O Governo quer tornar mais rápidos os procedimentos de expulsão de imigrantes em situação irregular. O geógrafo e especialista em imigrações Jorge Malheiros alerta que ineficiência administrativa e atrasos na renovação de documentos não podem penalizar imigrantes.
Corpo do artigo
A expulsão é vista como a última medida, depois de esgotadas outras alternativas?
A expulsão é uma solução “ex post”, isto é, já se ultrapassou uma primeira fase em que não se conseguiu que as pessoas não entrassem irregularmente. Num Mundo muito ligado, onde há circulação, apesar das barreiras que agora se têm levantado, e que ainda são maiores, é impossível dizer que a imigração irregular vai ser zero. Todos os países têm imigração irregular, e alguns estão mais expostos, sobretudo os que têm fronteiras longas com países com um nível de desenvolvimento muito menor.
Os Estados Unidos, por exemplo, é o país que tem mais imigrantes irregulares do mundo e tem uma fronteira enorme com o México, um país com um nível de desenvolvimento muito diferente, em relação ao qual há uma imigração muito significativa. Mas outros países expostos são os países do Mediterrâneo Norte, como a Itália, Malta, Grécia, e há alguns outros países, como Portugal também.
Sabe-se também que a imigração irregular aumenta quando, normalmente, a economia informal dos países tem uma dimensão maior. É verdade que, no quadro em que estamos – não só o português, mas também da Europa – há um incentivo para que as expulsões aumentem. Tenho dúvidas da eficácia de muitas expulsões. A alternativa é regularizar.
O número de imigrantes em Portugal mais do que dobrou nos últimos três anos. É inevitável aumentar o controlo e, nos casos irregulares, proceder ao afastamento?
A imigração é um desafio. A única coisa que sabemos é que tivemos um aumento muito significativo e muito rápido nos últimos anos. E coloca desafios de tipo diverso para a sociedade portuguesa, nomeadamente na integração no mercado de trabalho, nas escolas, no sistema de saúde. A expulsão não é, nem pode ser, uma solução para reduzir o número de imigrantes. Só se podem expulsar se as pessoas estiverem irregularmente no país.
Há esse risco no caso de cidadãos que não conseguem renovar documentos ou continuam a aguardar agendamentos?
Uma pessoa não pode ser expulsa pela ineficácia dos mecanismos burocráticos e administrativos existentes no país de destino. Para haver expulsão, têm de ser os atos das próprias pessoas a causar uma situação que não pode ser resolvida de outra forma. Agora, quem entra irregularmente e permanece sem documentos para lá dos três meses, e, eventualmente, exerce uma atividade profissional, não sendo isso permitido pelos documentos que possui, está numa situação vulnerável. Nesses casos, pode-se aplicar a notificação para abandono [voluntário] do território. E aí a discussão é saber se a alternativa é essa ou se há outras hipóteses que podem ser mobilizadas.
Mas há que fazer bem esta distinção: não pode ser um mecanismo para ajustar o número de imigrantes às necessidades [do país], mas também não pode penalizar o imigrante por uma situação que resulta da ineficiência do próprio Estado. Em que, do ponto de vista burocrático e administrativo, não se deram as condições que deviam ter sido dadas, levando a que as pessoas fiquem numa situação irregular
Acredita que uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras, na PSP, pode realmente resultar no controlo da imigração irregular?
Pode, e parece-me um procedimento potencialmente interessante. Não sei se nos termos em que o Governo propõe está bem desenhada. Extinguir o SEF foi um erro. Mas reformá-lo era essencial. Devendo dizer-se que uma unidade desse tipo não é uma unidade de expulsões. Notificar as pessoas para abandonarem o território e acompanhar esse procedimento é apenas uma atividade do SEF. As outras funções têm a ver com a garantia de uma imigração regular, fiscalização e o controlo.
O Governo tem no âmbito do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] verbas para construir dois centros de detenção e, se ganhar as eleições, há de ter procedimentos mais rápidos para a expulsão. O que acontece é que, expulsar efetivamente, não é somente notificar. A partir daí, a permanência no centro e depois o transporte [para o país de origem] têm de ser pagos por alguém. Uma coisa é o PRR pagar o centro, outra é pagar os procedimentos.
Perante este endurecimento da legislação, nomeadamente o fim das manifestações de interesse, arriscamos afastar novas entradas num contexto em que é cada vez mais evidente a necessidade de mais trabalhadores estrangeiros?
Acho que podemos melhorar os mecanismos de entrada no país. Podíamos ter uma melhor regulação. E isso exigia fazer-se algo que não se fez: uma avaliação de medidas de política, isto é, do sistema de vistos e das possibilidades de regularização em território nacional, designadamente das manifestações de interesse, dos vistos CPLP [para cidadãos dos países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e dos vistos de trabalho.
Portanto, havia uma panóplia de instrumentos que devia ter sido avaliada de uma forma mais ou menos rápida, seis, oito meses, e depois então se tomavam as medidas estruturais. E não medidas apressadas, que depois dão numa grande confusão, e muitas vezes em avanços e recuos. Que já vinha na sequência de um processo já rocambolesco, isto é, da extinção do SEF e na integração do Alto Comissariado para as Migrações na AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo], que estruturou um sistema que tinha defeitos, mas que funcionava, num momento de grande pressão.
Podia-se colocar-se algumas medidas pontuais e urgentes logo, mas não um plano para reestruturar tudo sem avaliar o que estava em curso. A partir do momento em que as vagas do mercado de trabalho estão satisfeitas, vamos ter é uma lógica de substituição. Entram uns, saem outros. O processo é dinâmico e todas as estimativas apontam para que a necessidade de 80 a 90 mil pessoas por ano para satisfazer uma série de setores para os quais não há mão de obra em território nacional. E, portanto, conhecer a realidade da economia portuguesa e do funcionamento do sistema empresarial português, aconselha a ter várias possibilidades de entrada e depois controlar cada uma destas.