O jogo eletrónico e a dinheiro está a aumentar entre os jovens, revela inquérito nas escolas públicas. As raparigas passam a ser as que bebem mais e o consumo de óxido nitroso para fins recreativos entre as novas tendências que preocupam
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O jogo eletrónico entre os jovens está a aumentar de forma significativa: cerca de oito em cada dez alunos (79%) afirmam ter jogado videojogos no último mês, e destes, cerca de 30% relataram jogar de forma intensiva, ou seja, durante quatro ou mais horas num dia sem aulas. Olhando para uma frequência diária ou quase diária, cerca de metade dos jogadores admite ter jogado quatro ou mais dias da última semana. São os rapazes que lideram estas práticas.
Os resultados são do Estudo sobre os Comportamentos de Consumo de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Aditivos e Dependências (ECATD-CAD), promovido pelo Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), com base num inquérito que envolveu 11 803 alunos entre os 13 e os 18 anos de 1992 escolas públicas de todo o país, incluindo as regiões autónomas.
A coordenadora nacional da investigação acredita que o fenómeno pode estar ligado ao impacto da pandemia na socialização e ao crescente papel das redes sociais e 'influencers' na definição de comportamentos e estilos de vida da 'geração Z'. “Estamos perante uma geração que cresceu no digital e que valoriza mais o espaço doméstico e virtual do que os locais de socialização tradicionais”, afirmou Elsa Lavado, na sessão de apresentação dos resultados.
Esta mudança pode justificar, em parte, justificar uma troca de hábitos: em geral, o ECATD-CAD mostra que, em comparação com 2019, o consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas diminuiu entre os jovens, mas, em contrapartida, passam mais tempo online e estão mais expostos ao jogo.
Apesar de considerar os dados globalmente positivos, o presidente do ICAD sublinha que "os novos hábitos da vida online", acentuados pelo isolamento durante a pandemia, exigem atenção.
“Estas situações não se resolvem com intervenções pontuais”, alertou João Goulão, reforçando a importância do trabalho preventivo nas escolas e junto das famílias, em articulação com parceiros como o Ministério da Educação e as forças de segurança, nomeadamente através do programa Escola Segura.
Também presente na sessão, o vice-presidente do ICAD considerou que questão do jogo eletrónico "vai marcar presença nos próximos tempos”, alertando que pode despertar uma apetência para outros consumos, como o álcool.
"Parece haver um desvio dos comportamentos de risco de consumo para o jogo, e uma das maiores preocupações é que rapidamente do ecrã passe também para o copo", ilustrou. Manuel Cardoso considerou, por isso, ser necessária uma "maior regulação da publicidade" nas várias plataformas e integrar o fenómeno nas estratégias de promoção da saúde e de cidadania.
Raparigas e alunos mais novos fazem aumentar jogo a dinheiro
Entre as tendências preocupantes está ainda a subida do jogo a dinheiro, e uma maior diversificação do tipo de jogos. Quase 18% dos inquiridos, isto é, dois em cada dez jovens, admitiram ter jogado a dinheiro no último ano, sobretudo em lotarias, seguindo-se as apostas desportivas, os jogos de cartas. Já as máquinas de 'slots' são as menos atrativas para os inquiridos.
Embora ainda seja mais comum entre os rapazes, é uma prática que tem crescido especialmente à custa de um grande aumento entre as raparigas e os alunos mais novos, concluem os investigadores.
"O facto de os consumos das substâncias estarem a diminuir, é uma boa notícia, mas não significa que podemos ficar totalmente descansados porque o jogo é também aditivo, e traz outras questões em termos de sociabilidade e de saúde mental. Os miúdos que jogam de forma intensiva, acabam naturalmente por estar mais isolados", alerta a Elsa Lavado, em declarações ao JN.
Consumo de álcool maior entre raparigas
O estudo revela que se está a verificar uma mudança significativa dos padrões de consumo de álcool e de episódios de embriaguez, que já começava a ser visível na edição anterior: são agora as raparigas que apresentam valores superiores aos rapazes.
No total, 48% dos alunos afirmou ter bebido bebidas alcoólicas no ano anterior ao inquérito. Deste grupo, mais de metade são raparigas (51,3%). A diferença entre as raparigas e os rapazes é, todavia, menor no consumo no último mês (31,2% vs. 27,8%, respetivamente).
O mesmo acontece com o tabaco, tranquilizantes ou sedativos, e o consumo de analgésicos, práticas que já são "mais femininas do que masculinas" entre os jovens entre os 13 e os 18 anos, segundo o estudo. Já os rapazes, são os que consomem mais drogas ilícitas.
Os investigadores observam também uma ligeira subida do consumo de analgésicos fortes sem receita médica, de 1,3% para 2,5% desde o relatório anterior. Os jovens tomam os medicamentos com o intuito de ficarem alterados, revelam os investigadores.
Já o consumo de óxido nitroso - cujo uso foi avaliado pela primeira vez introduzida no questionário - ainda que reduzido, chegou a níveis semelhantes ao da cocaína. João Goulão explica este uso "coincidiu com o retorno aos meios recreativos no pós-pandemia", sobretudo nestas camadas mais jovens. E defende que a intervenção deve ir mais além: “É preciso atuar a montante, sobre o que leva os jovens a usar substâncias para procurar a felicidade", resumiu.