O presidente da República deixou, esta quarta-feira, um sério aviso ao primeiro-ministro durante o discurso de tomada de posse do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que, alcançada a maioria absoluta, António Costa terá agora de respeitar a escolha dos portugueses e manter-se no cargo até ao final da legislatura, não devendo sair "a meio do caminho".
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"Os portugueses escolheram mudar dando ao partido do Governo, desta vez, maioria absoluta", lembrou o chefe de Estado no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Assim, o Executivo terá "condições excecionais para, sem desculpas ou álibis, poder fazer o que tem de ser feito", frisou.
Ainda assim, o presidente deixou um primeiro alerta: "Deram-lhe uma maioria absoluta; não lhe deram, como nunca acontece numa democracia, nem poder absoluto nem uma ditadura da maioria".
Dirigindo-se explicitamente a Costa, Marcelo considerou que a maioria absoluta foi conferida não só a um partido "mas, também, a um homem" que, na campanha eleitoral, "fez questão de personalizar o voto ao falar de uma escolha entre duas pessoas [ele próprio e Rui Rio] para a chefia do Governo".
Nesse sentido, prosseguiu: "Agora que ganhou - e ganhou por quatro anos e meio -, tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho".
Segundo Marcelo, a necessidade de Costa permanecer no Governo até 2026 "é o preço das grandes vitórias", sobretudo quando estas são "pessoais". Além disso, é também uma questão de "respeito pela vontade inequivocamente expressa pelos portugueses para uma legislatura", completou.
Para o presidente, se "já não era fácil" o primeiro-ministro deixar o Executivo antes de 30 de janeiro, isso "tornou-se ainda mais difícil" depois da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro. A propósito da guerra no Leste europeu, Marcelo alertou para a necessidade de se "ir protegendo o custo dos bens básicos".
Recorde-se que as notícias sobre uma eventual saída do primeiro-ministro para um cargo europeu têm sido constantes nos últimos anos. Agora, o presidente da República deixou claro que as leva a sério e que encara esse cenário como algo que o primeiro-ministro estará mesmo a equacionar.
"Dar espaço de afirmação às oposições"
Marcelo garantiu que continuará a zelar pela "estabilidade" e pelo "compromisso" entre as forças políticas, sinalizando, contudo, a necessidade de dar "espaço de afirmação às oposições". Apesar do alerta endereçado a Costa, o presidente afirmou-se, "como sempre, institucionalmente solidário e cooperante para mais quatro anos de aventura coletiva".
Grande parte do discurso do chefe de Estado foi dedicada a uma reflexão sobre as consequências da guerra da Ucrânia, desencadeada por uma Rússia em "tentativa de recuperação" após a perda de relevância que sofreu com o fim da União Soviética, em 1991. O conflito colocou a descoberto o "papel crucial da Defesa e da segurança" no quadro da NATO, considerou.
Marcelo Rebelo de Sousa chegou ao local da cerimónia pelas 16.55 horas, cerca de oito minutos depois de António Costa. Uma das primeiras pessoas a entrar na sala da tomada de posse foi a mãe do primeiro-ministro, Maria Antónia Palla.
Costa foi o primeiro a prestar juramento e a assinar os livros do compromisso de honra e do auto de posse. Seguindo o estipulado pela lei orgânica do Governo, a segunda a fazê-lo foi Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, seguida do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.