Há muito mais médicos a querer tirar uma especialidade do que vagas, mas mesmo assim meia centena ficaram por preencher no último concurso do Internato Médico. O Hospital de Santa Maria, um dos maiores do país, abriu 15 lugares para formação em Medicina Interna mas só conseguiu captar cinco internos.
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Gravíssimo. O presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) ficou "atónito" e "muito preocupado" com o resultado do concurso do Internato Médico 2021. O bastonário da Ordem dos Médicos assegura que estamos perante "o maior sinal de alarme".
Desde 2016 que, todos os anos, entre 300 a 500 médicos ficam de fora do internato médico. As vagas são todas preenchidas, mas insuficientes para a procura. Este ano foi diferente. Houve 50 lugares rejeitados, ninguém os quis. Por isso, o espanto e a preocupação.
"Ficaram por preencher 50 vagas, distribuídas pelas especialidades de estomatologia, imuno-hemoterapia, medicina geral e familiar, medicina interna, patologia clínica e saúde pública", referiu à Lusa a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).
Adiantando que dos 2260 médicos habilitados a escolherem vagas para formação específica, 1871 foram colocados (para 1921 vagas) e 389 faltaram ou desistiram.
A maior parte das 50 vagas por preencher são em hospitais e centros de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo, segundo um levantamento feito pela FNAM.
Para a ACSS, uma das principais razões que justificaram as ausências prende-se com "a intenção de mudança de especialidade ou local de formação". Além disso, refere, alguns dos médicos que integravam o processo atual realizaram a Prova Nacional de Acesso 2021 no passado dia 17 de novembro, adiando assim a escolha de especialidade para o final do próximo ano.
Argumentos que não colhem junto da FNAM e da Ordem dos Médicos, desde logo pela quantidade de médicos que preferiram não escolher uma vaga a ficar nas que havia disponíveis.
Trabalhar à hora pode ser mais rentável
Numa nota enviada às redações, esta terça-feira, a FNAM considera que a situação é "extremamente preocupante" e põe em risco "os alicerces do Serviço Nacional de Saúde".
Faltam condições de trabalho, os profissionais mais qualificados estão a sair do SNS, há muita desmotivação e descrédito numa carreira no serviço público, e há opções mais atrativas no privado e no estrangeiro, refere a FNAM.
Sem especialidade, os médicos recém-licenciados ficam sujeitos a trabalhar à hora, no setor público ou no privado, o que financeiramente pode ser mais rentável porque o valor hora é superior ao pago a quem tem contrato de trabalho. Refira-se que, todos os anos, o SNS gasta mais de 100 milhões de euros em prestações de serviços médicos.
Ao JN, o presidente da FNAM, Noel Carrilho, sublinha as assimetrias regionais que as escolhas dos médicos retratam. "Vemos que nalgumas regiões, como Lisboa e Vale do Tejo, a qualidade da formação, as condições de trabalho e as perspetivas de futuro não cumprem critérios mínimos para os médicos aceitarem", refere.
O bastonário dos Médicos lembra que a qualidade do SNS advém da formação médica especializada. "Temos uma formação de excelência, das melhores do mundo, mas se os médicos não querem estas condições é muito mau sinal, diria mesmo que é o maior sinal de alarme que existe", diz Miguel Guimarães.>
O que se passa com a Medicina Interna do Santa Maria? Hospital inicia reflexão participada
No Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que inclui o Hospital de Santa Maria, abriram 15 vagas para formação específica em Medicina Interna, mas apenas cinco foram preenchidas. De acordo com a lista de colocados e o mapa de vagas abertas, consultados pelo JN, a poucos quilómetros, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (inclui Hospital de S. José) conseguiu preencher as 14 vagas de Medicina Interna. E, no Norte, o Centro Hospitalar Universitário São João, de dimensão equiparável ao Santa Maria, também preencheu as 8 vagas abertas naquela especialidade.
Mas afinal o que se passa com a Medicina Interna do Hospital de Santa Maria?
"No lugar da ACSS e do Ministério da Saúde chamava a administração para ver o que se passa com a Medicina Interna do Santa Maria, para perceber porque que é que ninguém quer ir para lá", afirma, o bastonário da Ordem dos Médicos.
Miguel Guimarães lembra que a Medicina Interna daquele hospital tem dado "imensos problemas", já denunciados publicamente, com os internos "a acumularem muitas horas em bolsa que ficam por pagar".
Em resposta ao JN, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) refere que já iniciou um processo de reflexão sobre a realidade da Medicina Interna.
Ainda que prefira evitar visões casuísticas e circunstanciais dos dados do acesso ao internato médico, o CHULN reconhece que "importa de facto adensar a reflexão específica sobre a realidade da Medicina Interna, em que no presente processo de escolhas houve, a nível nacional e especificamente no CHULN, um conjunto de vagas não preenchidas. Este processo, já foi iniciado, assumindo um caráter participado".