
Foto: Gerardo Santos / Arquivo
Interior Norte e Alentejo são as regiões onde a maioria de trabalhadores do setor privado recebe o menos possível.
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Há 16 municípios no país onde mais de metade da população que trabalha no setor privado ganha apenas o salário mínimo nacional (SMN). Segundo um estudo recente do Banco de Portugal, com dados de 2023, é no Interior, especialmente no Norte e Alentejo (ver infografia), que há uma maior percentagem de trabalhadores a receber o menos previsto na lei, que este ano foi atualizada para 870 euros. E dos 16, há seis onde o SMN tomou conta de 60% da mão de obra: Fornos de Algodres, Vinhais, Crato, Pedrógão Grande, Barrancos e Mondim de Basto, onde o JN falou com Miguel e Paulo, dois empregados que ganham o mínimo. Em contraponto, só há quatro concelhos onde menos de 10% dos residentes auferem o mínimo, com destaque para Campo Maior.
De acordo com o estudo efetuado por Sónia Félix e Fernando Martins, entre 2015 e 2022 a percentagem de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo cresceu de 18% para 23%.
Mulheres e jovens
Para o economista Eugénio Rosa, a prevalência de empresas a pagar o salário mínimo em zonas no Interior do país “resulta do facto da esmagadora maioria delas serem microempresas, com muito poucos trabalhadores, e nesses locais haver pouco emprego disponível, e ainda por cima em setores de baixa produtividade como sejam o pequeno comércio, a restauração e os ‘biscates’ de construção”, analisou para o JN.
Eugénio Rosa lembra que “o maior número de microempresas está na Região Norte (62841), e é no Alentejo que elas representam a percentagem mais elevada das empresas da região”.
Questionados pelo JN, os autores do estudo para o Banco de Portugal afirmam que esta análise “mostra que a prevalência do SMN na estrutura salarial difere conforme as características dos trabalhadores – sexo, idade, escolaridade, nacionalidade e tipo de contrato – e das empresas – setor de atividade económica, dimensão e localização”. A maior prevalência no Norte e no Interior, dizem Sónia Félix e Fernando Martins, “resulta da conjugação destes fatores”.
A proporção de trabalhadores que recebe o salário mínimo é maior nas mulheres (27,1%), nos jovens (36,1%), nos trabalhadores com ensino básico ou inferior (32,9%) e de nacionalidade estrangeira (38%). A percentagem é mais elevada nas empresas de alojamento e restauração (41,5%) e da construção (30,2%), revela o estudo.
Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto, chama a atenção para “o setor da agricultura e pescas, que está excluído da amostra e é uma área onde o SMN é também predominante”. Em geral, diz Óscar Afonso, os concelhos onde haja maior peso destas atividades, às quais junta o alojamento, restauração e construção, “todas elas com grande expressão de imigrantes e baixas qualificações, terão maior prevalência do SMN e vice-versa”.
Eugénio Rosa não ficou surpreendido com estes dados. “Fui o primeiro economista a chamar a atenção para o facto de que Portugal estava a transformar-se num país de salários mínimos”. O estudo do Banco de Portugal “vem reforçar essa conclusão e diz que continua”.
O número de trabalhadores que entram no mercado a ganhar apenas o salário mínimo aumentou de 44% (2009 a 2015) para 52% (2016 a 2021), e a percentagem de trabalhadores que se mantêm a receber apenas o salário mínimo durante seis anos triplicou, passou de 4% (2002 a 2015) para 13% (2016 a 2021).
Efeito emigração
Ainda nos novos contratos, considerando os trabalhadores com idade igual ou inferior a 30 anos, a incidência do salário mínimo aumentou de 32,7% para 36,5%. “Estes dados mostram o atraso no país, promovendo a emigração dos trabalhadores com maior nível de escolaridade e de qualificação, como continua a verificar-se. Vão à procura de remunerações e de uma vida dignas que lhe são recusadas no seu país, com consequências dramáticas para Portugal”, avisa Eugénio.
O diretor da Faculdade de Economia do Porto acrescenta outras consequências, como a desmotivação dos trabalhadores e a dificuldade na contratação, mas não esquece as origens do problema. “Portugal tem uma das produtividades do trabalho mais baixas da União Europeia e especialização em atividades de baixo valor acrescentado, com pouca incorporação de conhecimento e tecnologia”, aponta Óscar Afonso.
O aumento da prevalência do salário mínimo “tende a agravar-se”, perspetiva Eugénio Rosa, que dá um exemplo. “Este ano, o salário mínimo nacional aumentou 6,1% (de 820 para 870 euros), e o aumento indicativo aprovado na concertação social foi apenas de 4,7%. Um aumento que não será certamente cumprido pela maioria das empresas”, antecipa.
Para Óscar Afonso, o futuro depende de haver ou não reformas. “Num cenário sem reformas, continuaremos com uma especialização em atividades de reduzida produtividade a pagar baixos salários, cada vez com mais imigrantes para as ocuparem devido ao envelhecimento da população, acentuado pela emigração dos nossos jovens em busca de salários mais dignos”. Num quadro “com reformas estruturais que promovam o aumento da produtividade e uma elevação da especialização da nossa economia, o salário médio tenderá a subir e haverá uma menor prevalência do salário mínimo”, conclui.
Campo Maior
Líder com café, canábis e borracha
Café, canábis medicinal e borracha. É à boleia destes três que Campo Maior tem o melhor registo nacional do salário mínimo. A esmagadora maioria (95,5%) dos 4500 residentes que trabalham por conta de outrem recebem mais, segundo o Banco de Portugal. Perto de 3000 dos 4500 trabalhadores estão ligados ao grupo Delta, à MHI Cultivo Medicinal e à Hutchinson Borrachas, explica ao JN o presidente da Câmara, Luís Rosinha. Mas há outra justificação, acrescenta, “muitos moradores de Campo Maior trabalham do outro lado da fronteira, em Badajoz, a cinco quilómetros, nos serviços, agricultura e logística”, com a vantagem do salário mínimo espanhol ser de 1184 euros.
Processo
Definido anualmente
Introduzido em maio de 1974, o SMN é definido anualmente pelo Governo via decreto-lei, após auscultação da Comissão Permanente da Concertação Social. Ao estabelecer um limite mínimo salarial, o SMN afeta diretamente a remuneração dos trabalhadores do setor privado. Os empregadores apenas podem pagar menos do que o SMN a tipos específicos de trabalhadores, como aprendizes, estagiários e pessoas com deficiência.
Congelado entre 2012 e 2014
Após ter estado congelado em 485 euros entre 2012 e setembro de 2014, o SMN registou entre 2015 e 2024 um crescimento médio anual de 5,5% em termos nominais. Este ano foi atualizado para 870 euros
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O peso da escolaridade
A percentagem de novos contratos celebrados com salário mínimo é mais elevada nas escolaridades mais baixas: 45,3% com ensino básico ou inferior, 35,7% com secundário, 8,3% com bacharelato/licenciatura e 2,9% com mestrado.
Prevalência nos contratos a termo
Um terço (33,3%) dos contratos a termo certo são feitos com ordenado mínimo, uma prevalência maior que os 18,7% que constam nos contratos sem termo certo, revela o estudo divulgado pelo Banco de Portugal.

