O Presidente da República encontrou-se com o Grupo Vita, pela primeira vez, esta terça-feira à tarde, e avançou com algumas vontades, como o alargamento da investigação dos abusos sexuais a outras áreas fora do contexto da Igreja Católica Portuguesa e a realização de mais estudos da realidade em Portugal.
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Marcelo Rebelo de Sousa reafirmou que “seria importante pensar-se qual o papel do Estado” na matéria dos abusos sexuais na Igreja Católica e de que forma o mesmo “poderá assumir a criação de respostas especializadas na prevenção e na intervenção”, contou ao JN a coordenadora do Vita, Rute Agulhas. A psicóloga revelou que a reunião “superou as expetativas” e que “há vontade de se fazer mais” para prevenir os abusos sexuais no nosso país.
“[O Presidente] falou da importância do Estado poder vir a ser envolvido na criação destas respostas a nível nacional, saindo do contexto da Igreja, não só pensando na prevenção e na resposta especializada para vítimas, mas também na resposta para agressores. O Presidente reforçou aquilo que já sabemos, que a maior parte dos abusos sexuais acontecem na família, nas escolas, nos vários contextos onde as crianças estão e, portanto, este tipo de resposta tem que ser, de facto, transversal”, contou.
Outra das vontades partilhadas foi a de que o Grupo Vita tenha continuidade. “O Presidente da República disse, de uma forma muito clara, que entende que este grupo não deve ter um fim, que devemos pensar a médio prazo numa reestruturação, de maneira a ser criada uma estrutura de continuidade e até de expansão”, avançou Rute Agulhas, acrescentando que faz sentido a “continuidade” da estrutura numa altura em que existe “um desafio acrescido” com o aumento dos pedidos de ajuda (uma centena até agora). “As vítimas procuram-nos diariamente e nós somos os mesmos, há naturalmente aqui um desafio acrescido à medida que o tempo vai passando”, salientou.
A líder da estrutura criada para apoiar vítimas de abusos sexuais no contexto da Igreja diz que o presidente “não concretizou” a ideia de “expansão” desta estrutura, mas o Grupo Vita acredita que terá que ver com alargarem os atendimentos a situações de violência física e psicológica, uma vez que só tratam dos casos de violência sexual. “Muitas vítimas que nos pedem ajuda acumulam muitas formas de violência e temos de dizer que não intervimos em situações onde há violência física e psicológica, mas não há sexual. Eu veria a expansão aqui nessa perspetiva, mas é o meu entendimento, não o referiu de forma clara”, explicou.
Mais estudos
Outra ideia resultante do encontro foi a importância de se realizarem mais estudos desta realidade a nível nacional, particularmente um estudo de prevalência e outro de reincidência (sobre alegados agressores), este último nunca antes avaliado em Portugal.
“Não conhecemos bem a realidade no nosso país no que diz respeito a este tipo de crime. Em Portugal apenas sabemos a incidência, ou seja, o número de novos casos. É necessário um estudo de prevalência”, clarificou Rute Agulhas.
A coordenadora partilhou ainda que Marcelo Rebelo de Sousa tinha “um pouco a noção” do trabalho realizado pelo Vita, mas “ficou surpreendido por termos uma abrangência nacional, estarmos focados na prevenção e na capacitação”, tendo “sublinhado muito a importância de uma postura muito pedagógica, nesta perspetiva da capacitação da Igreja”.
A psicóloga admitiu que o tempo do encontro, cerca de uma hora e meia, foi pouco, tendo ficado assuntos por falar e, por isso, ficou o compromisso de se encontrarem mais vezes nos próximos meses.
Em janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a criação de uma comissão independente tutelada pelo Estado para investigar os abusos sexuais, mas no encontro não se terá referido a esta estrutura em concreto.
Os critérios para o pagamento das indeminizações, até agora 32 solicitadas, deverão ser anunciados nos próximos dias, antes de 1 de junho, acredita Rute Agulhas, "uma vez que o prazo definido pela CEP para os pedidos serem formalizados era entre junho e dezembro".