Governo lançou privatização de 49,9% da companhia e quer concluir processo num ano. Estado fica com decisões cruciais, mas gestão corrente passa para o privado, que terá preferência na futura venda dos restantes 50,1%.
Corpo do artigo
O Governo aprovou, esta quinta-feira, o início do processo de venda de 49,9% da TAP, numa privatização que mantém a maioria do capital nas mãos do Estado, como exigiam o PS e o Chega. A venda deverá ficar concluída daqui a um ano e passa apenas a gestão corrente para os privados, sendo que as decisões importantes como as rotas e o hub de Lisboa ficam para o Governo. “Não queremos continuar a deitar dinheiro para um poço que não tem fundo”, justificou Luís Montenegro, numa declaração que lhe valeu críticas.
A decisão foi anunciada a meio da manhã, por Luís Montenegro, que interrompeu a reunião ministerial para revelar que a primeira fase de privatização da companhia manterá a maioria do capital no Estado. A TAP, que é 100% pública, passará a ter 44,9% de participação privada, 5% dos trabalhadores e 50,1% do Estado.
No final da reunião do Conselho de Ministros, os ministros Miguel Pinto Luz (Infraestruturas) e Joaquim Miranda Sarmento (Finanças) explicaram que a gestão passará por um acordo parassocial em que o privado terá a “gestão corrente” da TAP, ficando o Estado com as decisões críticas, como a manutenção do hub de Lisboa ou a abertura de rotas.
Miranda Sarmento especificou que procura um comprador “maior que a TAP” que consiga “desenvolver a empresa, investindo na empresa e aumentando a sua capacidade de rotas e de aviões”. Já se mostraram interessadas as companhias Air France-KLM, Lufthansa e o Grupo IAG (dono da British Airways e Iberia).
A avaliação do valor da companhia, requerida pelo Governo, está terminada, mas vai continuar secreta para não prejudicar “a posição negocial do Estado”, justificou Miranda Sarmento. Contudo, alertou que a Air France vale três mil milhões de euros e que, por isso, “não casa com a realidade” que a venda de metade da TAP recupere os 3,2 mil milhões de euros injetados pelos contribuintes na companhia durante a pandemia, como exigem o Chega e o PS.
Um poço sem fundo
No anúncio da privatização parcial, Montenegro disse que a TAP era “um poço que não tem fundo”, o que lhe valeu críticas de vários quadrantes. O maior sindicato do setor classificou a frase como “insultuosa” para a companhia e José Luís Carneiro, líder do PS, avisou que o termo “pode contribuir para a depreciação” do valor da TAP numa altura pré-negocial.
Foi Miguel Pinto Luz quem tentou justificar a frase após as críticas: “Quando se fala de um poço sem fundo é porque os portugueses foram chamados a gastar 3,2 mil milhões de euros. Não invalida que a companhia seja absolutamente estratégica e um motor da economia”.
Refira-se que o decreto-lei tem uma cláusula que permite abortar o negócio sem indemnizações para os privados. Também deixa claro que existirá uma segunda fase de privatização, mas sem apontar datas. Quem investir agora terá direito de preferência na segunda fase de privatização.
Carlos Oliveira, ex-secretário de Estado, passa a ser o presidente do Conselho de Administração e mantém-se o CEO Luís Rodrigues.
Na reunião, foi ainda decidida a mudança de localização da torre de controlo aéreo do Aeroporto de Lisboa e a transferência das atividades da Força Aérea para a base do Montijo. Ambas libertarão espaço e a torre ficará como museu quando o novo aeroporto for construído.
Ventura pede debate de urgência para conhecer contornos
Só os socialistas consideram a decisão de reprivatização da TAP “adequada”. À Esquerda, fala-se em “crime”. À Direita, o IL defendia a saída total do Estado da capital da empresa. O Chega pediu debate de urgência para sexta-feira, para o primeiro-ministro explicar os contornos do negócio.
André Ventura criticou que o anúncio tenha sido feito “de surpresa” e “sem consulta aos maiores partidos”. O Chega, frisou, não se oporá à privatização parcial da companhia aérea, mas sim a um “negócio que leve a uma privatização selvagem”.
Só o líder do PS classificou a decisão como “adequada”. José Luís Carneiro exige, no entanto, que os três mil milhões investidos na TAP durante a pandemia sejam devolvidos aos contribuintes. O secretário-geral socialista aponta como objetivos cruciais que o “hub” se mantenha sediado em Lisboa e que sejam garantidas ligações às regiões autónomas, Porto, Algarve e comunidades portuguesas no estrangeiro.
A IL manifestou “profunda desilusão” com a reprivatização parcial. Mário Amorim Lopes considerou que a declaração de Luís Montenegro poderia ter sido feita por Pedro Nuno Santos, que também era “defensor desta solução coxa”.
Já PCP, Livre, BE e PAN classificaram a decisão como “errada” e criticaram a “pressa” do Governo. O secretário-geral comunista, Paulo Raimundo, considerou mesmo que o país está perante um “crime económico”. Mariana Mortágua frisou que a TAP é uma das empresas mais importantes da economia nacional e que dá lucro. O JPP admite a reprivatização, mas quer saber mais detalhes.
Factos
Pior arranque dos últimos anos
Em 2024, a TAP obteve 53,7 milhões de euros de lucro, menos 70% do que em 2023. O arranque de 2025 foi o pior dos últimos quatro anos, com um prejuízo de 108 milhões de euros.
Gastos com pessoal duplicaram
No espaço de dois anos, a despesa com pessoal quase duplicou, passando de 416,7 milhões de euros em 2022 para 817,1 milhões de euros em 2024. A empresa tem 9058 trabalhadores.
Crescimento de passageiros
No ano passado, 16,1 milhões de passageiros voaram com a TAP, mais 1,6% do que em 2023. A companhia aérea portuguesa tornou-se líder mundial entre a Europa e o Brasil, com mais de dois milhões de viajantes.
Dados
99 aeronaves
A TAP tem 99 aeronaves. A frota deverá aumentar, já que faltam alguns dos 53 Airbus comprados em 2015, no polémico acordo com David Neeleman.
86 destinos
No ano passado, a TAP realizou cerca de 118 mil voos em 86 destinos de 31 países de todo o Mundo.