberá 50 euros por dia de ajudas de custo. "Tenho de pôr dinheiro do meu bolso para trabalhar. Se soubesse, jamais teria concorrido", sublinha.
O JN falou, ainda, com outra inspetora, que também se sente enganada por receber menos 320 euros, quando "há professoras na IGEC, em regime de mobilidade, que mantêm o vencimento" que recebiam nas escolas de origem, com autorização do Ministério da Educação. "Na nossa situação, isso não se aplicou", denuncia. "Compreendo que, durante o curso, houvesse uma redução remuneratória, mas depois não. O dinheiro não é tudo, mas há limites. Se isso estivesse claro, nunca teria concorrido", assegura ao JN, sentindo-se "defraudada".
Os dois inspetores têm a expectativa de que os ministérios da Educação e do Ensino Superior, que tutelam a IGEC, equiparem as tabelas remuneratórias. O valor de referência do salário que constava no aviso de abertura do concurso era de 1664,91 euros, mas deixava em aberto a possibilidade de ser negociado, o que não sucedeu, apesar das tentativas nesse sentido. Aliás, esse terá sido o motivo para que as 24 vagas abertas no concurso, lançado em 2018 não terem sido preenchidas, com a admissão apenas de 20 inspetores.
No dia 19, está prevista uma reunião entre representantes do Sindicato dos Inspetores da Educação e do Ensino e dos dois ministérios. "É minha profunda convicção que será encontrada uma solução para impedir a saída destes colegas", acredita Bercina Calçada. O JN tentou obter esclarecimentos dos dois ministérios, mas não quiseram prestar declarações.
Poupança anual de 50 mil euros no Orçamento
O presidente do Sindicato dos Inspetores da Educação e do Ensino garante que a admissão dos 20 inspetores na IGEC com o mesmo valor remuneratório que auferiam nas escolas significaria uma poupança de 50 mil euros por ano na despesa do Orçamento do Estado com a Educação, porque seriam substituídos por professores com menos tempo de serviço.
Além disso, argumenta que, caso estes inspetores não sejam integrados na IGEC, haverá um "desperdício para o erário público", pois estiveram a receber formação, e alega que a sobrevivência da IGEC ficaria em causa, devido à diminuição do número de inspetores nas últimas décadas.
De acordo com a Caixa Geral de Aposentações, reformaram-se sete pessoas em 2019, oito em 2020, dez em 2021 e irão sair mais três inspetores até julho deste ano. Atualmente, existem 170 inspetores, mas, a confirmar-se a saída dos 15 em período experimental e mais três por aposentação, restarão apenas 152, para monitorizar 8307 estabelecimentos de ensino, públicos e privados, do Pré-Escolar ao Ensino Superior, além dos serviços dos dois ministérios.
