O chefe do Estado criticou a forma como o Governo geriu o processo e levou Costa a pedir audiência de emergência. Marcelo lembra que tem a última palavra.
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O presidente da República travou, na quarta-feira, em público a exoneração antecipada do chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), almirante Mendes Calado. E lamentou que o vice-almirante Gouveia e Melo tenha visto o seu "mérito" associado a uma situação de "atropelamento de pessoas ou de instituições". A desautorização do Governo fez com que António Costa pedisse para ser recebido, ao fim da noite, em Belém, levando o ministro da Defesa.
De forma inédita, Marcelo Rebelo de Sousa (também comandante supremo das Forças Armadas), lembrou que é ele quem nomeia os chefes militares. Primeiro-ministro e ministro da Defesa mantiveram o silêncio durante todo o dia.
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Uma nota lacónica da Presidência limita-se a assinalar que "ficaram esclarecidos os equívocos suscitados a propósito da chefia do Estado-Maior da Armada".
O incidente, que levou o presidente da Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA), António Mota, a dizer ao JN que João Gomes Cravinho "não tem capacidade para exercer a função" e a falar em "tentativa de instrumentalização, governamentalização e partidarização das Forças Armadas", foi espoletado pela notícia de que o ministro iria propor a exoneração do CEMA e indicar Gouveia e Melo.
O PSD requereu a sua audição urgente no Parlamento e o deputado comunista António Filipe fala em "insólito indesejável e mau para as Forças Armadas".
A notícia original da Lusa, citando fonte "ligada à área da Defesa" levou, de manhã, o presidente a abrir "uma exceção para esclarecer três equívocos e pôr um ponto final naquilo que pode ser a especulação".
O primeiro é o da saída de Mendes Calado, que "viu o seu mandato renovado a partir do dia 1 de março deste ano". A renovação costuma durar dois anos, mas o oficial "mostrou disponibilidade para prescindir de parte do tempo para permitir que pudessem aceder à sua sucessão camaradas seus antes de deixarem o ativo", tendo sido "acertado um determinado momento para isso ocorrer, que não é este". O oficial terá sido informado anteontem por Cravinho, sem que Marcelo soubesse.
O segundo tem a ver com a "fundamentação para a cessação de funções" do CEMA que contestou as polémicas alterações às leis de Defesa e da Organização das Forças Armadas. Marcelo contrapõe que também os chefes do Exército e da Força Aérea o fizeram. "Sendo certo que intervieram no Conselho Superior de Defesa Nacional, juntaram-se ao parecer unânime favorável no final" e, "a partir do momento em que foi votada, acataram e respeitaram a lei em vigor".
"Não é este o momento"
"O terceiro equívoco diz respeito à substituição", que só se coloca "depois de terminado o exercício de funções. Quando for esse momento, uma coisa é certa, só há uma pessoa que tem o poder de decisão: é o presidente da República", enfatizou. "Não vale a pena estar a antecipar palavras que não existiram, decisões que não existiram", pedindo estabilidade nas Forças Armadas, "uma instituição que por natureza deve ser estável".
As declarações do presidente "tornam evidente que não foi cuidada a dignidade do almirante CEMA, o que se considera inadmissível", disse o PCP, recordando ter votado contra as reformas porque introduziriam "perturbação no funcionamento da estrutura superior das Forças Armadas".
Recorde-se que Mendes Calado viu congelada por três meses (e depois chumbada) pelo ministro a nomeação do novo comandante naval por si indicado.
Cronologia
Mal-estar entre chefe do Estado-Maior da Armada e ministro da Defesa começou há vários meses
8 de abril
Conselho de Ministros aprova duas propostas de alteração à Lei de Defesa Nacional e da criação de uma nova Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (Lobofa).
21 de abril
Antigos chefes militares anunciam reunião com partidos para criticar "concentração de poderes no chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas". Vários militares no ativo e na reforma vêm a público criticar o Governo.
14 de maio
General Ramalho Eanes e várias altas patentes militares na reforma, como quase todos os antigos chefes de Estado-Maior dos três ramos, assinam uma carta contra a Lobofa e pedem "debate alargado".
25 de junho
Depois do debate parlamentar a 17 de maio, os deputados do PS, PSD e CDS-PP aprovam as propostas de lei do Governo, que alteram o funcionamento da estrutura superior das Forças Armadas.
Julho
Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) envia proposta a ministro da Defesa de novo comandante naval, antes de entrada em vigor da lei. Segundo o "Expresso", não tem resposta.
Setembro
Ministro e CEMGFA chumbam nome proposto pelo CEMA para comandante naval. Mendes Calado pede audiência a Marcelo Rebelo de Sousa.