Joaquim Miranda Sarmento: "A Justiça passou uma linha que não deveria ter passado"
O processo de alegado pagamento indevido a funcionários do PSD marcou a semana, mas para Joaquim Miranda Sarmento o caso não passa de “uma bizarria sem sentido”.
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Crítico da violação de informação política, o líder parlamentar social-democrata acusa a Justiça de querer interferir no funcionamento dos partidos e rejeita paralelismos com casos judiciais que afetam o Governo. Quanto às críticas de que foi alvo na sua própria bancada, desvaloriza a voz de uma “pequena minoria” e sublinha o crescimento nas sondagens.
A PJ entrou, esta semana, pela casa do ex-líder do PSD, Rui Rio, numa investigação sobre o pagamento a funcionários. Foi a seu ver um espetáculo excessivo?
Há duas coisas que eu queria deixar muito claras. A primeira é a minha total confiança no deputado e vice-presidente da bancada Hugo Carneiro, das pessoas mais competentes e sérias com quem tive até hoje o prazer de trabalhar. Não tenho a menor dúvida sobre a sua honestidade. A segunda coisa de que também não tenho a menor dúvida, e acho que ninguém neste país tem a menor dúvida, é da honestidade do dr. Rui Rio, que é à prova de bala. O que se passou na quarta-feira é bastante grave. Aquilo de que se trata em matéria de investigação não precisa de buscas sequer, porque, se estamos a falar de remunerações de funcionários do grupo parlamentar, isso é informação que está disponível no Parlamento, está disponível na Autoridade Tributária, portanto não consigo perceber o alcance das buscas.
Houve excessos naquilo que foi recolhido?
Não sei se houve excesso ou não, mas tenho receio que possa ter havido.
O PSD diz que sim, aliás escreveu à procuradora-geral da República.
Houve seguramente recolha de informação que não tem nada a ver com esta investigação. Ao não haver delimitação do mandado nas buscas informáticas, ou ter sido feita cópia de uma quantidade enorme de informação, há seguramente informação política sensível da estratégia do PSD que, neste momento, já não está só nas mãos do partido.
Mas desconfia de uma instrumentalização política por parte das autoridades?
Não desconfiamos de nada, limitamo-nos a constatar um facto. As buscas, do ponto de vista informático, extravasaram muito aquilo que era o mandado. Os partidos políticos têm informação interna de natureza política, da sua ação, da sua estratégia, que, obviamente, tem de ser reservada. Imagine que naquela documentação está já, por hipótese, uma short list de nomes para cabeça de lista às europeias, e isso amanhã é tornado público. A violação de informação política, de tática política, se aconteceu, e pode haver indícios de ter acontecido, é de uma gravidade enorme.
Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social e do Partido Socialista, mostrou-se indignado pelo manto de silêncio face ao ataque à democracia que se vive, instando a discutir o que se passa na Justiça. Concorda que há silêncio a mais?
Nós não podemos continuar com esta Justiça. Aquilo que aconteceu, há uma busca em casa do dr. Rui Rio e os canais de televisão estão à porta, à espera do Ministério Público e dos inspetores da Polícia Judiciária, isto está-se a tornar...
Não é novidade, está a dizer isso só porque foi um ex-líder do PSD?
Lá por não ser novidade não quer dizer que não esteja errado. E aquilo que nos choca em todas estas situações é que as pessoas continuam a ser julgadas na praça pública. O dr. Rui Rio, durante os anos em que foi líder, foi bastante crítico dessa forma de atuar da Justiça. Temos de fazer aqui uma reflexão, porque não estamos já só a falar da Justiça a investigar casos de eventual ilícito ou crime. A Justiça aqui passou uma linha que, manifestamente, não devia ter passado.
Não há um duplo financiamento, ao serem pagos funcionários do partido e não necessariamente ligados ao Parlamento?
Há alguns equívocos que importa esclarecer. A verba que é atribuída aos partidos e aos grupos parlamentares, também a partidos que não têm representação parlamentar, é para ser usada pelos partidos até um determinado limite. Podemos discutir se esse limite devia ser maior, devia ser menor, se o financiamento devia ser mais público, mais privado, essa é toda uma outra discussão. Mas a verba é para os partidos usarem na sua ação política. Ora, o grupo parlamentar é um órgão estatutário do PSD e, mais, as contas do grupo parlamentar consolidam nas contas do PSD.
Há necessidade de clarificar a lei, como tem sido defendido?
Pode, eventualmente, haver a necessidade de clarificar um ou outro ponto. Agora, o que não se pode pedir a um partido político é que tenha uma separação absoluta na sua ação política entre aquilo que é o partido e aquilo que é o grupo parlamentar. Isso não faz sentido.
Está a suportar-se nas declarações do presidente da República, que recordou a tese de doutoramento, dizendo que o grupo parlamentar e o partido não deixam de trabalhar um para o outro?
A lógica de funcionamento de qualquer partido é de que o grupo parlamentar é um dos atores da atuação política desse partido no Parlamento. Fazer um fosso de separação de funções é impossível. A atuação dos partidos políticos é um todo. Portanto, isto parece-me de uma bizarria, de um sem sentido que eu não consigo explicar.
Parece-lhe uma bizarria toda a alegação das autoridades?
Sim, toda a alegação. As pessoas que trabalham para o grupo parlamentar estão a trabalhar para o PSD, para qualquer outro partido, e as pessoas que trabalham na sede nacional também estão a trabalhar para o partido. Isso é válido para o PSD, como para todos os outros.
Embora dizendo que não fala de política interna fora do país, o primeiro-ministro usou, expressamente, a mesma frase com que no sábado anterior se tinha referido à demissão do ex-secretário de Estado. Considera legítimo o paralelismo dos processos?
Uma coisa são as investigações judiciais sobre suspeitas de ilícitos ou de crimes cometidos por titulares de cargos públicos. E, obviamente, a Justiça segue o seu caminho. As pessoas têm todo o direito à presunção de inocência e é a Justiça que tem de provar a culpa de alguém. Outra coisa é esta matéria, em que a Justiça quer interferir na forma de funcionamento interno dos partidos e, nas suas buscas, recolhe informação que vai para lá daquilo que são os casos em investigação.
Vários casos foram conhecidos esta semana, desde a acusação ao deputado Pinto Moreira à notícia dos 60 autarcas ilibados na Operação Éter. Há uma exposição pública desmesurada?
São casos de natureza completamente diferente. Eu volto a repetir. A Justiça, sempre que tem indícios ou suspeitas de que um titular de um cargo público possa ter cometido um crime ou uma ilegalidade, obviamente tem de atuar, tem de investigar. Devia fazê-lo de forma mais célere e sem esta exposição pública, e isso é uma matéria que nos deve preocupar.
O PSD pretende uma discussão efetiva sobre este tema?
Há muito tempo que o PSD tem em cima da mesa uma discussão efetiva. Aliás, nos quatro anos de mandato do dr. Rio, foi um dos temas que ele mais procurou trazer para a discussão, e tentar um pacto de regime para melhorar o funcionamento da Justiça.
E em relação ao atual líder, gostaria de ver mais assertividade nesta matéria?
O atual líder também tem tido um papel relevante a trazer este tema para a discussão.
O PSD fica fragilizado na sua imagem e credibilidade, com as buscas desta semana?
Foi aquilo que disse logo no início. Acho que não há ninguém em Portugal, que esteja de boa-fé e que seja minimamente imparcial, que ponha em causa a honestidade do dr. Rui Rio.
Não é a honestidade dele pessoalmente que está em questão.
Não, mas se aquilo que vem nas notícias fosse verdade, era a honestidade do próprio que estava em causa.
O PSD tem mostrado dificuldade em descolar no seu papel de Oposição. Foi perdida uma oportunidade precisamente na semana em que fechou a comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP? António Costa pode partir para férias mais descansado?
Não, acho que a comissão parlamentar de inquérito, durante os meses em que decorreu, mostrou uma forma de governação pouco responsável e com uma situação muito grave que envolveu a utilização dos serviços de informações da República.
Mas acaba por fechar, ao contrário do que se chegou a perspetivar, sem danos políticos. Retirados pelo Governo, pelo menos.
Não sei se o primeiro-ministro tirará conclusões políticas ou não da CPI. O relatório que foi aprovado pode dizer o que quiser, mas os portugueses assistiram às sessões que, aliás, tiveram audiências bastante elevadas. Portanto, os portugueses mostraram um interesse muito grande por aquilo que se estava a passar.
Talvez pelo caráter de reality show, como disse o ministro da Cultura?
Acho que foram declarações profundamente infelizes do sr. ministro da Cultura, mostrando desrespeito pelo Parlamento e pela atividade de fiscalização do Governo. Os portugueses perceberam, nas audições, a forma leviana e irresponsável como o Governo atuou no dossiê da TAP, e que provavelmente se repetirá em muitos outros dossiês, e a forma como passou todos os limites do regime democrático quando, para recuperar o portátil de um ex-assessor, utilizou os serviços de informação e segurança. Por muito que o relatório queira criar uma realidade alternativa, foi indesmentível para os portugueses o dano político que a CPI causou no Governo.
As sondagens, desde o início deste ano, dão o PSD ligeiramente à frente, em empate técnico com o PS. Como capitalização dos casos, é pouquíssimo?
A diferença nas eleições legislativas foi de 14 pontos percentuais. Neste momento, a última sondagem da Universidade Católica até nos dava à frente e já fora dos intervalos de confiança. Ao fim de um ano, o PSD afirmou-se como alternativa e tivemos várias propostas - o programa de emergência social, logo no verão, as propostas no Orçamento do Estado, a proposta de revisão constitucional, o pacote de habitação em fevereiro, agora o programa para a saúde.
Luís Montenegro baixou a fasquia para as eleições europeias que se realizam para o ano. O PSD devia manter o objetivo de uma vitória inequívoca?
Mas o PSD irá às eleições europeias, como vai a todas as eleições, com o objetivo de ganhar. Querermos ganhar não significa que não haja realismo na avaliação das condições eleitorais. As eleições europeias, ainda por cima, realizam-se num dia francamente mau, entre dois feriados, e têm normalmente elevados níveis de abstenção. O PSD, nas eleições de 2019, teve 22%. Nas legislativas de janeiro de 2022, teve 29% sensivelmente. Há que ter algum realismo, mas o PSD irá às eleições europeias com o intuito de ganhar e ter mais votos e mais eurodeputados do que o PS.
Falava há pouco no cenário hipotético de as autoridades terem listas de nomes para as europeias. Rui Moreira pode estar nessas listas?
É uma matéria que ainda não foi discutida na Direção Nacional do PSD. Estava apenas a colocar como hipótese, porque imagino que o presidente do PSD vá pensando em quem é que pretende como cabeça de lista.
Mas Rui Moreira seria um bom nome?
Não vou comentar nenhum nome.
Sente-se fragilizado pelas notícias relativamente às divisões na bancada e à necessidade de intervenção por parte do líder do partido em sua defesa?
Tem havido algumas notícias que eu creio que são de uma pequena minoria de deputados, discordando da minha liderança e de algumas decisões tomadas. Este é o grupo parlamentar do PSD. É com estes 77 deputados, eu mais 76, que trabalhamos e, a bem de todos, não creio que notícias anónimas favoreçam quem quer que seja.
Essa falta de unidade prejudica o PSD no seu papel?
Não creio que haja falta de unidade. A esmagadora maioria dos deputados está concentrada no seu trabalho e em ajudar o PSD a afirmar-se cada vez mais.
O Chega e o seu estilo ruidoso tem condicionado a Oposição?
Do nosso lado, não. Não é por falarmos mais alto que temos razão ou que defendemos melhor os nossos pontos de vista. O Chega pode falar muito alto, mas, no final do dia, que propostas tem para o país?
O partido já deveria ter sido mais claro a demarcar-se do Chega?
O PSD tem sido claro a dizer que não há acordos que envolvam políticas que vão contra aquilo que são os princípios do partido.
O crescimento da economia poderá ser o principal trunfo político de António Costa?
Aquilo que esperamos é que a economia portuguesa cresça, e o PSD fica sempre satisfeito quando o país tem boas notícias. O problema é que a economia portuguesa tem crescido pouco. Os números deste ano são melhores do que o esperado, mas, ainda assim, quando comparamos com os nossos concorrentes diretos, os países da coesão, não nos colocam a crescer nada de extraordinário. E os números para o próximo ano já são francamente inferiores.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF