Relatório da AMT denuncia uma grande desigualdade no número de partidas ferroviárias no país. Autarcas temem que o plano da ferrovia fique no papel.
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Andar de comboio é uma necessidade e uma escolha que a maioria dos portugueses não consegue satisfazer. A situação piora fora das capitais de distrito. Mas, mesmo residindo numa, não é garantido que se possa sair do concelho com recurso a uma ligação ferroviária. O relatório "Ecossistema Ferroviário Português" da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), publicado recentemente, mostra que, fora da região de Lisboa, a oferta de partidas diárias é desigual. Em alguns casos, escassa e até inexistente.
Por dia, a capital tem 442 viagens, que inclui longo curso, regionais/inter-regionais, urbanos e suburbanos. Face ao Porto tem quase três vezes mais comboios a circular (168), 14 vezes mais relativamente a Braga (31) e 16 vezes mais em comparação com Faro (27). Os dados são referentes a junho deste ano (ver infografia). A situação não é estranha a Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga, que afirma que o "reforço das ligações" ao concelho é uma reivindicação feita há vários anos. "Ao não investir numa alternativa regular ferroviária, obrigamos quem se desloca à cidade a fazê-lo de carro", refere. O resultado? Longas filas de trânsito a entrar e a sair.
Expectativa do plano
Para os autarcas das capitais de distrito ouvidos pelo JN, o anúncio do Plano Ferroviário Nacional, em abril pelo Governo, constitui uma oportunidade para resolver problemas de fundo. Porém, dizem, é preciso que as ideias saiam do papel e passem para o terreno. Este mês, iniciaram-se as cinco sessões regionais, com consulta às autoridades dos territórios. Entre janeiro e março de 2022, prevê-se que o plano esteja finalizado e seja aprovado em Conselho de Ministros.
Rogério Bacalhau teme que "nada de concreto" aconteça no Algarve. Para o autarca de Faro, a adesão ao comboio tem descido na região: "Com a supressão de linhas, a ferrovia deixou de estar adequada à realidade".
O presidente da Câmara dá um exemplo: "Alguém de Olhão que precise de estar às 9 horas em Faro chega às 8 horas e não quer estar uma hora à espera" na estação. E, depois do trabalho, "não quer ficar uma hora e meia à espera do comboio".
Sem comboio
Se, para uns, a oferta é escassa, para outros é nula. Vila Real, Viseu e Bragança são as três capitais de distrito sem qualquer ligação ferroviária. A esperança no Plano Ferroviário Nacional dá lugar ao ceticismo.
"A partir de Viseu, os portos da Figueira da Foz, Leixões e Lisboa teriam ligação à Europa para o transporte de mercadorias", defende João Paulo Gouveia. O vice-presidente da Autarquia viseense esteve presente, anteontem, na primeira sessão regional do plano. No seu entender, tudo não passa, para já, de um "levantamento de diagnóstico".
Também Hernâni Dias não quer que o investimento na ferrovia seja mais um "trabalho de campo". O presidente da Câmara de Bragança destaca como essencial a ligação ferroviária do concelho a Espanha. "Temos o TGV espanhol a poucos quilómetros de distância da fronteira. É impensável, no futuro, não termos uma ligação direta".