Mário Nogueira vai sair da liderança da Federação Nacional de Professores (Fenprof) ao fim de 18 anos. Sem arrependimentos, garante em entrevista ao JN e TSF. Em jeito de última lição, explicou que as batalhas são ganhas nas escolas, pela mobilização dos docentes. A valorização da carreira é a próxima grande batalha.
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Quem é que no Centrão político melhor geriu o ministério da Educação nos seus anos de sindicalista?
Às vezes não se distingue muito. Notam-se alterações, quando há lutas muito fortes como agora a recuperação do tempo de serviço.
O Centrão tem coerência e continuidade?
Sim, é muito coerente e tem uma continuidade muito grande nas políticas. Há diferenças ténues.
Nestes 18 anos em que liderou a Fenprof, negociou com sete ministros, quem lhe infligiu a derrota mais pesada?
Negociámos com seis porque Margarida Mano só lá esteve 15 dias ou três semanas. Penso que na atividade sindical nunca há vitórias e derrotas. Há momentos em que nós conseguimos avançar no sentido dos objetivos que temos, há momentos em que não conseguimos e até por vezes recuamos; há recuos que nos são impostos, há recuos que nós fazemos taticamente para podermos depois avançar um pouquinho, ou temos que esperar, normalmente uma alteração de governo para conseguirmos. Sabemos que a luta sindical, no caso dos professores, nunca é uma luta que nós pressionamos hoje e amanhã eles vêm de bandeira branca, isso nunca acontece. É sempre um património que se vai acumulando e que, depois, normalmente, nas eleições que se seguem a esses momentos fortes de luta, os partidos todos se comprometem a dar resposta àquele objetivo que é a bandeira principal de luta. E nós investimos nisso e depois reunimos com os partidos, como aliás estamos agora a fazer, procuramos que eles assumam compromissos para a legislatura seguinte e depois, mal aquilo começa, estamos lá para os cobrar. É assim que se faz porque nós não conseguimos publicar legislação.
Nesse caso qual é o compromisso que querem dos partidos para a próxima legislatura?
Embora várias áreas sejam importantes, diria que o compromisso dos compromissos é a valorização da profissão, através da revisão da carreira docente, que estava previsto começar em janeiro e agora, o programa do PSD diz que é só em 2027. Acho que é a prioridade das prioridades. Porque o estatuto não tem só a ver com o salário. Também tem a ver com a carreira, as condições de trabalho, horários e tudo isso. Sabemos que neste momento temos um problema gravíssimo de falta de professores que se deve ao envelhecimento, mas também ao abandono de mais de 15 mil jovens nos últimos 6 anos que só voltarão quando a situação se alterar. E, portanto, esta é a prioridade se queremos ter professores suficientes para as escolas, porque até podemos ter agora muitas vagas abertas nas instituições de ensino superior. Primeiro, é preciso que elas consigam abri-las. Segundo, é preciso haver candidatos. Terceiro, é preciso que, havendo candidatos, eles não desistam. E, em quarto lugar, eles só se formam daqui a cinco anos e precisamos de resposta não hoje nem amanhã, mas ontem. E, portanto, no dia 1 de setembro tem que ter havido qualquer coisa que conseguisse, pelo menos, recuperar muitos daqueles que saíram. As medidas do Governo tem feito fazem cócegas ao problema. Nalguns casos estão a disfarçar porque estão a ser contratadas pessoas que nem qualificação científica têm e parece que não faltam tantos.
Mas já fez uma estimativa ao possível impacto por se adiar o início destas negociações para 2027?
Se fizermos essas contas vai ser tremendo. Vamos ver, falemos apenas das aposentações. Tirando 2013 que foi um ano excepcional, o ano que passou foi o que bateu de longe o número de aposentados neste século. E até agora o número de aposentações que temos em 2025 ultrapassa o de 2024. E o que se prevê é que para o ano ultrapasse o deste ano.
Sempre com mais aposentações que entradas?
Ah, pois. Portanto, se em 2025, em 2026 e em 2027 saíssem nem que fosse só 4 mil por ano, provavelmente serão mais, estamos a falar de 12 mil professores que de forma alguma, são compensados pelos que chegam, porque, os que vão entrar no sistema são os que entraram nos cursos há 5 anos, quando não chegavam a mil. Portanto, recuperar quem tem habilitação profissional, e, sobretudo, garantir habilitação pedagógica, a muitos que querem ser professores têm de ser apostas.
O Governo devia criar uma solução específica para os que têm habilitação própria?
Sim, claro. Aquilo que já existiu. Essa foi uma das grandes discussões no âmbito do diploma da formação de professores. A nossa perspectiva era que esses fossem considerados já professores estagiários com um contrato de trabalho, com turmas a seu cargo, porque muitos, já têm anos de serviço e, portanto, poderiam perfeitamente ser acompanhados por um professor do quadro, que fosse seu orientador. Não foi essa a opção, a opção foi criar uma bolsa de 360 euros por mês.
É sobretudo com o envolvimento dos professores. Não é na rua, é nas escolas. A rua é já um culminar. É com o trabalho do dia-a-dia. Ninguém pensa que consegue mobilizar os professores e ganhar uma batalha a mandar para as redes sociais, ou para os mails, ou para o Facebook. Pode ajudar, mas às vezes até cria ruído. As escolas tem sido o nosso segredo. Por exemplo, agora aprovámos uma proposta global de revisão do ECD (Estatuto da Carreira Docente). Fizémos 380 reuniões com mais de 6 mil professores. Algumas delas grandes plenários, com centenas, diria que esses são sobretudo para esclarecer, passamos um PowerPoint, o pessoal vai vendo e tal, mas aquelas reuniões nas escolas, com 10, 15, 20, 40 professores, são fundamentais, porque é aí que os colegas se soltam mais. Este é o trabalho fundamental. Se o ministério sabe ou percebe que as pessoas não estão atentas, não estão mobilizadas, eles nem querem saber do que nós dizemos. Não é o jeito, ou a falta dele. É a pressão. E depois, claro, os dirigentes sindicais têm que estudar os problemas, dominar os assuntos, ter propostas, não basta fazer barulheira.
Regressando à tática, como se ganha uma batalha sindical? É mais com teimosia ou com diplomacia?
Está a enviar uma indireta ao STOP?
Não estou a dar indiretas a ninguém. Estou a dizer é que não basta fazer o barulho de rua. A rua é importante. Uma greve é importante, é preciso saber fazê-la no momento certo. Se o ministério, como aconteceu no final de 2022, suspende as negociações para o ano de 2023, não vamos armados em Dom Quixote fazer greves. Uma greve de um dia, com 90% de adesão, é mais forte do que uma greve de um mês com 5% que não serve para nada, porque o que é preciso numa luta é que o poder perceba que as pessoas estão connosco. Depois na negociação é saber apanhar as fragilidades do outro lado, as contradições.
Deixou linhas vermelhas aos futuros secretários-gerais por causa da revisão do Estatuto da Carreira Docente?
Não, aliás, o Estatuto já não tem conversa, porque temos uma proposta do primeiro ao último artigo. Eu não vou deixar uma linha vermelha para ninguém, nem amarela, nem nada. A linha é verde para que eles andem em frente. Inclusivamente, nos órgãos da FENPROF, achavam que eu saía de secretário-geral, mas devia continuar como presidente do Conselho Nacional. Há um tempo para tudo. Houve o tempo do António Teodoro, houve o tempo do Paulo Sucena e agora é o tempo deles. E eles não têm que ter ninguém a dizer, se é por ali ou por acolá. Os princípios e os valores não se alterarão, agora o caminho tem que ser eles a percorrê-lo e não precisam de um paizinho para lhes dizer como é que as coisas se fazem.
Porquê dois?
Podia ser um, podiam ser quatro, não é essa a questão. Neste momento, todos os nossos sindicatos têm coordenações colegiais. É uma experiência que desenvolvemos com muito êxito porque ajuda-nos muito.
Ao nível da distribuição do trabalho? Por outro lado, são vozes divididas.
Não, não são. Nós fomos três agora e funcionámos muito bem. Aliás, como se sabe, isso foi público em 2022 queria sair, era essa a minha intenção. A saída naquele momento podia parecer que estava a fugir de um momento importantíssimo. E uma das condições que coloquei foi ter dois adjuntos. E funcionámos muito bem. Éramos já três secretários-gerais. Reuniões do secretariado da FENPROF foram sempre à vez. Era eu, era o Francisco, era o Zé. Dividimos os temas principais. Aliás, a proposta de ficarem os dois, vem deles. Eu nem tinha, se quer que lhe diga, nem tinha pensado nisso antes. Vem deles. Acho que até é justo. Seria injusto que um ficasse e o outro não.
Nos 35 anos em que foi sindicalista, a tempo inteiro, nunca teve saudades dos alunos?
Sim, muitas vezes, passava muito na minha escola e fui dirigente desportivo na Académica, lidava muito com os miúdos. Só deixei de ter tempo quando fui para a Fenprof.
No caso do Mário, estamos a falar do 1.º ciclo.
O meu objetivo sempre foi ser professor, mas era mais para a área da Matemática. Acabei o liceu em 1975 quando começa o serviço cívico, estávamos nós, rapaziada, de 17 anos, orientadinhos para sair de casa e ir para Coimbra, e calha-me um ano a fazer limpezas no hospital. Não que isso fosse um problema grave, mas era continuar em casa. As escolas do magistério não era necessário fazer serviço cívico. Lembro-me que fui fazer exame com mais de mil pessoas para cem vagas.
Uma das críticas que sempre fizeram é que esse longo afastamento da sala de aula lhe retirou a percepção dos problemas efetivos dos professores. Neste momento sente-se mais sindicalista ou ainda é um professor?
Se não fosse professor, não era sindicalista. Por acaso, acho que é uma crítica injusta por uma razão simples: Só estou com a função que estou porque os meus colegas me escolheram. Acho que se os colegas achassem que me tinha afastado dos seus problemas já tinham corrido comigo. O que eu sinto é exatamente o contrário quando chego às escolas. E eu costumo dizer que a sede de um sindicalista, o seu território, é a escola.
Mas consegue fazer aquele exercício de autoavaliação que o professor pede ao aluno?
É evidente que o sindicalismo foi uma opção minha. Ninguém me obrigou. Ser sindicalista foi uma opção. Talvez uma opção de um jovem que viveu uma fase deste país, o 25 de Abril, numa idade muito boa, que foi com 16 anos. Talvez tivesse tido uma primeira escola em casa. O meu pai já era militante da CDE, da oposição, tínhamos vizinhos que tinham sido presos, pai de colegas meus do liceu que estavam em Caxias. Eu já era da associação de estudantes do liceu, e portanto já havia uma valorização da luta.
Não tem arrependimentos? Algum acordo que hoje pense deveria ter assinado?
Não. Assinámos acordos quando era para assinar como quando acabámos, por exemplo, com a divisão da carreira. Temos dito aos governos, acho que eles perdem oportunidades, vocês querem um acordo para a política, porque um governo pode, com ou sem acordo, publicar o decreto de lei. Se aceitassem fazer uma ata final da negociação, diríamos logo com o que concordávamos e discordávamos porque assinando-se um acordo como o do tempo de serviço, ficando problemas por resolver, não temos legitimidade para depois exigir a sua resolução. Portanto, temos de deixar aberta a possibilidade de continuarmos a fazer alguma coisa para resolver esses problemas.
Voltando às eleições e aos programas eleitorais, o programa da AD prevê a flexibilização das cargas leitivas obrigatórias nos vários níveis de escolaridade. Teme que esta seja a solução para se acabar com o número de alunos sem aulas?
Pois, às vezes, em vez de se combater com medidas encontra-se maneira de dar a volta ao problema. A falta de professores era perfeitamente previsível nos anos 2010, 2012, 2013. Na educação, é sempre possível disfarçar um problema como este, reduzindo cargas letivas aos alunos, aumentando nos docentes, isso é sempre possível, mas vai ter consequências nas aprendizagens dos alunos. E se a extrema-direita algum dia tomasse o poder, imagino o Trump a acabar com a Secretaria da Educação ou o Millet a acabar com o Ministério da Educação e faço ideia o que é que esses bacocos da extrema-direita portuguesa fariam se algum dia chegassem ao poder.
Tanto PS como AD pretendem mexer no modelo de colocação dos professores. O recrutamento direto pelas escolas pode ou não melhorar os desequilíbrios regionais que causam dificuldades nas substituições?
Não tem nada a ver. Também achamos que o modelo de concurso dos professores carece de melhorias. Agora, o problema é a falta de professores. Podemos ter o melhor regime de colocação, imbatível, mas se não houver professores, como é que se faz? E mais, uma colocação direta para as escolas até criaria dificuldades acrescidas em algumas. Estou a ver em conselhos com dinheiro conseguirem criar incentivos especiais para os docentes, habitação, esses não iam ter problema nenhum. Se nós municipalizamos ou se nós tornamos a contratação só a nível de escola, pode ter a certeza: há escolas que melhorarão e outras piorarão.
o professor está a ganhar ou a perder a batalha pela credibilidade profissional, até em função do contexto social que vivemos?
A democratização da educação fez com que a escola passasse a ser para todos, coisa que não era antes do 25 de Abril.Diria que essa é a parte boa. A parte menos boa são campanhas absolutamente condenáveis que se fizeram neste país. Não me esqueço, no governo de Sócrates, quando se quis reduzir muito despesas na educação, daquelas frases inesquecíveis como “perdi os professores mas ganhei na opinião pública”. Penso que ultimamente, apesar de tudo, tem havido um discurso contrário e de valorização, mesmo dos próprios governantes, depois a seguir, às vezes os atos não correspondem, mas o discurso de grande desvalorização da profissão já não existe tanto. Acho que os professores têm vindo a fazer o que é possível para serem reconhecidos como uma profissão importante. Tenho para mim que é uma profissão com futuro, é preciso valorizar, e não é só a carreira, não é só o salário, é também, por exemplo, a formação, não se pode ir fazendo baixar cada vez mais a formação e as pessoas chegarem às escolas e não terem a formação adequada, quer científica, quer pedagógica, para poderem trabalhar com os alunos e ajudá-los a crescer. Penso que apesar de tudo os professores continuam a ser reconhecidos. Os governantes para irem a qualquer lado têm de levar seguranças. Eu vou a qualquer sítio – é evidente que não vem toda a gente dizer bem – mas nunca senti que houvesse uma ameaça. SE um polícia me manda parar diz-me que precisam de uma Fenprof, se vou ao centro de saúde as enfermeiras dizem se agora que vou sair não posso mudar de sindicato.
Se um dos seus netos lhe disser que gostava de ser professor, o que lhe diria?
Não incentivava, nem deixava de incentivar. Eles é que têm que escolher a profissão. Se querem ser professor ou bailarino, estarei sempre do lado deles, como estive do lado do meu filho.
Como convenceria um jovem a ser professor?
Fazemos muitas reuniões com os jovens que estão nos cursos de formação de professores. As instituições de ensino superiores convidam-nos. E o que costumamos dizer é que a profissão tem muitos aspectos que têm de melhorar, mas precisa muito de vocês, precisa de muitos jovens, precisa de muitos professores. E, portanto, o que é que tem que fazer? Ter a melhor formação possível, vir para a profissão, identificar o que está mal. Nós até podemos ajudar e já vamos dizendo o que é. E a seguir, estar disponíveis para lutar para que se melhore. É assim.