Quase oito décadas depois da Segunda Guerra Mundial terminar, a Europa assistiu ao deflagrar de um conflito que se julgava impensável. Em menos de um ano, o Mundo mudou e, provavelmente, não voltará a ser o mesmo. A Guerra na Ucrânia é o acontecimento internacional de 2022 para os jornalistas do JN.
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A mobilização das tropas russas para junto da fronteira com a Ucrânia, nos primeiros meses do ano, levantou temores de que uma invasão poderia estar iminente. Seguiram-se os avisos dos Serviços de Inteligência dos EUA, mas Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, não queria acreditar que a hipótese se tornasse real. Mas tornou-se. A 24 de fevereiro de 2022, quase oitenta anos após a Europa e o Mundo se livrarem do flagelo da guerra, a artilharia, os tanques de combate, os mísseis e agora os drones passaram a fazer parte da vida dos ucranianos.
Não tardou a que Joe Biden se oferecesse a ajudar Zelensky e a família a saírem do país, mas o chefe de Estado deu, apenas um dia após as tropas do Kremlin entrarem em território ucraniano, o primeiro sinal de resiliência. "Preciso de munições, não de boleia", respondeu, negando exílio do outro lado do Atlântico. Como teria seguido o curso do conflito se o líder tivesse abandonado a pátria e se estabelecesse nos EUA? Muito provavelmente a Rússia teria instaurado um Governo fantoche em Kiev e anexado uma grande parte dos territórios ucranianos, além dos que agregou ilegalmente.
O presidente - que em tempos brilhou na televisão ucraniana como comediante - escolheu ficar e, através da publicação, quase diária, de vídeos a dar conta dos acontecimentos no terreno, comprometeu-se a levar até ao fim o braço de ferro com Vladimir Putin. A firmeza do guardião ucraniano inspirou o Mundo, que rapidamente se uniu para ajudar o "corajoso povo ucraniano" - distinção atribuída pelo Parlamento Europeu, que entregou à população, em outubro, o prémio Sakharov.
As mazelas para o Mundo
Ainda que o conflito decorra no Leste da Europa, ao longo dos meses foi inevitável que as consequências da guerra chegassem aos quatro cantos do planeta. Da política à economia, um novo capítulo da História contemporânea começou a ser escrito diante dos olhos do Mundo, que o observara através dos jornais, da televisão, da rádio e, sobretudo, do mais poderoso aliado dos intervenientes, as redes sociais.
A informação em massa fez com que a população tivesse consciência do que estava a acontecer no campo de batalha e terá ajudado, entre outros fatores, a impulsionar uma vaga de refugiados em direção a outros países da Europa. Nações como a Polónia, Roménia ou Hungria foram das que receberam os primeiros requerentes de asilo, mas com o passar dos meses, e o avançar do conflito, também os estados mais ocidentais precisaram de abrir as portas a milhares de famílias que estavam sem acesso aos mais básicos bens de sobrevivência.
De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cerca de dez milhões de pessoas fugiram da Ucrânia em algum momento do conflito, porém, segundo a atualização mais recente do Conselho Europeu, 4,8 milhões de cidadãos ucranianos estão atualmente registados para proteção temporária ou outros regimes similares.
No campo geopolítico, também se notaram algumas alterações nas relações da comunidade internacional que pareciam impossíveis antes de a guerra começar, mas que agora, dez meses depois, nunca mais serão as mesmas. A Finlândia e a Suécia deixaram de ser Estados neutros e pediram para aderir à NATO, a própria Aliança Atlântica ganhou um novo relevo no contexto internacional e as relações entre a União Europeia (UE) e a Rússia entraram em colapso, depois de o bloco comunitário ter adotado nove pacotes de sanções em resposta à invasão.
O golpe diplomático levou a que Moscovo cortasse os canais de abastecimento de gás para a Europa, deixando vários Estados numa situação de enorme carência, como é o caso da Alemanha. A aplicação de sanções à Rússia - o que inclui a proibição dos países que integram a UE importarem petróleo russo, bem como carvão, aço ou ouro - fez com que Moscovo se comprometesse a dar uma resposta ao Ocidente, garantindo que só o levantamento das mesmas poderá levar a um restabelecimento da energia.
O "celeiro da Europa" foi derrubado
A UE não cede à pressão, mas quem mais tem sofrido as consequências é a população. A situação impulsionou uma escalada dos preços do gás nos mercados internacionais, já que muitos países tiveram de começar a procurar outras opções para conseguirem colmatar as falhas no abastecimento. Não só o preço da energia, como também os aumentos numa série de produtos alimentares traduziram-se num crescimento geral do custo de vida, que tem afetado a carteira de milhões de famílias.
Os aumentos acabaram por impulsionar a inflação, que tem acelerado um pouco por toda a Europa. Se as consequências da pandemia tinham provocado uma subida nos preços, a invasão na Ucrânia e consequente impacto em várias matérias-primas levou o indicador a atingir máximos.
Sendo a Ucrânia um dos grandes produtores de cereais, normalmente apelidada de "celeiro da Europa", estes bens alimentares foram dos mais afetados pela guerra. Depois de as tropas russas terem bloqueado os portos ucranianos - impedindo a saída de navios com bens alimentares que deveriam chegar a vários países -, com a ajuda da Organização das Nações Unidas e a intermediação da Turquia, a Rússia e a Ucrânia chegaram a um acordo para que a exportação continuasse a acontecer, com vista a travar uma crise alimentar global.
Para o ano que se avizinha, espera-se uma grande volatilidade no que diz respeito ao acesso aos cereais ucranianos, já que o país tem registado quebras significativas na produção. O facto de os campos de cultivo estarem destruídos, faz com que os países que importavam da Ucrânia vejam como uma necessidade encontrar outros fornecedores.