Até dia 19, mortalidade estava 30% acima face à média de 2015-2019. São 1558 mortes a mais. Covid responde por 45%. Calor entre as explicações.
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Nos primeiros 19 dias de junho, Portugal registava, em média, 84 óbitos diários em excesso face a período homólogo de 2015-2019. Dos quais a covid respondia por 45%. As ondas de calor que se fizeram sentir nas últimas semanas explicarão parte desta sobremortalidade. Mas não só. Aos hospitais chegam cada vez mais doentes descompensados e com doença mais grave, avisa o bastonário dos Médicos, recordando um estudo, segundo o qual, em 2020, Portugal foi o segundo país da União Europeia que mais atos médicos deixou por fazer.
De acordo com os cálculos de Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, neste mês, o país registava uma média a 14 dias de 360 óbitos diários, contra 270 no período 2015-2019. Dos 84 óbitos diários em excesso neste início de junho, a covid respondia por 38, explica ao JN. Em termos acumulados, nestes primeiros 19 dias morreram 6741 pessoas. Comparando com o período de referência, são 1558 os óbitos em excesso. Fazendo com que, em junho, a mortalidade, esteja 30% acima da média.
Analisando os dados do eVM - sistema de vigilância da mortalidade - constata-se que 46% dos óbitos registados neste mês são de pessoas com 85 ou mais anos. Por regiões, Lisboa e Vale do Tejo conta um terço das mortes nestes 19 dias, seguida do Norte, com 31%. Contudo, se Lisboa regista três dias com mortalidade acima do esperado, o Norte conta 13 dias. No total, entre os dias 4 e 18 de junho, houve excesso de mortalidade.
Temperaturas elevadas
A Direção-Geral de Saúde (DGS) diz estar a monitorizar os dados da mortalidade com o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, tendo sido identificados, nos relatórios de vigilância epidemiológica de 25 de maio, 1 e 8 de junho, "períodos de excesso por todas as causas associados ao aumento da mortalidade específica por covid".
Por outro lado, as elevadas temperaturas que se fizeram sentir, com o maio mais quente dos últimos 92 anos e junho a bater máximos em muitas zonas do interior, poderão, "igualmente, estar a condicionar o período de excesso de mortalidade observado em Portugal", adianta a DGS. A autoridade de saúde sublinha, no entanto, que os dados de mortalidade ainda são provisórios, decorrendo a codificação dos óbitos de 2021 e de 2022 para posterior validação pelo Instituto Nacional de Estatística.
414 óbitos no dia 14
Junho fica marcado, ainda, por excecionalidades. No dia 14, contabilizaram-se 414 óbitos, sendo o sétimo dia deste ano com mais mortes - os restantes reportam a dias de janeiro e fevereiro. Face à média, revela Carlos Antunes, são 147 óbitos a mais só naquele dia (40 por covid). Já no dia 13, o registo de mortes diárias fechou acima das 400, o que não acontecia desde 17 de fevereiro.
Olhando os registos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a 12 de junho, a temperatura máxima subiu aos 34.7 º C e a média aos 25º C , quando a normal (1971-2000) está nos 24.8º C e 20.3 º C, respetivamente. A 27 de maio, por sua vez, a temperatura máxima fixou-se nos 34.2º C (normal 21.4º C ) e a média nos 24.1º C (normal 17.3º C ).
Doentes descompensados
A DGS não descarta, ainda, "outras causas" que "poderão estar associadas ao período de excesso, que continuará a ser monitorizado e avaliado". Já o bastonário da Ordem dos Médicos não tem dúvidas de que o adiamento de milhares de atos médicos, nomeadamente no primeiro ano pandémico, explica também esta sobremortalidade.
"Em 2020, Portugal foi o segundo pior país da Europa em que mais coisas ficaram por fazer. Foram 34% dos atos médicos. Pior, só a Hungria, com 36% [relatório da Eurofound]", explica Miguel Guimarães. Para quem os dados da mortalidade "não surpreendem: Continuamos a ter os serviços de urgência com doentes descompensados, doentes que nem sabiam que tinham diabetes, AVC, doença cardíaca, no geral, com doença mais grave".
Sendo que há muito a Ordem defende um plano para os doentes não-covid. Porque, vinca o bastonário, neste momento, a atividade assistencial estabilizou para níveis pré-pandemia, "mas para recuperar a atividade perdida é preciso ir mais longe". É, por isso, "fundamental perceber o que o Governo vai fazer para recuperar os doentes que estão para trás".