Pandemia tornou premente o desejo de ligar habitações ao exterior para ganhar qualidade de vida, mas é preciso adequar regulamentos e conseguir financiamento para materializar. O arquiteto espanhol Luís Quintano está a desenvolver o projeto STAYHÖME, uma "ferramenta para melhorar as condições de vida nas periferias" das cidades, ao incorporar varandas nos edifícios existentes.
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Luis Quintano não é o único a procurar respostas inovadoras que permitam resolver o problema da conexão do edificado existente com o espaço exterior e, já antes do vírus ter tornado a necessidade tão premente, havia quem ensaiasse passos nesse sentido. Também não é a única solução.
Os edifícios podem ser ligados ao exterior "através de várias estratégias", nomeadamente a "utilização de telhados comunitários", exemplifica Quintano, lançando outra ideia para cima da mesa e sublinhando que "as cidades contemporâneas não estão a aproveitar o enorme potencial desses lugares, tanto para paisagismo, melhorando o caráter bioclimático, quanto para o uso como espaços de lazer e relacionamento entre vizinhos".
A pandemia vai deixar "marcas no futuro da habitação e da cidade", avança a arquiteta Filipa Guerreiro, docente da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) e coordenadora em Portugal do estudo internacional Cidades Emergentes, que pretende aferir o modo de olhar e projetar o futuro das cidades e da habitação após o impacto do novo coronavírus.
Varandas passaram a ser essenciais
Fenómenos como a covid-19 e a emergência climática, refere a docente, estão a tornar os cidadãos "mais sensíveis e atentos". Leva quem projeta a procurar propostas que "vão do problema da habitação condigna para todos à mudança de paradigma associado à circularidade, adaptabilidade e reutilização dos recursos habitacionais existentes" e "da conciliação da habitação com o meio ambiente à flexibilidade da sua transformação e adaptação ao longo da vida", reconhecendo a necessidade de "novas pedagogias e novas práticas".
Entre outras tendências, confirma Filipa Guerreiro, "percebe-se uma valorização de casas com espaços exteriores". As varandas passaram a ser um fator importante a considerar na hora de escolher onde morar, assim como a localização, privilegiando-se proximidade de espaços verdes, zonas públicas pedonais, comércio e distanciamento entre edifícios que garanta amplitude visual.
Implementar soluções como varandas em edifícios existentes não será fácil, mas há interesse. Ao JN Urbano, Quintano revela que ainda não tem contratos firmados, mas está "em contacto com uma construtora" e há "muitos cidadãos interessados no sistema".
Fazer uma adaptação geral no que existe é uma utopia
Entre as múltiplas barreiras a ultrapassar, estão os regulamentos e os custos. No País Basco, Espanha, conta Quintano, a modificação recente do Decreto de Habitabilidade, que exige que as novas casas e as que sofram reformas abrangentes tenham espaço ao ar livre, é um passo importante. A readequação de regulamentos não é algo inédito e tem permitido avanços a vários níveis, lembra, apontando o processo que levou à instalação de "elevadores e rampas".
Por cá, Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros, considera que passar ideias como esta à prática é "um problema complicado" e "fazer uma adaptação geral no que existe é uma utopia". Além de questões de regulamentos e licenciamentos, que também enuncia, coloca um enfoque particular nas dificuldades financeiras.
Se para o futuro há necessidade de "repensar e redesenhar" como serão as habitações - assim como os escritórios, hospitais, edifícios públicos e privados - "nas que existem não será fácil fazer essas alterações, porque há outras prioridades, nomeadamente a nível de pobreza energética", explica o bastonário.
É preciso ter em conta que o parque habitacional em Portugal, em geral, é mau. A maioria das habitações carece de profundas obras de conservação para aumentar o conforto térmico
"É preciso ter em conta que o parque habitacional em Portugal, em geral, é mau. A maioria das habitações carece de profundas obras de conservação para aumentar o conforto térmico". E, geralmente, "as pessoas que estão nas habitações em pior estado são as que têm menos poder financeiro" para resolver este e outros problemas.
O espaço exterior individual da habitação "tem sido, nas últimas décadas, desvalorizado pelos habitantes, como se compreende pela elevadíssima percentagem de varandas transformadas em marquises", aponta Filipa Guerreiro. A isso não é alheio, diz, a ausência de qualidade de muitos desses espaços, seja pela dimensão, orientação solar ou até relação que estabelecem com o espaço público, nomeadamente os recintos verdes, ou mesmo a poluição atmosférica e sonora.
O projeto STAYHÖME, reflete a docente da FAUP, "realça, sobretudo, a importância dos espaços exteriores intermédios como garantia de maior qualidade das habitações".
Qualificar espaços verdes
Em Portugal, "independentemente da viabilidade da execução, essas questões são hoje igualmente relevantes". Não só do ponto de vista individual, com a criação de varandas, mas também do espaço partilhado, com "propostas de espaços verdes envolventes, sejam eles de uso coletivo ou público".
Segundo a docente, ganha especial importância o debate sobre a "qualificação dos espaços verdes em contexto de proximidade", levando a repensar meios para possibilitar a sua presença equilibrada, em particular nos tecidos urbanos em que tende a haver maior pressão construtiva, e nas áreas de maior vulnerabilidade, que tendem a ser esquecidas ou secundarizadas. Será, portanto, necessário "debater formas de assegurar um efetivo acesso de toda a população a estas áreas verdes de descanso e encontro, no enquadramento da sua vizinhança e sem dependência do automóvel ou de outros transportes"