Recebidas 560 candidaturas a apoios para nova vida fora dos grandes centros, "arrastando" 980 pessoas. Maioria quer sair dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal e ir para Castelo Branco, Évora, Guarda e Bragança.
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Num ano de vigência, a medida Emprego Interior MAIS - Mobilidade para um Interior Mais Sustentável tem 560 candidatos a trabalhar fora dos grandes centros, o que representa um movimento de 980 pessoas, incluindo os familiares.
A maioria dos candidatos é jovem e qualificada: 52% têm menos de 34 anos e 63% possuem formação superior, segundo um balanço obtido pelo JN junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Lançada em agosto de 2020, a medida, destinada a desempregados ou interessados em mudar de emprego e para o interior, concede um apoio até 4827 euros. O Governo pretende alargá-la a residentes no estrangeiro.
O distrito de Lisboa é o que apresenta mais interessados em migrar para o interior, com 38% das candidaturas, seguindo-se o do Porto (17%), Setúbal (11%) e Braga (7,2%).
O distrito de Castelo Branco, que registou a segunda maior descida da população (-6,8%) no Censos deste ano, é o maior destino, com 115 candidatos (20,5%). Seguem-se Évora (9%), Guarda (9%), Bragança (8%), Portalegre - o que mais decresceu numa década, com menos 10,3% da população -, com 8% e Viseu (7%).
Os dados indicam que 68% dos candidatos vão trabalhar por conta de outrem e 26% propõem-se criar o seu emprego, sobretudo nos distritos de Braga (43%), Bragança (37%) e Vila Real (32%) - ler reportagem.
Já os 6% que querem criar empresas, apesar de investirem em territórios afastados dos grandes centros, não deixaram de preferir distritos com frente costeira. O de Aveiro está na preferência de 33% dos candidatos, seguindo-se Setúbal (19%), Faro (15%) e Viana do Castelo (13%).
"uma lógica pioneira"
Para o geógrafo José Alberto Rio Fernandes, os números "têm algum significado". Se mantiver o ritmo, "em dez anos serão mais dez mil pessoas - não é extraordinário, mas é razoável", disse ao JN.
Observando ser necessário um esforço para o repovoamento do interior, diz que não devemos esperar o reequilíbrio. "Sempre houve e vai continuar a haver territórios de baixa densidade e não podemos esperar o retorno ao povoamento dos anos 1950 ou 1960, porque seria o retorno à pobreza", notou.
O catedrático do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto enfatiza a "dimensão qualitativa" das candidaturas, sendo "significativa a percentagem de licenciados" que pretende sair das grandes cidades, "numa lógica pioneira que marca uma tendência".
Entre os fatores destaca a facilidade das telecomunicações - que diminuiu a distância e oferece às pessoas mais habilitadas a possibilidade de localizações mais aleatórias -, o facto de cidades médias como Vila Real, Bragança ou Évora apresentarem boa qualidade de vida e estarem mais próximas de Espanha do que do Porto ou Lisboa ("já não há fronteira!"), "uma certa exaustão do modelo das cidades densas", os "custos muito penalizadores com a habitação e os transportes" nas áreas metropolitanas e até a fuga à pandemia com a "procura de espaços mais abertos".
MÁRIO JÁ SE INSTALOU EM BRAGANÇA, SÓ FALTA O DINHEIRO
Saturado do rebuliço da cidade grande, Mário Borges, 49 anos, decidiu fazer as malas com destino a Bragança. Para se fixar, aproveitou todos os programas de incentivo do Estado para repovoamento do interior.
Ele e a mulher Alexandra Paz viviam na zona de Lisboa. Ela tem formação em Informática e ele é licenciado em Gestão Industrial.
Conheciam a realidade transmontana porque Mário tem raízes em Bragança e Alexandra estudou em Trás-os-Montes. "Não foi uma mudança ao acaso", explica o gestor. Tanto mais que a ideia da demanda de uma vida mais calma estava latente há muito no seu quotidiano, mas não tinha data nem hora marcada. "O nosso clique foi a covid-19", conta Mário. A pandemia desencadeou a mudança, porque a empresa onde Mário trabalhava entrou em reestruturação. Ele deixou o emprego e a mulher passou para teletrabalho.
Mário levou na bagagem um processo empresarial inovador na região, que passa por uma nova maneira de olhar para a gestão. Lançou-se como freelancer na área da Metodologia Lean Six Sigma, muito utilizada nas zonas industriais de Porto, Aveiro, Lisboa e Setúbal. "É uma metodologia que se iniciou com a Toyota e existe em várias instituições que a divulgam, como o Kaizen Institut. Venho divulgar e espalhar esta metodologia que ajuda as empresas a serem mais eficazes e competitivas", descreveu Mário, que já está a trabalhar com algumas empresas locais através do Programa Formação PME. "Está tudo a correr dentro do expectável. Trabalho com pequenas e microempresas, em colaboração com associações empresariais", revelou.
Porém, ainda aguarda o desbloqueamento das candidaturas do Programa de Valorização do Interior a que concorreu, como o Emprego Interior MAIS e o Mais CO3SO Emprego através do Instituto do Emprego e Formação Profissional. "Há sempre burocracia associada, mas conto com esses apoios. Para já, estou a avançar com os meus próprios meios", admitiu.
Novos olhares
Na bagagem levou também novos olhares e conhecimentos, fatores que podem fazer a diferença no seu posicionamento no mercado de trabalho, que avaliou com cautela antes de se mudar. "Analisei hipóteses, estudei o mercado e vi as possibilidades. Esta metodologia no interior não é conhecida. Existe uma empresa que impulsiona algumas novas metodologias, mas além disso não é conhecida. As ferramentas Kaizen são uma filosofia e um modo de estar direcionadas para serviços, logística, instituições públicas, como câmaras e hospitais", explicou.