No ano passado, houve quase 18 mil pedidos de progenitores masculinos para obtenção de subsídio contra 6587 em 2010.
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Em dez anos, o número de pais que ficam em casa com os filhos quando estão doentes mais que duplicou. Apesar de continuar a ser maioritariamente uma tarefa feminina, com o passar dos anos há cada vez mais pais a assumir essa responsabilidade. No ano passado, foram quase 18 mil.
Os números enviados ao JN pelo Instituto da Segurança Social são claros quanto à evolução do aumento de pedidos de subsídios por assistência na doença a descendentes menores por parte dos homens. Em 2010, eram 6587 os pedidos solicitados pelos pais; uma década depois, o número passou para 17 879, ou seja, quase triplicou. Esta sexta-feira celebra-se o Dia do Pai.
Bragança é o distrito com maior percentagem de homens a pedir o apoio, com 17,28% dos pedidos feitos pelos pais, seguido de Vila Real, com 16,85%, e Lisboa, com 16%. No reverso da moeda estão os distritos de Braga, com 13,28%, Viseu, 13,43%, e Beja e Castelo Branco, que se igualam na percentagem (13,47 %). A subida tão expressiva do número de pais que se ausentam do trabalho para ficar com os filhos doentes foi promovida com a publicação, em 2009, do atual regime de licença de parentalidade, destinada a incentivar os dois progenitores a acompanhar os descendentes nos primeiros meses de vida e assim potenciar o seu envolvimento.
"Se, por um lado, a lei permite aos homens a entrada na esfera doméstica por via dos cuidados aos filhos, por outro possibilita às mulheres a manutenção do seu posto de trabalho, ao impedir que o nascimento de um filho afete a progressão na carreira profissional", constata Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e coordenadora do Observatório das Famílias e das Políticas de Família (OFAP).
"Quebrar estereótipos"
"O reforço dos direitos do pai e o incentivo à partilha da licença parental inicial entre os progenitores são medidas que visam promover a igualdade entre homens e mulheres na articulação entre vida familiar e vida profissional", afirma a investigadora. "Não conseguimos avançar mais se não houver mudanças de como é que a sociedade encara os homens e as expectativas que tem sobre eles", diz.
Ricardo Simões, presidente da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos, insiste: "Tem de haver várias políticas que ajudem a uma maior igualdade na divisão das funções, tarefas e cuidados às crianças", porque a mensagem é "contraditória". "Há uma política que diz: "homens, partilhem mais os cuidados às crianças no início de vida", mas, quando se separam, vão à vossa vida". A reorganização familiar numa situação pós-divorcio "continua a dar poder às mães", critica.
O dirigente acredita que a lei portuguesa, ao estabelecer a figura do progenitor residente e do progenitor não residente, "está a criar uma hierarquia que tende a absorver uma série de estereótipos que existem na sociedade, que são de que a mãe é que cuida e o pai fica com uma função secundária", lamenta.
É essencial perceberem que têm pai e mãe em todos os momentos
Uma convulsão aos 9 meses mostrou que a vida de Gustavo, agora com 6 anos, seria diferente e deixou os pais em alerta. Paulo Costa e Fernanda Neves correram o Mundo para descobrir o problema do filho mais novo, ainda sem um diagnóstico conclusivo. Sabe-se que o menino sofre de epilepsia focal não localizada. Certo é que a sua vida mudou e a do pai também.
Paulo gere uma empresa de eventos de desporto e mudou por completo as suas rotinas para ajudar nos cuidados com Gustavo e com a filha Leonor, de 7 anos.
"Tinha projetos internacionais e anulei-os, deixei de viajar de avião, deixei de dormir fora e, mesmo que tenha uma reunião na outra ponta do país, volto sempre de madrugada, para estar lá quando eles acordam", conta o pai. Apesar da vida profissional muito atarefada, "o tempo para eles está sempre guardado". "É essencial dividir não só o amor, mas também a responsabilidade do tempo e das funções", afirma.
O casal alterna a ida às terapias com Gustavo e também não é sempre o mesmo a ir buscar Leonor à escola. "É essencial os filhos perceberem que têm pai e mãe em todos os momentos e isso cria laços emocionais muito fortes", garante.
"Nas fases mais difíceis de convulsões, há um período em que o Gustavo se torna muito irritado e difícil de controlar. Depois, temos o outro lado, o da Leonor, que precisa de atenção e paz. Por isso, há uma divisão muito importante que eu e a mãe fazemos muito bem", diz.
O facto de o empresário ter o próprio negócio permite-lhe ter flexibilidade nos horários e "toda a disponibilidade necessária". Já Fernanda, trabalhava numa clínica de hemodiálise e está de baixa há quatro anos porque o filho precisa de acompanhamento permanente.
Paulo entende que a cooperação "é fundamental para que a mãe tenha a sanidade que merece e é uma mãe fantástica", constata. "Tem sido uma luta constante" que "só é possível levar a cabo porque a partilha é total", afirma Paulo Costa.
Há dois anos, o casal, que morava em Poiares, Peso da Régua, viu-se "obrigado" a mudar para o Porto. "Resistimos até ao limite", diz Paulo. De tantas vezes chamarem o INEM e ficarem com "o coração nas mãos" sempre que havia atraso no socorro, a decisão de se mudarem para perto dos hospitais "tornou-se óbvia".
Paulo acredita que a recuperação do filho, que está há três meses e meio sem convulsões, tem muito a ver com a partilha tão intensa que existe dentro de casa. "Ele sente a energia".