Especialistas defendem que dinheiro da conta solidária criada para ajudar Matilde deve ser devolvido ou doado a associação. Pais admitem restituições.
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Especialistas em Direito defendem que os 2,5 milhões de euros que os portugueses doaram para tratar a Matilde deve ser devolvido, porque o objetivo da conta solidária foi alterado. A bebé diagnosticada com uma doença fatal precisava do "medicamento mais caro do Mundo", mas o Estado acabou por pagar o tratamento e a bebé já tomou o Zolgensma e há mês e meio que não entra dinheiro na conta.
A opinião de Sofia Martins dos Santos de que os donativos podem ser reembolsados é, aliás, a solução preconizada por vários advogados ouvidos pelo JN. "Pode haver pessoas que não querem saber do que doaram e que acham que os pais precisam do dinheiro. Mas as pessoas doaram com base num pressuposto que foi alterado. O que é lógico é devolver-se o valor ou, no mínimo, perguntar se querem o reembolso", afirma João Perry da Câmara.
Necessidade já não existe
Especialista em Direito da Família, esclarece que, não sendo essa a opção dos pais, quem doou pode dirigir-se à família, por e-mail ou carta, pedindo a devolução. "O que determinou a sua vontade de doar foi o desejo de resolver uma necessidade que já não existe", explica. Se não houver resposta, pode recorrer-se a ação judicial e, nesse caso, os doadores têm um ano.
João Perry da Câmara sugere até que o dinheiro de quem não quiser o reembolso devia ser entregue a uma instituição. Por uma questão ética. "O valor foi doado para a Matilde, os pais podem administrar o dinheiro, mas não devem dispor dele". Por tratar-se de uma menor, "o Ministério Público tem uma palavra a dizer".
Os pais da bebé revelaram, anteontem, que foram retirados 50 mil euros da conta para ajudar outras famílias. Mas Paulo Veiga e Moura, especialista em Direito Administrativo, garante que, do ponto de vista jurídico, "não podem ser os pais a decidir quem ajudam e que verba libertar, essa é uma decisão dos doadores". Outra advogada corrobora: "Os pais não têm legitimidade para decidir como o usar".
Por isso, João Pacheco Amorim, especialista em Direito Administrativo, defende que o ideal era os pais criarem uma fundação para gerir os donativos da conta entretanto encerrada. E, até lá, tornarem públicos os movimentos. "O princípio de boa fé manda a família prestar contas, desde a ajuda a outras crianças até aos gastos pessoais com comida ou roupa para a bebé. Os pais têm de fazer de conta que o dinheiro não é deles".
DADOS
2,5 milhões angariados na conta
Já foram retirados 50 mil para ajudar outras famílias e 4000 euros para fisioterapia da Matilde, transferidos já para a Associação Bem Maior.
Ajudar doentes
A prioridade dos pais de Matilde é usar a verba para ajudar crianças com atrofia muscular espinhal (AME) tipo I, mas a intenção é alargar a ajuda a crianças com AME tipo 2.
Pedir reembolso
Depois de provar a dação, os doadores podem pedir o reembolso, alegando que o pressuposto com que doaram já não se verifica.