Quase dois terços consideram haver discriminação no nosso país e 36% já o testemunhou.
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A maior amostra de sempre de inquéritos às famílias realizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) - e que, pela primeira vez, apurou a identificação étnica - mostra que mais de 1,2 milhões (16,1%) da população residente (dos 18 aos 74 anos) já sofreram discriminação no nosso país. Discriminação essa mais sentida por pessoas que se identificam como “ciganas, negras ou de origem ou pertença mista”, bem como pela população feminina, jovem, mais escolarizada e desempregada. O inquérito às trajetórias da população residente na manhã desta sexta-feira divulgado pelo INE diz-nos, ainda, que quase dois terços da população consideram existir discriminação em Portugal, sendo que 35,9% revelam ter testemunhado tais situações.
Daquele universo de 1,2 milhões que refere ter sido discriminado, 7% referem ter “ocorrido às vezes”, enquanto 5% “raramente (incluindo uma vez)”. Proporção que, sublinha o INE, “mais do que triplica entre a população que se autoidentifica como sendo de etnia cigana (51,3%), afetando ainda 44,2% da população que se identifica como negra e 40,4% da que considera ter origem ou pertença mista”, que compara com os 13,9% da que se identifica como “branca”.
Num fenómeno que afeta mais as mulheres (17,5%), os mais jovens (18,9% dos 18-34 anos) e os mais escolarizados (18,3% para a população com ensino superior”. A população desempregada é a que mais refere ter sofrido discriminação (24,9%, contra 16,5% da empregada), registando ainda o INE um forte diferencial consoante a experiência migratória. Com 29,2% da população com passado imigratório a reportar aquela situação, contra 13,1% da que não o tem.
Diferenças que se agravam quando tomada a região de naturalidade dos inquiridos, com a população nascida em Portugal com uma prevalência de discriminação vivida abaixo da médica nacional (13,6%). Em sentido inverso, a população residente nascida no Brasil (54,7%), PALOP (33%) e Europa Central e de Leste (26,7%) apresenta “prevalências de discriminação mais elevadas”, lê-se na análise do INE. Quanto a contextos, a discriminação ocorreu mais no local de trabalho e na escola (40% e 34,6%, respetivamente). E quanto a situações, as três mais reportadas foram a procura de emprego (34,3%), procura de cuidados de saúde (23,7%) e de serviços sociais (21,7%). De referir que daqueles 1,2 milhões de pessoas, apenas 8,8% reportaram a situação às autoridades.
Por outro lado, quase cinco milhões (65,1%) percecionam existir situações de discriminação no nosso país, sobretudo por fatores como o grupo étnico (82,6%), a cor da pele (79,7%), a orientação sexual (71,5%) e o território de origem (69,6%). Sendo que mais de um terço já assistiram a situações de discriminação em Portugal.
Autoidentificação étnica
Como inicialmente referido, esta foi a primeira vez que a identificação étnica foi observada em estatísticas oficiais, resultado da autoclassificação das pessoas inquiridas. Ou seja, explica o INE, “ao modo como as pessoas se veem a si próprias e não ao modo como os outros as percecionam”. Assim, e tendo por análise 7,6 milhões de pessoas na faixa 18-74 anos, 6,4 milhões identificaram-se com “o grupo étnico branco, 169,2 mil com o grupo negro, 56,6 mil com o grupo asiático, 47,5 mil com o grupo étnico cigano e 262,3 mil com o grupo de origem ou pertença mista”.
Nota o INE que a “população que se identifica como asiática, origem ou pertença mista, negra ou cigana apresenta uma estrutura etária mais jovem do que a que se identifica como branca”. Sendo que a maioria (87,2%) se identifica apenas com um dos grupos étnicos, enquanto 12,6% “não souberam ou preferiram não se identificar com qualquer dos grupos” e 0,2% identificou-se com mais do que um grupo.
A análise daquele instituto apurou, também, que “a população que se identifica com os grupos negro (69,9%), origem ou pertença mista (48,4%) e asiáticos (34,7%) concentra-se maioritariamente na Área Metropolitana de Lisboa (80,3%)”.
Explique-se, por último, que o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente (ICOT) é um inquérito amostral tendo por base pessoas dos 18 aos 74 anos de idade que residiam há pelo menos um ano em Portugal. Com uma amostra de 35.035 unidades de alojamento (“a maior amostra de inquéritos às famílias realizados pelo INE”), foi aplicado em todo o território nacional entre janeiro e agosto deste ano, obtendo-se 21.608 entrevistas completas (entrevistada uma pessoa por alojamento).