Candidata do PS diz que passado colonial não pode ser alvo de uma "declaração de circunstância". Presidente são-tomense avisa que "maus-tratos"estão por resolver.
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Marcelo Rebelo de Sousa foi acusado pelo PS de “desrespeitar a História”, com Marta Temido, cabeça de lista às europeias, a afirmar que os crimes da era colonial e a forma de compensá-los são temas “demasiado sensíveis” para serem abordados pelo presidente numa “declaração de circunstância”. Ontem, mais um chefe de Estado dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) falou do tema: o são-tomense Carlos Vila Nova avisou que os atos de “maus-tratos e violência” da colonização “não estão resolvidos”. Mas o ministro Paulo Rangel insistiu que “nada se alterou” face a anteriores executivos na relação com as ex-colónias, após o Governo ter garantido não estar em causa “nenhum processo ou programa de ações específicas com o propósito” de reparação às ex-colónias.
O apelo de Marcelo para que Portugal lidere este processo, sugerindo o perdão de dívidas, para além da cooperação e da concessão de linhas de crédito e financiamento, continua a gerar turbulência. O presidente disse que o atual Governo deve continuar o levantamento dos bens patrimoniais das ex-colónias, iniciado pelo anterior, e devolvê-los.
Na entrega das listas às europeias, a primeira candidata do PS, Marta Temido, criticou o modo como Marcelo abordou a responsabilidade de Portugal pelos crimes na era colonial e a compensação. Para a ex-ministra da Saúde, estes temas não devem ser falados “en passant” ou tratados “no contexto leve, ligeiro de uma declaração de circunstância”. “Penso que isso até, de alguma forma, é desrespeitar aquilo que é a História, o envolvimento de todas as partes num processo histórico”, acrescentou. Mas preferiu sublinhar que “não é uma crítica, é uma observação”.
“Posição do Governo claríssima”
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, insistiu que “nada se alterou” face a anteriores governos. “A posição do Governo é claríssima”, disse, remetendo para o comunicado de sábado. “Mostra uma visão muito madura, diria ao mesmo tempo e equilibrada, da relação que temos de ter com as ex-colónias e sobre o passado colonial”. E “o Governo tem uma visão alinhada com a dos governos anteriores”.
Na semana passada, fonte do Executivo recordou que os programas estratégicos de cooperação com os PALOP até 2027 envolvem quase 1200 milhões de euros: 750 para Angola, 170 para Moçambique, 95 para Cabo Verde, 70 milhões para Timor, 60 para São Tomé e 19 para a Guiné.
Mas, ontem, o presidente são-tomense destacou que “a descolonização pode estar resolvida, mas os atos de maus-tratos, de violência e outros que aconteceram não estão resolvidos”. Encara as palavras de Marcelo “com normalidade, até porque, ao nível de outras potências colonizadoras, esse processo já está um bocado avançado, já está em discussão”.
Polémica continua também a gerar a iniciativa que o Chega entregou para que o Parlamento condene as declarações de Marcelo. “Tal como pode condenar outros chefes de Estado, também pode condenar o nosso”, defendeu, dizendo que se “aproxima muito” de uma “traição à pátria”. E insiste na audição de Rangel.
Temido comentou que “as iniciativas do Chega são as iniciativas do Chega” e pediu respeito pelas regras da democracia. Pela IL, Rui Rocha disse que Ventura usa o voto de condenação “para continuar a protagonizar as notícias”. E a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, não alinha no “show off mediático do Chega”.
O que fizeram outros países
Holanda criou fundo
A Holanda anunciou, em 2022, um fundo de 200 milhões de euros para iniciativas nas ex-colónias, sobretudo focadas na educação e no combate ao legado do trabalho escravo. Além disso, os Países Baixos devolveram, recentemente, centenas de objetos, alguns do século XIII, à Indonésia, enquanto a Suíça entregou 32 objetos ao Egito no ano de 2018.
Canadá indemniza
Em 2023, o Canadá avançou com indemnizações às comunidades indígenas locais de 600 milhões de dólares, após anos de batalhas judiciais e de processos.
França devolve arte
Emmanuel Macron foi pioneiro e cumpriu a sua promessa, feita em 2017, de restituição de objetos de arte e artefactos às ex-colónias francesas. O antigo reino do Benim (agora território da Nigéria) é um dos exemplos. Foram devolvidos 26 objetos.
Alemanha juntou-se
Já em janeiro, França e Alemanha juntaram-se nesta iniciativa e prometeram investir 2,1 milhões de euros para investigar objetos de ex-colónias que têm nos seus museus para devolvê-los aos países de origem. A Alemanha devolveu objetos e artefactos furtados ao Benim, em 2022, e também à Namíbia.