Dos 13.500 fisioterapeutas que existem em Portugal, apenas 1500 estão no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ordem alerta para o "desperdício real" da profissão e acredita que a criação de unidades no setor público pode ajudar a reduzir a despesa do SNS e a mitigar os tempos de espera de quem precisa de acompanhamento.
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Ao JN, o bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas defende que para tornar possível a entrada no SNS é urgente quebrar a crença de que estes profissionais de saúde apenas atuam na reabilitação dos doentes, um mito ultrapassado na maior parte da Europa.
Segundo o Eurostat, Portugal é um dos países da União Europeia com menos fisioterapeutas por 100 mil habitantes, apenas à frente da Roménia, e muito longe de países como a Alemanha, Noruega ou Bélgica. “Há uma contradição entre a noção de reabilitação, no sentido de tratamento terciário altamente sofisticado, com aquilo que é hoje a tendência de evitar que a pessoa chegue a situações onde precisa de cirurgia, de reabilitação. O SNS ainda nos tem como sendo limitados à reabilitação”, aponta António Lopes.
Mais do que reabilitação
De acordo com o dirigente, a falta de fisioterapeutas, em particular no setor público, pode ser justificada pelo facto de só nos últimos 20 anos ter havido um forte investimento na formação, com a profissão a ser reconhecida além da vertente técnica. No entanto, a evolução “não foi acompanha de autonomia de gestão”. Com as “portas fechadas” no SNS, a maioria dos profissionais desagua no setor privado, trabalhando em clubes desportivos, lares, domicílios ou clínicas, algumas delas com acordos com o setor público. Mas até nesses casos, a atuação do fisioterapeuta está limitada à reabilitação.
“Para estarmos ao serviço do utente, temos de estar onde somos precisos. E também somos precisos na reabilitação, isso não está em dúvida. Mas somos precisos nos cuidados de saúde primários e nos pós-operatórios imediatos, porque é naquelas janelas de oportunidade em que nós intervimos que não se instalam sequelas”, justifica o bastonário.
No entender da Ordem, a criação de unidades de fisioterapia no SNS iria ajudar não só permitir um apoio imediato após as cirurgias, evitando os tempos de espera de vários meses, como a gerir com mais eficiência os recursos do SNS, que só este ano tem um prejuízo estimado superior a 200 milhões de euros. Suportando-se no exemplo do programa Split (ler em baixo), António Lopes assegura que se o fisioterapeuta tiver o poder de fazer o diagnóstico e a referenciação para outras especialidades, quando necessário, há gastos que serão evitados. “Há um desperdício real porque muitas das vezes está-se a gastar dinheiro com mais consultas, quando elas podiam ser evitadas na base”, afirma.
Medir o impacto
Ciente de que a entrada no SNS implica um aumento da massa salarial do setor público, a Ordem dos Fisioterapeutas fez um protocolo com a Escola Nacional de Saúde Pública para a realização de um estudo, cujas conclusões serão divulgadas em breve, para medir o impacto económico e de bem-estar da fisioterapia em condições clínicas como a lombalgia, artroses do joelho e da anca, doença pulmonar obstrutiva crónica, acidente vascular cerebral e queda dos idosos. “Se não tivermos indicadores de gestão, nunca teremos essa capacidade de mostrar autonomia”, indica António Lopes.
Com a questão demográfica a assumir um peso preponderante nos cuidados de saúde, uma vez que Portugal é um país cada vez mais envelhecido, o bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas sublinha que é preciso “gastar melhor o dinheiro que existe” através da aposta em modelos que privilegiem a rentabilização dos profissionais e os resultados obtidos.
Referenciação nos centros de saúde
Um canal de comunicação direto entre o médico de família e o fisioterapeuta. É esta a base do programa Split, um modelo inovador que referencia para a especialidade os doentes que chegam aos centros de saúde com lombalgia, uma das principais causas das consultas. Após ter sido implementado em Setúbal, o projeto-piloto será estendido ao resto do país, num trabalho apoiado pela Ordem dos Fisioterapeutas.
“Acarinhamos a iniciativa porque pensamos que é, efetivamente, um exemplo para o futuro e propusemo-la à Direção-Geral da Saúde para integrar o Plano Nacional de Saúde 2030. E foi aceite, o que foi ótimo. Agora, isso vai implicar que haja fisioterapeutas nos cuidados de saúde primários”, afirma o bastonário, ao JN. Num SNS com apenas 150 fisioterapeutas nos centros de saúde, António Lopes revela que está a ser dada formação no terreno para que os médicos de família façam a referenciação precoce, cumprindo a lógica do projeto.
O programa Split, desenvolvido pela Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal e Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, consiste em estratificar o risco da lombalgia, permitindo que o doente tenha o tratamento mais adequado à sua condição e evitando consultas desnecessárias. Após ser recebido pelo médico de família, o utente é logo encaminhado para o fisioterapeuta, que faz a avaliação, determina o caminho a seguir e referencia para as especialidades de ortopedia ou reumatologia, nos casos mais graves.
Em Setúbal, o programa permitiu reduzir em cerca de 80% a probabilidade de 500 utentes apresentarem lombalgia persistente ou incapacitante, seis meses após a primeira consulta e em comparação com o modelo atual, que reside na prescrição de medicação e encaminhamento para uma consulta de ortopedia, que pode demorar meses.
Custos
Uma sessão numa clínica privada de fisioterapia pode custar entre 30 e 75 euros. Há clínicas que oferecem “pacotes” de sessões para tornar o preço mais vantajoso.