Revolução Liberal de 1820, que teve origem na Invicta, recuperou o país das mãos dos ingleses e lutou contra o absolutismo. Cidade comemora com extenso programa municipal.
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São cinco da manhã do dia 24 de agosto de 1820. O Campo de Santo Ovídio, no Porto, enche-se de soldados que proclamam em uníssono: "Acabou o sofrimento!". Há 200 anos, a cidade uniu-se e foi o epicentro da Revolução Liberal. Em poucos dias, todas as autoridades aderiram ao movimento que recuperou o país, já fragilizado pelas invasões francesas, das mãos dos ingleses. A proclamação no Campo de Santo Ovídio, atual Praça da República, marcava, assim, o início do Liberalismo.
Para comemorar o bicentenário, a Câmara do Porto preparou um vasto programa com cerca de 50 eventos, desde exposições e colóquios a programas musicais, que se prolongam até dezembro.
O sentimento, já espoletado pelo general Gomes Freire de Andrade em 1817 - que morreu enforcado pelos ingleses -, motivou civis, como o advogado e político José Ferreira Borges, e o juiz desembargador da Relação do Porto Manuel Fernandes Tomás, a recomeçar o movimento.
"Foram estes homens, através de um organismo secreto, o Sinédrio, que começaram a reunir-se com os militares. E eles acederam porque estavam descontentes. O inglês, general Beresford, que tinha ido ao Brasil informar o rei D. João VI da morte de Gomes Freire, privilegiava os militares ingleses em detrimento dos portugueses. Depois já não voltou", explica o jornalista e historiador Germano Silva.
No mesmo dia da proclamação militar, e aproveitando a ausência do general e do rei - que se mantinha no Brasil desde o início das invasões francesas -, formou-se um Governo provisório com militares e civis.
"O povo andava descontente porque estavam a ser governados por estrangeiros e não gostavam. Havia muitas dificuldades e problemas. Era preciso dar a volta a isso", diz Germano Silva.
Cerco do porto
Um dos objetivos da revolução era fazer com que D. João VI e a sua corte regressassem ao país. O que acabou por acontecer um ano depois. Foi o seu filho mais velho, D. Pedro IV, quem ficou no Brasil, e acabou por, em 1822, declarar a independência daquele país e tornar-se imperador.
Quem sucedeu ao trono português após a morte de D. João VI foi, então, D. Maria da Glória, filha de D. Pedro IV.
"Ele sabia que a mãe, Carlota Joaquina de Espanha, se preparava para que D. Miguel, o filho mais novo, se tornasse rei absoluto e negociou com o irmão, que estava no exílio em Áustria. Podia voltar para Portugal, casar com a sobrinha, e durante a menoridade dela, ficava como regente do reino. Quando atingisse a maioridade, ela seria rainha e ele ficava como comandante do Exército", continua Germano Silva, indicando que, logo após assumir o poder, D. Miguel instaurou o movimento absolutista.
Após várias tentativas de recuperar o Liberalismo, que fracassaram, dá-se início ao Cerco do Porto, em 1832. A luta entre os irmãos deixou D. Pedro - acabado de desembarcar no Mindelo -, e as suas tropas cercados durante cerca de um ano pelo regime absolutista de D. Miguel. Os liberais resistiram e acabaram por vencer. Como agradecimento, D. Pedro IV entregou o seu coração ao Porto.
Igreja da Lapa guarda coração de D. Pedro IV desde 1834
Antes de morrer, D. Pedro IV chamou um soldado que o acompanhou na vitória do Cerco do Porto, abraçou-o e disse que queria que o seu coração fosse entregue à cidade como sinal de reconhecimento. O coração de D. Pedro IV está guardado desde 1834 na capela-mor da igreja da Lapa, no Porto, onde iria à missa. A chave do sarcófago está no gabinete do presidente da Câmara do Porto. O ato da entrega do coração à Cidade Invicta está inscrito numa gravura do monumento a D. Pedro IV, na Praça da Liberdade.