Demografia e dificuldades na obtenção do subsídio podem explicar motivo de 2020 ser o ano da década com o mais baixo número de titulares.
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Entre março do ano passado, quando a covid-19 surgiu em Portugal, e janeiro deste ano, quase 52 mil crianças e jovens deixaram de receber abono de família. No final do ano passado, o subsídio tinha o mais baixo número de titulares da década. Não havia uma quebra tão grande desde que a troika esteve em Portugal e eliminou dois escalões de abono, retirando mais de meio milhão de beneficiários das listagens. A demografia, as condições de acesso ao subsídio e as dificuldades na obtenção de serviço junto da Segurança Social podem explicar estes valores, num ano em que centenas de milhares de portugueses ficaram sem rendimento ou viram-no diminuído.
A perda de beneficiários do abono de família surge em dois momentos: primeiro, até ao final de 2020, com quase 32 mil titulares a menos; depois, já em janeiro deste ano, com nova quebra de seis mil crianças e jovens apoiados. Segundo explicação de fonte oficial do Instituto de Segurança Social, além de nascerem cada vez menos crianças que poderiam beneficiar do apoio, esta quebra do início do ano é habitual, visto serem aplicados os cálculos das provas de rendimentos.
Correções anuais
"Todos os anos é feita a prova de rendimentos e da composição do agregado familiar. Essa prova é feita em outubro e produz efeitos no mês de janeiro seguinte, e determina se os titulares mantêm condições de acesso", explica a mesma fonte. "Porém, esse movimento pode ser corrigido nos meses subsequentes - é previsível que nos próximos meses haja mais titulares com processamento referente a dezembro de 2020 com a regularização da prova de rendimentos do agregado familiar", acrescenta, recomendando que o decréscimo de 2021 seja lido com cautela.
Ainda assim, a variação anual apresenta uma tendência de decréscimo que se acentuou mais em 2020 do que nos anos anteriores e a demografia dificilmente explica tal valor repentino. O economista Carlos Farinha Rodrigues recorda que "este benefício baseia-se em condição de recursos, que ainda pode apanhar os efeitos do crescimento económico de 2019". Afinal, argumenta, "a pandemia evidenciou a falta de flexibilidade de alguns dos nossos apoios sociais, que podem estar a ser concedidos quando as pessoas já não precisam e demoram a ser transferidos quando surge a necessidade".
Acesso difícil
Os dois períodos de confinamento e o ano inteiro com atendimento apenas por marcação nos serviços públicos também terão contribuído para que menos pessoas conseguissem resolver problemas como o relatado por Carina A.: "Em outubro, mudei de escalão e deixei de ter direito a abono do meu filho mais velho, mas as crianças da idade da mais nova ainda recebem até aos seis anos. Simplesmente, cortaram a eito, sem olhar à idade da mais nova. Não consegui, ainda, agendar atendimento na Segurança Social".
Dados
Rendimentos
No cálculo do valor do ano de 2020 entravam rendimentos de referência do agregado familiar em 2019 até 9150,96€ (anuais, 3.º escalão). O 4.º e 5.º escalões (até e mais de 15 251,60€, respetivamente) só recebem algum subsídio enquanto a criança tiver menos de seis anos.
Quatro escalões
Já houve cinco escalões de rendimento com direito a abono, que foram cortados para três com a troika e voltaram a quatro com o atual Governo. Os valores a receber por criança oscilam entre 19,46€ e 303,44€ por mês, com majoração de 35% para família monoparental.