D'Silvas Filho defende alternativa que permita conciliar posições entre defensores e detratores do Acordo Ortográfico de 1990.
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É uma "terceira via" na extremada discussão em torno do Acordo Ortográfico (AO 90). O linguista D'Silvas Filho, autor de vários prontuários, publicou há dias o "Novo Vocabulário Ortográfico", uma edição da Guerra e Paz na qual procura conciliar posições, adotando "uma solução de meio termo" com o objetivo de "aproveitar o que o A090 tem de positivo e manter o que da equilibrada Norma de 1945 pode ou deve aproveitar-se".
Defensor inicial do tratado que supostamente viria unificar a língua portuguesa, D'Silvas Filho afastar-se-ia do mesmo em 2012 ao verificar que os vocabulários impostos no ensino estavam repletos de "arbitrariedades, com várias imprecisões, incongruências gritantes e até erros técnicos".
A exclusão injustificada de consoantes (como do "p" em "recepcionista", que se manteve no Brasil e deixou de ser aplicado em Portugal) e a arbitrariedade no uso do hífen e dos acentos foram apenas algumas das "decisões simplificacionistas que tiraram qualidade à língua". Por isso, o especialista considera que o AO 90 "trouxe uma divisão insanável em Portugal, pois grande parte prefere continuar a escrever na Norma de 1945". Esta cisão criou três variações da língua, formada pelos falantes da antiga grafia, os seguidores da nova e ainda uma terceira, composta pelos que "desconhecendo as alterações, oscilam entre ambas e inventam palavras".
A proposta agora publicada vem permitir, segundo o consultor do Ciberdúvidas, "alguma liberdade de escolha no uso da ortografia e aceita mais duplas ortografias".
Dois modelos propostos
Ao JN, D'Silvas Filho sublinhou que o seu objetivo é o de "aperfeiçoar a atual aplicação do AO no país, não denunciar o AO90". Defendendo que um vocabulário comum no universo da língua "será difícil de se obter em tempo razoável", o linguista sugere uma solução de estudo "para pacificar a atual grande divisão".
Assim, "numa fase de adaptação, até a língua estabilizar", propõe um modelo a que chama de "Simplificação simples", em que se adota a Norma de 1945, mas procura-se aproximar Portugal do Brasil através da supressão de consoantes que não têm valor e sucedem a vogal surda ou tónica, como são os casos de "acionar", "exato" ou "ótimo". O outro modelo é o da "Simplificação ampla" e consiste no respeito pelo AO 90, "mas excluindo palavras inventadas e não esquecendo a uniformização pretendida", rejeitando ainda o que diz serem "ambiguidades e incoerências na aplicação do AO90", como são os casos de "Egito/Egipto" ou "ata/acta".
Crítico do processo de implementação do acordo, D'Silvas Filho defende que o mesmo só deveria ter entrado em vigor com a edição de um vocabulário ortográfico extensivo a todos os países da CPLP, ao invés de edições nacionais, como sucedeu. Só assim, argumenta, teria sido possível "manter a qualidade e as virtualidades da língua".
ALTERAÇÕES PROPOSTAS
"Receptor" - Reintroduz-se o "p" em nome da uniformização, pois no Brasil a consoante não é muda;
"Pára" - A polémica supressão do acento é revertida;
"Janeiro" - Os meses e as estações do ano são grafados com maiúsculas;
"Concepção" - Para evitar confusão com "concessão", o termo volta a escrever-se com "p";
"Cor-de-vinho" - O hífen volta a ser utilizado em muitas locuções;
"Peremptório" - Substitui "perentório";
"Egipto" - Recuperação da grafia original, que permite pôr cobro à incongruência atual (escreve-se "Egito" mas não "egícios").