Mariana Mortágua critica posições de Pedro Nuno na imigração, mas BE não exclui uma geringonça porque “nunca faltará a uma solução”.
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A coordenadora do Bloco garante ter energia suficiente para conseguir mais deputados. Mariana Mortágua acusa o PS de ceder no discurso da extrema-direita. Mas, questionada sobre uma nova geringonça, assegura que o BE “nunca faltará a uma solução”.
Quando chegou à liderança do Bloco, disse que queria ser o megafone e devolver o terceiro lugar ao partido. Têm faltado pilhas? O que está a falhar para ter reduzido a representação parlamentar e, de acordo com as sondagens, não descolar?
Pilhas não faltam de certeza. Tenho energia para dar e vender. E o Bloco também. Aliás, atrevo-me a dizer que está cada vez mais com energia para enfrentar o momento que vivemos. Não podemos é negar que há uma viragem à Direita profundíssima, que tem raízes profundas não só no sistema partidário português, mas também no sistema político e ideológico internacional. E, portanto, a Esquerda hoje confronta-se com um Mundo que é muito diferente daquele que era há uns anos. É nosso papel enfrentá-lo, conseguir reorganizar a Esquerda e fazê-la crescer em Portugal. Essa é a tarefa do Bloco.
Que meta estabelece para as legislativas? Se não conseguir aumentar o número de deputados será uma derrota?
A meta é sempre aumentar os votos. Já o fizemos nas últimas eleições, queremos voltar a fazê-lo. Mas é mais do que isso. Nós hoje assistimos à derrapagem de todo o centro político para a Direita. E, portanto, a meta não pode ser só aumentar os votos, mas também conseguir disputar as ideias, convencer o país e mostrar às pessoas porque é vantajoso ter, por exemplo, valores máximos nas rendas para conseguirmos proteger o direito à habitação. Ou porque é tão importante criar formas de taxar os mais ricos, de forma justa, para podermos ter mais recursos para a saúde, para a educação e para os serviços públicos.
Que ilações poderá retirar se não conseguir mais deputados? Eventuais conclusões só depois das autárquicas?
Neste momento, não consideramos outra possibilidade. Estamos perante umas eleições que não desejámos, marcadas pelas piores razões possíveis. É lamentável que tenhamos de chegar a este ponto. O que não quer dizer que o país não esteja numa situação social complicada, que o Mundo não esteja numa situação social e política difícil. E, perante ela, o Bloco empenha-se e oferece tudo o que tem de melhor, todas as gerações, toda a experiência, toda a vontade e toda a proposta. E é com essa energia que vamos para as eleições. Obviamente, estamos convencidos de que vamos subir.
Admite não se apresentar novamente na Convenção Nacional marcada para depois das autárquicas?
Não é hipótese um cenário que não seja subir e aumentar o número de votos.
O Bloco vai promover um porta a porta e, segundo vimos no guião, está preparado para responder a questões como o despedimento de funcionárias. Pode ser penalizado pelos erros que assumiu ter tido neste processo?
Não acho. Essa questão foi muito clarificada nos últimos meses. É natural que queiramos que todos os militantes que falam em nome do BE saibam responder precisamente para não deixar crescer a desinformação sobre a saída dessas trabalhadoras.
O eleitorado bloquista é mais exigente e menos disposto a perdoar do que, por exemplo, o do Chega, que desceu nas sondagens, mas mantém um núcleo de indefetíveis?
O eleitorado do Bloco é exigente em tudo. E é bom que assim seja. Não queremos a democracia organizada em torno de seitas ou de grandes líderes incontestados, independentemente do que façam ou digam. Essa é a beleza da democracia, podermos ser questionados, não só nas nossas ações, mas também nas ideias. E é por isso que, cada vez que apresentamos uma ideia, uma proposta para o país, como os tetos para as rendas ou o imposto sobre grandes fortunas, o fazemos apoiando-nos em dados, em factos e em bons exemplos.
As sondagens mostram uma indecisão entre os que assumem ter votado no BE. Receia que o Livre possa capitalizar esta situação? Ainda esta semana, a sondagem da Pitagórica colocou-o como quinta força, bem acima do Bloco.
No outro dia, ouvi uma frase que se adequa muito bem às sondagens. As sondagens são como os pratos de bacalhau. Há mil e uma receitas e algumas nem bacalhau levam. Há sondagens para todos os gostos, com muito pouca gente a responder, muitos indecisos. Portanto, devemos discutir menos sondagens e mais as ideias para o país. A discussão sobre sondagens e sobre cenários eleitorais em que o nosso país ficou preso empobrece o debate democrático.
Tendo em conta até que Rui Tavares foi do Bloco, admite que há uma certa rivalidade entre os dois partidos?
Estou sentada na Assembleia, para quem vê o plenário de fora, na ponta esquerda. E é aí que gosto de estar. O Bloco ocupa cinco cadeiras. Ao lado, temos o Livre que ocupa quatro e o PCP também com quatro. À frente, temos o Chega que ocupa 50 cadeiras. A minha preocupação são os 50 deputados da extrema-direita que estão ali à frente, não os que estão ao meu lado. E essa Esquerda não compete entre si. Tem diferentes identidades, origens, valores, propostas e posições. O Livre não é a minha preocupação nestas eleições.
As diferentes esquerdas acabam por disputar o mesmo eleitorado. Os argumentos do Livre sobre o apoio militar à Ucrânia e a compra de armas pela Europa poderão beneficiá-lo?
Não acho que o Livre e o Bloco disputem o mesmo eleitorado. Têm eleitorados e ideias diferentes. E não acho que sejam adversários, embora seja necessária clareza neste debate político. Nas questões da Ucrânia, não me parece que exista uma grande diferença. O Bloco de Esquerda defendeu, desde o primeiro segundo, a independência e o direito soberano do povo ucraniano de decidir o seu futuro contra uma invasão inqualificável e injustificável. Portanto, por aí penso que as nossas posições estão muito alinhadas. O Bloco também defendeu que a Ucrânia tem direito a se armar para a defesa, para a resistência. Defendo que um povo se possa defender perante um ataque e, na verdade, defendo esse direito para a Ucrânia, como defendo para o povo palestiniano o direito à sua soberania e à sua liberdade, não tenho duplos critérios. No entanto, o Bloco tem uma posição diferente relativamente ao gasto em armamento porque entendemos que esta corrida armamentista da União Europeia é uma corrida sem sentido, vai pôr em causa o modelo social europeu.
O Bloco poderá ir buscar votos ao PCP, que tem sido criticado pela sua política externa, nomeadamente na questão da Ucrânia?
Uma das coisas que a guerra e o militarismo fazem à política é que eles criam unanimismo, criam um mundo de bons e maus, de vilões e heróis. E, nesse mundo, há pouca liberdade para pensar criticamente. É importante que partidos tenham diferentes opiniões. Posso concordar ou discordar. Não é segredo para ninguém que o PCP e o Bloco não têm a mesma posição sobre a Ucrânia. Aliás, criticamos as posições do PCP relativamente à Ucrânia. Tal como não é segredo para ninguém que o Bloco e o Livre não têm as mesmas posições sobre o armamento. O Livre propõe, na Assembleia da República, retirar os limites do défice para despesa em armamento e a posição do Bloco é que não devia haver limites sequer ao défice e que precisamos mesmo é de investir no SNS, na escola, na investigação, nos serviços públicos e na capacidade de desenvolvimento da economia.
Mas, por exemplo, a Alemanha seguiu essa opção de retirar o limite do défice para investir nessa área. Durante esta campanha eleitoral, as propostas de cada partido na área da defesa, nomeadamente onde é que se terá ou não de cortar para cumprir esses objetivos, deviam ficar claras? Luís Montenegro já veio dizer que acredita que não são gastos, são investimentos e que até podem trazer lucro para reforçar a despesa social.
Tenho ouvido muitas coisas e acho que é importante que nós possamos ter um debate sério sobre estes investimentos para que saibamos para que é que servem. O que a Alemanha e França estão a fazer é tentar escapar à estagnação económica. O modelo económico que tinham faliu. Faliu porque a Europa, na sua vertigem da austeridade, nas suas regras de competição absurdas, deixou a sua indústria cair completamente, incapaz de competir, quer com a China, quer com a indústria tecnológica dos EUA. Portanto, a Europa vê - e a Alemanha e a França em particular - o investimento em armamento como a solução para a estagnação económica. É por isso que a Alemanha está a desviar fundos e instalações e recursos que estavam a servir para fazer comboios para construírem tanques. E isto tem a ver com a economia. Não tem a ver com a paz, nem com a defesa.
Convocou três fundadores. Garante que Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda cumprirão o mandato se forem eleitos?
Quando chamamos os fundadores a este combate, queremos um encontro de gerações. E só o Bloco o pode fazer. Temos o grupo parlamentar mais novo e, ao mesmo tempo, temos fundadores que são históricos da democracia nas listas a fazer esta batalha política. E, sim, esses mandatos são para cumprir.
O PS e a Esquerda em geral devem viabilizar um Governo minoritário PSD/CDS, se isso significar travar o Chega?
Podemos desenhar todos os cenários que queremos, mas só um interessa: o que vai sair das eleições em maio. E achamos que está tudo em aberto. Se há coisa que as sondagens dizem é que está tudo em aberto porque simplesmente mostram quantas pessoas estão indecisas, quantas não querem responder, em parte porque estão zangadas e não compreendem porque estamos em eleições. Mas isso não nos retira a responsabilidade de transformar este momento num período de debate político.
Mas, há um ano, também falava de uma eventual nova geringonça, nomeadamente da questão de haver ou não um acordo escrito. Daí perguntar se há abertura para conversar com o PS e qual o cenário que poderá sair destas eleições.
Está tudo em aberto e queremos disputar, queremos ir à luta para mudar esse cenário, para fazer com que desse cenário possam sair condições para haver limites às rendas e uma política fiscal mais justa, para proteger quem trabalha por turnos, para salvar o SNS. Isso é o que nós queremos que saia das eleições. Nesse contexto, a garantia que posso dar a quem vota no BE é que o Bloco nunca faltará a uma solução e também sabe ser a melhor das oposições. E essa é a garantia de ferro, seja qual for o cenário.
Mas admite conversas ou entendimentos prévios?
Este é o momento para falar das propostas. Depois, veremos qual é o resultado das eleições. O que sair delas irá convocar os partidos a pronunciarem-se. Mas não podemos saltar este passo, em que explicamos às pessoas que ideias temos para o país e como queremos tornar a vida delas mais fácil e melhor. Isso deve ser o centro da campanha.
O Governo da AD deixou o PS sem discurso ao ter negociado com alguns setores uma certa paz social, respondendo a reivindicações?
O que abre a porta para este Governo da AD e, já agora, para os 50 deputados do Chega é a maioria absoluta do PS. Uma estratégia da qual a AD não se distancia… no centro dessa estratégia porque há coisas em que se distancia. Por exemplo, na imigração o PSD tenta competir com o Chega, adotando o seu discurso. O PSD vai puxando o eixo do debate para a Direita, tentando ficar com temas da extrema-direita e aceitando os pressupostos desse debate. É por isso que é tão perigoso quando o PS também cede nesse discurso e, por exemplo, vemos Pedro Nuno Santos, sobre imigração, a adotar alguns dos termos e dos preconceitos do debate imposto pela Direita e pela extrema-direita. E isto vai deslocando o eixo. E depois há um eixo de governação que tem a ver com pequenos remendos para resolver problemas e que não resolve o problema de fundo do país. A estratégia do PSD para habitação é diferente da do PS. O PSD rebentou com toda a lei que havia para pelo menos limitar o alojamento local.
O PS propõe que os lucros da Caixa Geral de Depósitos (CGD) sirvam para financiar habitação? É um avanço?
Há um ano, fizemos uma proposta para a CGD baixar os juros no crédito à habitação e aliviar a vida de centenas de milhares. Ninguém aceitou. Agora, a CGD apresenta lucros recorde. O PS quer que, dentro do Estado, haja uma obrigação de irem para a habitação. Certíssimo. Mas isto não significa uma política diferente. E não resolve o problema imediato. É preciso construir mais e ter um parque público. Mas estamos a esquecer que essa não é uma solução para as pessoas que estão a viver em barracas, em tendas, nas ruas, em casas sem condições e que não conseguem pagar, ou que as atiram para a pobreza.
Na Saúde, Luís Montenegro promete manter a aposta nos privados.
O PSD entrou com um plano para privatizar o SNS. Está a fazer a maior operação ideológica contra o SNS para retalhá-lo e entregá-lo aos bocados a privados. Temos de proteger a sua capacidade total, porque o SNS não funciona se for retalhado. Eurico Castro Alves é o cabecilha de um grupo que foi enviado para privatizar o SNS e que colocou gente da sua confiança em vários lugares-chave. Muitos deles tiveram de sair por conflitos.
Não quer fazer cenários e pensar no dia seguinte, mas qual a importância que atribui à eleição do próximo presidente da República num contexto que, a julgar pelas sondagens mais uma vez, pode ser de alguma instabilidade ou ingovernabilidade?
O debate sobre a candidatura do presidente da República antecipou-se muito. Parece que só quando estamos a discutir candidaturas, emergências, grandes casos é que a política acontece. E a política do dia-a-dia, que não é tão espetacular, que não tem tanta intriga, vai-se perdendo nesta voracidade do mediatismo. Por essa razão, sempre achei que a discussão antecipada das eleições presidenciais era errada, que criava muito barulho. Sempre preferi não falar sobre presidenciais, não deixando obviamente de fazer as críticas que tinha a fazer a quem aparece, Proto-candidatos que são, mas não são. Que comentam mas não são escrutinados. Porque não são candidatos mas comentam como se fossem. Acho que é errado, faz mal à democracia. E espero que possamos contar com uma candidatura capaz de representar valores da democracia, da liberdade, da Esquerda, da decência, do bom senso, num tempo de loucura armamentista e de imenso desrespeito pelo direito internacional, pelos direitos humanos.