Médicos denunciam que dificuldades de gestão das camas hospitalares durante a pandemia levaram a que se optasse por amputar membros em vez de fazer tratamentos mais demorados.
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As associações de diabéticos dizem que as dificuldades de acesso e acompanhamento na pandemia agravaram a situação de muitos doentes, tendo contribuído para mais amputações. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Diabetes.
Segundo José Boavida, presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), para além de uma "diminuição de diagnósticos e de rastreios" que terá implicações futuras, nos períodos mais intensos da pandemia, o receio de contrair covid-19 levou muitos doentes a adiar a ida aos serviços de saúde. Houve ainda dificuldades de acesso e registaram-se menos consultas de acompanhamento.
Muitos doentes viram a doença complicar-se e, quando chegaram aos hospitais, eram já "situações mais graves". Depois, "os hospitais, sobrecarregados com o trabalho, muitas vezes tinham uma visão de que era preciso intervir mais rapidamente. Às vezes, as prioridades não foram poupar os pés, podem ter sido de responder à pressão do número de camas", conta Boavida.
Situações de feridas que exigiam um tratamento prolongado eram muitas vezes amputados por uma questão de gestão de camas, de recursos
Durante os "períodos mais agudos", explica o presidente da APDP, "situações de feridas que exigiam um tratamento prolongado e mais cuidadoso eram muitas vezes amputados por uma questão de gestão de camas, de recursos, blocos operatórios encerrados, pressa em que as pessoas pudessem recuperar". A "recuperação de uma amputação é mais rápida do que a recuperação da conservação de uma perna e de um pé, que exige muitas vezes uma dedicação maior e mais tempo de internamento".
Os números mostram que, em 2020, houve um "aumento significativo de amputações". O relatório da OCDE Health at a Glance 2021, recentemente publicado, indica que, em Portugal, o número de amputações em diabéticos subiu de 11,2 em 2019 para 12,5 em 2020 (dados provisórios), por cada 100 mil habitantes.
Mais complicações
O enfermeiro Rui Oliveira, coordenador de enfermagem do departamento de pé diabético da APDP, conta que muitos diabéticos, com medo de contrair covid, evitaram as instituições de saúde. Outros tentaram, mas tiveram dificuldades de acesso. Quando começaram a ir às consultas, as situações eram "mais complicadas e difíceis de tratar e, eventualmente, levaram a algum tipo de amputação".
Também houve situações de pessoas que tiveram "alta precoce que, noutra altura, teriam continuado em observação, porque iriam transformar essas enfermarias em enfermarias covid". Nos casos que acompanhou, "não houve desfechos em termos de amputações, mas houve necessidade de começar a seguir situações muitíssimo mais graves".
De acordo com João Jácome de Castro, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, "nos últimos dois anos, os doentes com diabetes morreram mais não só por causa da covid-19, mas também por causa das outras doenças associadas à diabetes".
Lélita Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, também confirma que agora os casos são mais graves. "Vemos que os diabéticos que nos surgem estão mais descontrolados, mais desequilibrados no seu metabolismo e é natural que haja mais complicações".
Em Portugal estima-se que "cerca de 20 mil pessoas possam não ter tido acesso às condições para um diagnóstico precoce da patologia" e houve "menos novos casos diagnosticados", o que terá implicações no futuro, diz.
Em detalhe
O 5.º pior da OCDE
Portugal aparece como o quinto país da OCDE com maior prevalência de diabetes, no relatório Health at a Glance publicado este mês. Os dados nacionais resultam de um inquérito feito pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em 2015.
30% por diagnosticar
Estima-se que cerca de 30% dos diabéticos não estarão diagnosticados e 30% dos diagnosticados estão subtratados, pelo que o acompanhamento é fundamental. Daí a importância de rastrear, alertam médicos e associações de doentes.
Consequências
As complicações da diabetes podem levar a várias complicações, desde amputações de membros, cegueira, insuficiência renal, doenças cardio e cerebrovasculares.