Oito em cada 10 ciganos na Europa vivem na pobreza e sem perspetivas de melhorar, quer na vertente da educação quer na de trabalho. Em Portugal, o número é ainda maior.
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Segundo uma análise da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, divulgada esta terça-feira, seis anos depois do último inquérito publicado sobre este tema, é possível verificar que "os ciganos em toda a Europa continuam a sofrer privações generalizadas". Embora a média dos países analisados indique que 80% dos ciganos vivem em situação de pobreza, esse número sobe para 98% em Espanha e em Itália, para 96% em Portugal e na Grécia e para 93% na Croácia.
Habitação é falha grave
"As famílias ainda vivem em condições chocantes, com perspetivas educacionais e de trabalho muito pobres", refere o relatório "Ciganos em 10 países europeus", adiantando que uma das áreas em que as condições de vida entre ciganos e população geral é mais diferente é a da habitação. O documento alerta para o facto de mais de um em cada cinco ciganos (22%) viverem em espaços sem água corrente e um terço não ter casa de banho interior. Além disso, mais de metade (52%) vive em habitações húmidas e escuras e 82% vivem em alojamentos sobrelotados, condições que se mantêm em relação a 2016.
Nestes últimos seis anos, as condições de alojamento dos ciganos melhoraram apenas ligeiramente, sendo que, em 2016, 61% dos membros desta etnia viviam em "casas" precárias e agora o número caiu para 52%.
Ainda assim, a agência dos Direitos Fundamentais da UE notou que 29% das crianças ciganas vivem em agregados familiares onde alguém tinha ido dormir com fome pelo menos uma vez no mês anterior ao inquérito.
Abandono escolar
É precisamente entre as crianças que a situação observada se torna ainda mais preocupante, sendo que apenas menos de metade (44%) frequenta o ensino infantil (creches e pré-primária) e 71% abandonam precocemente a escola.
A proporção de ciganos sem qualquer educação formal continua a ser muito elevada, avisa a agência, sublinhando que a situação é transversal a todas as faixas etárias e é particularmente grave em Portugal, em Espanha, na Grécia e na Croácia.
Em todos os países, as crianças ciganas inquiridas ficam atrás dos seus pares não ciganos em todos os indicadores relativos a educação, refere o relatório, lembrando que a UE estabeleceu a meta de reduzir para metade o abismo entre os ciganos e a população em geral no que diz respeito à educação e cuidados na primeira infância.
Menos trabalho remunerado
Estas diferenças relatadas na faixa etária infantil mantêm-se depois ao longo da vida, já que, mesmo na fase adulta, os ciganos continuam a ter muito menos trabalho remunerado do que a população em geral.
Segundo o relatório, 43% dos ciganos inquiridos têm trabalho remunerado, uma taxa muito inferior aos 72% da média de população empregada na União Europeia e, para as mulheres ciganas a situação é ainda é pior (28%).
Em termos gerais, mais de metade (56%) dos ciganos com idades entre os 16 e os 24 anos simplesmente não trabalha, não estuda nem recebe formação.
A agência refere, no documento hoje apresentado, que os Estados-membros devem reduzir para pelo menos metade a disparidade de emprego entre ciganos e não ciganos, garantindo que um mínimo de 60% dos ciganos tenha trabalho remunerado até 2030. O único país da Europa que está perto de cumprir esta meta é a Hungria.
Além disso, os resultados também revelam uma clara diferença na esperança de vida dos ciganos face à população em geral: os homens e mulheres ciganos vivem menos nove e 11 anos, respetivamente, do que o resto das pessoas dos países analisados.
Discriminação
Mais de 60% dos ciganos em Portugal sentiram-se discriminados
Em Portugal, 62% dos inquiridos disseram ter-se sentido alvo de discriminação em 2021 (em 2016 a percentagem foi de 47%). Os outros países que também tiveram resultados altos foram a Grécia e a República Checa, com 53 e 48% respetivamente, sendo a média dos países da União Europeia (UE) 25% (26% em 2016).
O relatório da Agência dos Direitos Fundamentais (FRA na sigla em inglês) da UE indica ainda que 28% dos inquiridos em 2021 em Portugal tinham sido alvo no último ano de pelo menos uma forma de assédio (comentários ofensivos ou ameaçadores, ameaça de violência, gestos ofensivos, envio de mensagens ou correio eletrónico ofensivo ou ameaçador e publicações na Internet de comentários ofensivos).
Enquanto as vítimas de assédio em Portugal aumentaram oito pontos percentuais neste inquérito (eram 20% no de 2016), na média da UE diminuíram 13 pontos percentuais (30% em 2016 e 17% em 2021).
Segundo o relatório, os ataques físicos são mais raros. Em Portugal, 1% dos inquiridos em 2021 foi um alvo (0% em 2016) e a média europeia foi de 1% no ano passado, uma diminuição face aos 4% de 2016. A Itália conta com a maior percentagem de ataques, 10%.
A pesquisa hoje apresentada indica que, apesar dos esforços nacionais, muitos países ainda estão aquém das metas estabelecidas no plano de 10 anos da UE para apoiar os ciganos - o Quadro Estratégico da UE para a igualdade dos Ciganos, aprovado em outubro de 2020 -, sendo que, a partir do próximo ano, os Estados-membros devem apresentar, de dois em dois anos, relatórios sobre a aplicação do acordo, nomeadamente sobre as medidas destinadas a promover a igualdade, a inclusão e a participação desta etnia.
O relatório hoje divulgado foi realizado com base em quase 8500 entrevistas presenciais a ciganos de mais de 16 anos que vivem em Portugal, Espanha, Croácia, República Checa, Grécia, Hungria, Itália, Macedónia do Norte, Roménia e Sérvia.