Mais de 100 ex-combatentes sofrem há quase um ano com falta de apoio para próteses
A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) estima entre 100 a 150 ex-combatentes à espera de próteses, ortóteses e cadeiras de rodas desde janeiro. O Ministério da Defesa Nacional explica estar "a trabalhar para que esta situação seja totalmente regularizada no decorrer deste mês".
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O presidente da ADFA, Manuel Lopes Dias, acusa o Governo de reter as verbas. "Todos os anos o Orçamento do Estado tem uma verba para a saúde e fornecimento de próteses aos deficientes das Forças Armadas. Mas essa verba não está a chegar ao Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA), que não tem dinheiro para pagar ao Laboratório Militar as próteses". Há muito que a associação exige uma resposta. "Um deficiente não pode chegar ao laboratório e dizerem-lhe que não há".
O coronel sublinha que a verba prevista só para próteses é de pouco mais de dois milhões de euros. "Não é assim tanto. E um deficiente com a prótese partida não pode andar e tem que reduzir a sua vida a casa. É inconcebível. O Estado chamou-nos para uma guerra injusta - viemos de lá sem pernas, sem mãos, cegos - e agora tem que cumprir a sua obrigação. Vai libertando verbas às pinguinhas, não pode ser assim. Isto devia ser sagrado, é o preço do sangue que nos foi exigido".
O Ministério da Defesa Nacional explica que "tudo poderá ficar resolvido ainda este mês, tanto mais que foi disponibilizado ao IASFA, já em setembro, um reforço de verbas para este efeito".
"sinto-me enxovalhado"
Exemplos de situações complicadas não faltam. Aos 72 anos, Francisco Janeiro espera desde maio por um copo de silicone para a prótese que usa na perna. Perdeu a perna direita, em Moçambique, numa guerra colonial "injusta", depois de ter pisado uma mina. Como ele, há entre 100 a 150 ex-combatentes à espera há quase um ano de próteses, ortóteses, cadeiras de rodas e outros produtos.
"Agora o médico prescreve uma prótese e não há dinheiro? É vergonhoso, sinto-me enxovalhado. Estou a aguentar neste momento com um silicone todo escavacado. E dói, ai pois dói", desabafa Janeiro. Tem gravado na memória o dia em que perdeu a perna direita na mina que também lhe queimou a perna e o braço esquerdo e lhe roubou uma vista. "Foi a 23 de maio de 1970. Tenho próteses por tudo quanto é lado". Poucos acreditavam que sobrevivesse, mas não só resistiu aos ferimentos como isso nunca o impediu de trabalhar nem de conduzir. "Nunca parei. Já tenho prótese desde 1972. Era um bocado de pau agarrado à perna que fazia sangue todos os dias. Agora é diferente, as próteses são melhores, temos um copo de silicone que introduzimos no coto". É isso que lhe está a faltar.
"Tenho um silicone que já devia ter sido mudado e que me está a ferir. Dizem que não há dinheiro. Não admito isso. O Governo tem responsabilidades, obrigou-nos a ir para a guerra, lá aguentámos tudo, fome, sede. E agora com mais de 70 anos uma pessoa precisa e ninguém faz nada? Perdemos as pernas ao serviço de Portugal. Se me falha a prótese, fico parado". O silicone, diz, "está a romper-se e o copo da prótese dança por todos os lados". v
Há 6396 deficientes das Forças Armadas em Portugal, segundo dados cedidos pelo Ministério da Defesa Nacional. Tratam-se de cidadãos que se deficientaram no cumprimento do serviço militar.
Protocolo facilita
No final de setembro, foi assinado um protocolo entre o IASFA, Hospital das Forças Armadas, Laboratório Militar e a ADFA para facilitar o acesso dos deficientes a produtos de apoio e dispositivos médicos como ligaduras, cateteres e fraldas. Agora, podem ser prescritos por médicos da ADFA evitando que os militares tenham que se deslocar ao HFA (Lisboa e Porto).
Próteses gratuitas
O acesso a próteses, ortóteses e cadeiras de rodas é gratuito para os deficientes das Forças Armadas. Mas a ADFA diz que a verba que o Governo transfere ao IASFA falha frequentemente, impedindo o acesso.