Especialistas criticam dualidade de critérios e falta de planeamento. Possível voto presencial de infetados deita por terra trabalho da Saúde Pública e de responsabilização.
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Unanimemente, a classe médica salvaguarda o direito ao voto, mas critica duramente o Governo por não ter antecipado e planeado o voto dos milhares de infetados e isolados. Uma "caixa de Pandora" prestes a abrir, caso se avance com o voto presencial daqueles cidadãos, com prejuízos graves nos quase dois anos de trabalho feito pela Saúde Pública e de responsabilização individual.
Num país que entrou em modo digital - tele-escola, telemedicina, teletrabalho - Filipe Froes não compreende como não está já em vigor o voto eletrónico. Coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid, entende estarmos a "criar uma situação de risco com base em critérios de exceção para a mesma situação". Tanto mais que, frisa, "o vírus não vota, não para a sua atividade naquele momento". Sobretudo no atual estado, com o país a ultrapassar as 40 mil infeções diárias.
"A dualidade de critérios não é benéfica no combate à pandemia e podia ter sido antecipada", diz o pneumologista. Quanto a impactos? "Minimiza a capacidade de intervenção da Saúde Pública, descredibiliza muito o trabalho de consciencialização, de responsabilização individual e de avaliação de risco, que nesta fase é determinante".
"Caixa de Pandora"
Pela voz dos médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges entende que "o voto ao domicílio é a única solução". Até porque se "o voto é um direito constitucional, também o direito à proteção da saúde o é". O novo presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública avisa mesmo que a "quebra do isolamento abre um caixa de Pandora, difícil de parar".
A avançar o voto presencial, "é a fragilização da autoridade da Saúde Pública porque deixa de fazer sentido bloquear que se saia, porque é o próprio Governo a dizer que não é assim tão importante". Recordando os processos em tribunal de "uma dezena de colegas", por terem determinado isolamento a cidadãos com teste negativo, tendo "a grande maioria ganho os habeas corpus".
Problema logístico
Sendo presencial, a logística preocupa também a Associação de Medicina Geral e Familiar. "Como é que provo que não estou positivo, têm acesso ao sistema? E se por estar a trabalhar só conseguir ir votar no horário para os isolados?", questiona Nuno Jacinto.
"Um risco desnecessário porque, atempadamente, não compatibilizámos isto com a Saúde Pública", vinca. Defendendo Tato Borges "o encerramento de cafés, restaurantes, centros comerciais", como forma de minimizar o risco e de garantir que aqueles cidadãos vão apenas votar.
