A sucessora de Arménio Carlos diz que a renovação da Intersindical está a ser feita "há muitos anos" e garante que já há empresas a aproveitarem-se do aumento do período experimental.
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Aos 59 anos, Isabel Camarinha prepara-se para ser a primeira mulher a liderar uma central sindical - no caso, a CGTP. A presidente do Sindicato do Comércio e Serviços de Portugal, que vai suceder a Arménio Carlos no congresso de hoje e amanhã, no Seixal, diz ser "uma grande honra" chegar ao cargo. Quer fazer do combate à precariedade uma bandeira, aponta o dedo ao PS em matéria de legislação laboral e, apesar de o limite de idade determinar que só possa ser secretária-geral durante quatro anos, recusa assumir-se como líder de transição.
O que espera do congresso?
Espero um grande congresso, que reflita o que se passa nos locais de trabalho e que analise o quanto a submissão do Governo PS à União Europeia nos condiciona. Um congresso que sublinhe a necessidade de valorizar os salários, o trabalho, as carreiras e as profissões. Além disso, o combate à precariedade é outra das questões que, decerto, estarão presentes. Os trabalhadores que têm postos de trabalho permanentes têm de ter um vínculo de trabalho efetivo. Temos vindo a fazer uma grande campanha em torno deste tema e vamos colocá-lo como uma das grandes prioridades. Depois, há a questão dos horários de trabalho. Cada vez mais as empresas põem os trabalhadores com horários de tal maneira que eles podem trabalhar os sete dias por semana. De resto, espero também ver presente a questão da liberdade sindical. Muitas empresas acham que esse direito tem de ficar à porta e não aceitamos isso.
Quais serão os seus maiores desafios e prioridades?
Não serão meus, serão da CGTP. Todos os 50 anos que a CGTP faz este ano têm sido de grande determinação, empenhamento, luta e defesa dos direitos dos trabalhadores. Numa perspetiva mais larga, de alterações na sociedade e de condução ao fim da exploração do Homem pelo Homem. Isso está na nossa Declaração de Princípios e não é uma mera afirmação, mas uma forma de estar que continuaremos a ter. O grande desafio que se coloca - não a mim mas a todo o coletivo - é continuarmos a ser os legítimos e fiéis representantes dos interesses dos trabalhadores, na luta por um Portugal mais justo, solidário, fraterno e soberano.
Sente-se preparada para assumir o cargo?
Acho que nunca nos sentimos preparados; aceitamos uma tarefa que nos é colocada e damos o nosso melhor para conseguir levá-la a cabo. Naturalmente que não estarei sozinha, será este grande coletivo que fará com que esta tarefa vá a bom porto.
Só vai ficar quatro anos, devido ao limite de idade. Considera-se uma candidata de transição?
Não vejo nada as coisas assim. Em cada congresso elegemos os órgãos para um mandato de quatro anos e é para isso que serei eleita. Não me preocupo nada em pensar se é para quatro anos, para cinco ou para oito.
A renovação geracional que a CGTP atravessa é um desafio?
Já temos esse desafio há muitos anos. Para nós sempre foi muito importante haver rejuvenescimento e renovação. Em todos os congressos entram novos quadros e novos dirigentes para os órgãos, embora a renovação não se faça só com jovens. Agora, neste congresso há, efetivamente, um conjunto de dirigentes que, devido aos critérios que temos, vão sair. É um facto. Mas temos muitos jovens na nossa direção, com experiência diversificada. Não é agora que eles vão entrar de repente.
É significativo poder vir a ser a primeira mulher a liderar uma central sindical?
Não posso dizer-lhe que não. Obviamente que é uma grande honra para mim. Mas também me satisfaz por ser o reflexo de um grande aumento de participação das mulheres trabalhadoras na vida sindical e na organização nos locais de trabalho. Isso proporciona que haja mulheres a assumir grandes responsabilidades. Não acho que me tenham proposto a mim por eu ser mulher, mas esse facto para mim é importante, obviamente.
Ainda há coisas a reverter desde os tempos da troika em matéria laboral? Como vê o comportamento do PS nesse capítulo?
A legislatura anterior trouxe avanços importantes mas, na legislação laboral, isso não aconteceu, bem pelo contrário. Desde que foi introduzida a caducidade das convenções coletivas no Código do Trabalho que foi retirado o princípio do tratamento mais favorável e que foram introduzidas normas que retiram direitos aos trabalhadores, que a CGTP tem vindo a travar essa batalha. O PS não aproveitou a correlação de forças que tinha na Assembleia da República para revogar estas normas gravosas. Além disso, aliando-se à Direita, ainda alterou a legislação laboral para pior. Lembro o alargamento do período experimental, que as empresas já estão a usar para ter lá os trabalhadores por uns tempos e, depois, mandá-los embora. Ou o banco de horas grupal, que desregula os horários de trabalho, e a precariedade, que foi quase legalizada.
E como olha para a atualidade do mundo do trabalho?
O Mundo avança, há uma revolução científica e técnica e condições para se fazerem coisas que nunca se tinham feito; mas, no plano dos direitos dos trabalhadores, andamos a regredir e qualquer dia estamos no século XIX, sem horários nem direitos e a trabalhar de sol a sol. Precisamos de organizar de outro modo a sociedade e o mundo laboral, de forma a que os trabalhadores tenham uma possibilidade de uma vida melhor, com mais tempo para a família e o lazer. Os avanços científicos e técnicos permitem-no, a sede de lucro do grande patronato é que não.