Ana Sezudo tem que avisar a CP de cada vez que quer fazer uma viagem de comboio. A agente de seguros e candidata da CDU, residente na Amadora, chegou a ter que se levantar três horas mais cedo para conseguir chegar ao local de trabalho, em Lisboa, a tempo e horas. Desloca-se em cadeira de rodas e abandonou os transportes públicos devido à falta de acessibilidades.
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O comboio parte da Amadora às 9.59 horas. Ana Sezudo não pode correr o risco de chegar à estação em cima da hora. Para apanhar o comboio em direção a Sete Rios, Lisboa, a candidata da CDU tem ainda uma "prova de obstáculos" para vencer: uma rampa, longa e acentuada, até chegar à linha 3.
Chega ao fim da subida cansada. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, que acompanhou esta manhã a viagem de pessoas portadoras de deficiência motora, dá força a Ana no último esforço: "Está quase a chegar à meta". Ana responde: "Ou uma pessoa é atleta ou não se safa".
O simples trajeto de alguns metros, percorrido sem problemas por alguém sem deficiência, torna-se árduo para quem tem que utilizar os braços na subida. "Fazer este percurso diariamente acaba por ser muito complicado. Descer é pacífico, agora a subida é bastante íngreme, não sei se cumprirá aquilo que está estipulado por lei a nível de inclinação, mas mesmo que cumpra, como é uma rampa muito grande, a extensão é muito grande, acaba por se tornar muito difícil", lamenta.
O aviso sonoro dá conta da chegada do comboio. Ana teve que avisar com pelo menos doze horas de antecedência que iria utilizar os serviços da CP para uma das carruagens estar preparada para a receber. "Inacreditável", critica.
As portas abrem-se e é necessária toda uma logística para entrar no comboio. O funcionário da CP, destacado para a situação, trata prontamente de colocar a pesada rampa no passadiço. É assim cada vez que alguém em cadeira de rodas utiliza o serviço. "Em hora de ponta é impensável usar o transporte público", aponta Ana Sezudo.
Durante a viagem de 15 minutos entre a Amadora e Sete Rios, apoia-se onde pode. Admite que desistiu de utilizar transportes públicos. "Cansei-me de fazer reclamações por escrito", desabafa. Um acidente de viação na adolescência colocou-a numa cadeira de rodas. Há cerca de 30 anos que lida com a falta de acessibilidades, não só nos transportes, mas também na via pública.
"Se a via pública não for acessível, ninguém consegue chegar à estação de metro ou comboio. Tudo isto têm que estar interligado e estas questões de acessibilidades ou são definidas por políticas que estão interligadas entre todos os ministérios ou dificilmente as questões vão ser resolvidas", explica.
Os obstáculos ainda não terminaram. A grande maioria das estações de metro, por exemplo, não dispõem de elevador e os que existem, alguns estão avariados. "Já me chegaram a dizer do Metro que antes de sair de casa devia telefonar para saber se aquela estação tem o elevador a funcionar. Isto já aconteceu em várias reclamações que fiz e isto são situações que são inadmissíveis", conta a candidata da CDU pelo distrito de Lisboa.
O pesadelo de circular nos transportes públicos não é sentido apenas por pessoas que se deslocam em cadeira de rodas, mas também por invisuais. No final da viagem de comboio, Jerónimo de Sousa cedeu o protagonismo aos que lutam com esta dura realidade todos os dias e garantiu que a CDU está consciente do problema da falta de acessibilidades.
"É uma batalha difícil, nem sempre é entendida, ou mal entendida, como se estivéssemos a lidar com pobrezinhos ou com coitadinhos. Estas pessoas com deficiência, em nome da sua própria dignidade, apenas reclamam, reivindicam direitos que são universais", considerou o secretário-geral do PCP.