Advogado invocou estado de necessidade para evitar suspensão de donativos, mas foi negado.
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A família de Eva, uma bebé de cinco meses que sofre de atrofia muscular espinal (AME) de tipo 1, fatal antes dos dois anos, viu ser recusado pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) o pedido que fez, sob a figura jurídica do estado de necessidade, para que este organismo prescinda dos constantes bloqueios da conta bancária solidária, os quais atrasam a angariação dos dois milhões de euros que custa o medicamento que pode salvar a menina.
O advogado da família, que é de Esposende - embora os pais e a bebé residam no Canadá, onde o Zolgensma não está autorizado -, invocou, ainda, "o direito à vida, consagrado na Constituição", para que a SGMAI não suspenda a conta após cada sete dias de angariação. Mas nem isso demoveu este organismo do Estado.
No passado dia 27, a Secretaria-Geral respondeu a Pedro Martins Pereira, num "email bastante curto, grosso e frio, que revela falta de sensibilidade" - segundo relata o causídico -, que, "de acordo com o n.0º3 do artigo 2º do decreto-lei n.0º 87/99, o peditório apenas pode ser autorizado por um período de sete dias", pelo que a família "deverá continuar com o mesmo procedimento".
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Em causa está a obrigação de prestar contas num anúncio de jornal no fim de cada angariação e aguardar nova autorização da SGMAI, ficando a conta da campanha "ForEva Strong" suspensa entre oito a 10 dias. Recorde-se que a menina luta contra o tempo, já que se debate com graves problemas de saúde decorrentes da AME. Eva - de nacionalidade portuguesa - tem cada vez mais dificuldades para respirar.
"Ao termos conhecimento da notícia que saiu no "Jornal de Notícias" [edição do passado dia 22, em que um especialista em Direito Administrativo sustenta ser possível a dispensa do bloqueio da conta pela SGMAI, ao abrigo do artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo e do 339º do Código Civil, uma vez que se trata da salvaguarda da vida humana, consagrada na Constituição], invocamos o estado de necessidade, que é uma forma jurídica que se adapta a esta situação", explica o advogado da família de Eva, sublinhando que "o MAI devia ter conhecimento que um direito constitucional se sobrepõe a qualquer outro".
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"Se obrigassem a publicar o anúncio - apesar dos custos -, mas a conta não ficasse bloqueada...", contempla Pedro Martins Pereira, vincando que "o problema é o bloqueio da conta" e que a família se comprometeu a enviar extratos bancários.
O JN perguntou ao MAI porque não deferiu o pedido feito sob o estado de necessidade, mas o Ministério apenas remeteu para o decreto-lei 87/99, que rege os peditórios, argumentando que, "consciente da situação específica, tem permitido que os pedidos de abertura da conta não cumpram o prazo legal de 60 a 30 dias de antecedência para serem apresentados".
Matilde com dois milhões em duas semanas
O JN questionou o MAI sobre a angariação para a bebé Matilde, por ser um caso idêntico ao de Eva Batista - ambas com AME tipo 1 e dois meses de vida no início dos peditórios -, mas não foi dito se a conta da menina que acabou por ter o fármaco pago pelo Estado foi sujeita a escrutínio igual ao que tem sido exigido à da bebé lusodescendente. Em janeiro, a tutela indicou que "foi apresentado um pedido à SGMAI, depois de aberta a conta", que "esteve ativa entre 19/06/2019 e 19/07/2019", mas não disse se houve interregnos. O JN inquiriu os pais de Matilde, que não responderam. Mas é público que, a 2 de julho, ao fim de 14 dias de angariação, a conta tinha um saldo de dois milhões de euros.