Nos primeiros seis meses, contam-se mais 1,2 milhões de horas suplementares trabalhadas, sendo que só em maio a subida é superior a 470 mil. Administradores, enfermeiros e médicos pedem estratégia.
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Nos primeiros seis meses deste ano, o número total de horas suplementares trabalhadas pelos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou 17%. Face ao período homólogo do ano passado, contam-se mais 1,163 milhões de horas trabalhadas, sobretudo em trabalho extraordinário diurno e noturno. Em maio, a subida situou-se em quase mais meio milhão de horas extra. Administradores hospitalares, médicos e enfermeiros não têm dúvidas: urge um plano especial para o setor, sendo os 500 milhões de euros anunciados insuficientes.
De acordo com os mais recentes dados do portal de monitorização do SNS, entre janeiro e junho deste ano contabilizaram-se um total de 8,112 milhões de horas suplementares trabalhadas. Maio foi o mês em que se verificou uma maior variação mensal, com mais 471 mil horas extra, mês em que o SNS retomou, lentamente, a atividade programada suspensa com a pandemia.
De referir, ainda, o acréscimo, em igual período, dos dias de ausências, para um total de 2,744 milhões de dias, o que representa um aumento de 30%. Doença e proteção na parentalidade respondiam, em junho, respetivamente, por 53% e 38% das ausências.
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"Estão a brincar connosco"
Estes dados não surpreendem nem administradores hospitalares, nem as ordens dos Enfermeiros e Médicos. "Achamos o mesmo que nos últimos cinco anos. Tivemos sempre uma falta crónica de enfermeiros e a pandemia veio obrigar a um esforço complementar", frisa Ana Rita Cavaco. Não vendo qualquer "estratégia a ser preparada", a bastonária diz que o SNS "anda a navegar consoante o que acontece todos os dias".
Na mesma linha, o bastonário dos médicos recorda: "Isto é o que andamos a dizer nos últimos anos. O Governo, a Oposição, passam a vida a falar do SNS, que é a joia da coroa, e não olham para dados objetivos, o que é inacreditável". Os dados convertem-se em contas: "Em 2019, foram mais de seis milhões de horas extraordinárias [apenas médicos]. O que se gastou [mais de 100 milhões] dava para contratar cerca de 5500 médicos como assistentes hospitalares em regime de 40 horas semanais", explica Miguel Guimarães.
As contas da Ordem dos Enfermeiros há muito que estão feitas. O país tem um rácio de 6,7 enfermeiros/mil habitantes (SNS, setor social e privado), quando a média da OCDE é de 9,3. "Seria preciso contratar três mil enfermeiros durante 10 anos para perfazer o défice de 30 mil, mas nunca houve um ano com três mil contratações", sintetiza Ana Rita Cavaco.
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Os resultados estão à mostra: profissionais de saúde em burnout, exaustos e desmotivados, comungam os bastonários. Com Miguel Guimarães a avisar: "Haverá um momento em que irão dar um grito de Ipiranga. Basta um clique. É a Champions? Este pessoal está a brincar connosco!".
O reconhecimento, esse, dizem, passa pela melhoria das condições, que, no caso dos enfermeiros, recorda a bastonária, "são as mesmas há 20 anos". Miguel Guimarães, entende ser "altura de valorizar o trabalho, de rever as carreiras de todos profissionais", avisando que os "médicos estão numa situação crítica". O recurso às horas extra, tem a certeza, vai aumentar e a "situação vai ser mais complicada". Basta ter em conta os quatro milhões de consultas que ficaram por fazer entre março e maio.
Também o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares defende um "planeamento da resposta, com novos modelos de organização e interação entre as instituições do SNS, senão será muito difícil dar resposta à covid-19 e aos cuidados gerais". Porque, frisa Alexandre Lourenço, a "covid trás baixa produtividade, estando a atividade mais lentificada e mais dispendiosa".