O ministro das Finanças afirmou, esta sexta-feira, que não tinha "nenhum conhecimento" da forma como Alexandra Reis saiu da TAP quando a convidou para ser secretária de Estado do Tesouro. Defendeu que, face à ilegalidade da indemnização paga à ex-administradora, a saída da ex-CEO da empresa era o único desfecho possível. Garantiu ter informado Christine Ourmières-Widener sobre o afastamento por justa causa - contrariando a versão desta - e relativizou as conquistas de Pedro Nuno Santos.
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Na comissão de inquérito (CPI) da TAP, Fernando Medina - o último a ser ouvido, numa audição que durou mais de sete horas - descreveu os 500 mil euros como um valor "particularmente significativo". No entanto, disse não se lembrar de quando é que o ministério das Infraestruturas o informou de que tinha autorizado esse pagamento.
"Tive conhecimento das condições de saída da engenheira Alexandra Reis da TAP poucos dias antes da notícia do "Correio da Manhã" [que denunciou o caso] ter sido publicada", afirmou o governante, em resposta a Pedro Filipe Soares, do BE. "Se a memória não me falha, foi no dia 21 de dezembro de 2022", acrescentou.
Até essa data, assegurou que não tinha "nenhum conhecimento" da forma como Alexandra Reis saíra da TAP nem da indemnização que lhe tinha sido paga. "Não perguntei as condições da sua saída da TAP. Recordo que, quando a convidei para ser secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis já era administradora da NAV e não da TAP", frisou.
Medina esclareceu que não convidou Alexandra Reis para o Governo pelas "funções específicas" que esta tinha na NAV, mas sim pelo seu "perfil": a gestora, frisou, aliava "uma experiência de gestão significativa" ao bom "conhecimento do mundo da Administração Pública e do setor empresarial do Estado", além de possuir um passado de gestão no privado.
Alexandra Reis "já não tinha condições políticas" para continuar
A notícia que espoletou a polémica foi publicada no dia 24 de dezembro, três dias depois de as perguntas terem sido enviadas ao ministério das Finanças - a peça, conforme lembrou o deputado bloquista, referia que o Governo não tinha dado qualquer resposta. No dia 26, os ministérios das Finanças e das Infraestruturas enviaram à TAP um pedido público de esclarecimento sobre os moldes da indemnização.
E, nessa altura, Medina já saberia que as Infraestruturas tinham dado luz verde ao pagamento? "Não lhe consigo precisar isso", respondeu o ministro, dizendo não se recordar da altura em que Hugo Mendes, então secretário de Estado das Infraestruturas, tinha tornado pública essa informação. Perante a insistência de Pedro Filipe Soares, pormenorizou: "Só chegou tudo, na sua forma completa, bastante mais tarde".
Medina disse ter demitido Alexandra Reis do Governo porque esta "já não dispunha das condições políticas para assegurar a autoridade política do ministério das Finanças". Ainda assim, tal como Pedro Nuno Santos fizera na véspera, deixou vários elogios à sua ex-secretária de Estado e ex-administradora da TAP.
"A engenheira Alexandra Reis, mal foi conhecida a situação, teve a preocupação de me pôr a par de como as coisas tinham acontecido", relatou o governante. "Teve sempre um comportamento de grande correção, tendo, aliás, posto o seu lugar à disposição" de modo a não causar "qualquer tipo de problemas" ao Governo, reforçou.
Contraria ex-CEO e garante que falou da justa causa
Medina disse ter recebido, a 3 de março, o relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre o processo de saída de Alexandra Reis. Depois de o ler tornou-se, para si, "inequívoco" que a "única saída possível" era a exoneração, por justa causa, da então CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, e do 'chairman', Manuel Beja, uma vez que foram eles a tomar a "decisão ilegal" de pagarem a indemnização.
Perante um processo "indevido" e uma "violação grave da lei" - em concreto, o Estatuto do Gestor Público -, o ministro encontrou-se com a CEO, a 5 de março, no ministério das Finanças. Nessa "reunião formal", terá falado com Ourmières-Widener sobre a hipótese de esta sair por justa causa. A ex-CEO, recorde-se, alega que não.
Medina garantiu ter transmitido à CEO que a sua permanência no cargo "não seria possível" e que, como tal, "iria propor o início do processo relativamente à sua demissão com justa causa". Tratou-se, segundo disse, "de uma conversa difícil para ambos" mas, "em consciência", não poderia tomar outra decisão.
O ministro disse que, na mesma reunião, abriu a porta à possibilidade de ser a CEO a pedir a demissão, de modo a mitigar os "danos reputacionais" que um despedimento por justa causa teria na carreira desta. Christine Ourmières-Widener terá recusado.
Ainda assim, Fernando Medina garantiu continuar a ter "consideração" pela ex-CEO. Aos deputados, disse estar convencido de que nem ela nem qualquer dos intervenientes no processo da indemnização tinha a noção de que estava a ser cometida uma ilegalidade.
"Tenho a convicção profunda de que todos os envolvidos no processo agiram na convicção de que o estavam a fazer no cumprimento da lei", vincou o governante. "Infelizmente não estavam. O relatório da IGF mostrou, de forma clara, que não estavam e que a lei não tinha sido cumprida", acrescentou.
O desfazer de um "mito": relatório da IGF é "mais sólido do que qualquer parecer"
Medina quis também desfazer o "mito" gerado em torno da base legal para o despedimento da CEO e do 'chairman'. "A decisão do Governo relativamente à demissão dos dois gestores é fundada em algo muito mais forte, robusto e sólido do que qualquer parecer jurídico", atirou, numa alusão à polémica sobre a existência ou não de pareceres que validassem as saídas de Ourmières-Widener e de Beja.
O governante classificou como "totalmente falsa e absurda" a ideia de que o Estado só procurou argumentos jurídicos que sustentassem as demissões "depois de tomar a decisão" de afastar os dois gestores. No seu entender, essa narrativa é difundida por quem "tem como objetivo atacar o Governo" e "fragilizar a posição do Estado", de modo a causar "embaraço político" e, eventualmente, o pagamento de indemnizações.
Medina insistiu que o relatório da IGF é "a base única para o início do processo de demissão", por se tratar de um documento "totalmente suficiente" para esse efeito. Tendo em conta as "conclusões diretas, rigorosas e sem qualquer ambiguidade" que o relatório oferece, "não há necessidade de nenhum parecer adicional", defendeu.
Não houve parecer e o "lapso" partiu das Finanças
Em resposta a Filipe Melo, do Chega, o ministro esclareceu que "não existiu um parecer jurídico" no processo de demissão da CEO e do 'chairman'. "Houve, de facto, um lapso de uma comunicação que foi feita, que tem responsabilidade no ministério das Finanças", acrescentou.
Na altura, as Finanças classificaram como parecer jurídico aquilo que, na verdade, eram "notas de trabalho" de juristas, relatou Medina. Assim, sublinhou que não existiu "nenhuma responsabilidade" da parte das ministras da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes - que tinham afirmado que existia um parecer.
Questionado por Bruno Aragão, do PS, o ministro garantiu que não deu, em "nenhuma circunstância", qualquer instrução à IGF no sentido de condicionar a elaboração do relatório. Considerou "profundamente injusto e insultuoso" que alguém possa suspeitar que existiu qualquer tipo de "interferência política".
Da segunda vez que usou a palavra "insultuoso", Medina foi interrompido pelo presidente da CPI, o socialista Lacerda Sales, que lhe pediu que evitasse utilizar linguagem passível de criar fricções. O ministro pediu desculpa, reformulando a frase para "ofensivo".
Relativiza conquistas de Pedro Nuno
Medina garantiu aos deputados que a relação com o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos - com quem partilhava a tutela da TAP -, sempre foi "absolutamente normal", "franca" e "profundamente comprometida com o interesse público". Nesse sentido, disse não ter tido "qualquer dificuldade" em lidar com o seu antigo colega.
Depois de confrontado, pelo Chega, com algumas notícias que davam conta de fricções entre as Finanças e as Infraestruturas, Medina respondeu que a convivência com Pedro Nuno "naturalmente", nunca foi "isenta de tensões". No entanto, relativizou, dizendo que um governante que não tem divergências com o ministro das Finanças "não está a fazer bem o seu trabalho".
Ainda assim, num outro momento, durante uma breve troca de impressões sobre a CP, viu uma oportunidade para relativizar os lucros dessa empresa - que, na véspera, tinham sido enaltecidos por Pedro Nuno: "Das 126 empresas públicas com informação consolidada sobre 2022, 72 têm resultados positivos", referiu Medina.
O ministro foi evitando revelar aos partidos de Direita quem foram as pessoas com quem se aconselhou para escolher Alexandra Reis como secretária de Estado, admitindo que falou com "várias pessoas" mas vincando sempre que a decisão foi "exclusivamente" sua. No entanto, a Bernardo Blanco, da IL, assegurou que Pedro Nuno Santos não foi uma dessas pessoas.
Irrita-se com PSD sobre o SIS: "É falso, falso, é falso"
Já na reta final, o deputado do PSD, Hugo Carneiro, acusou o Governo de degradar as instituições ao recorrer ao SIS para "intimidar" Frederico Pinheiro. "Rejeito frontalmente aquilo que o sr. deputado afirmou", respondeu Medina. "Rejeito, em absoluto, o que o sr. deputado diz. É falso, falso, é falso", atirou, alegando que essa versão já foi desmentida pelo primeiro-ministro e pelos serviços de informação.
"Quem insiste em dizer uma falsidade tem uma adjectivação que é fácil de lhe atribuir", frisou Medina, numa alusão à mentira que, no seu entender, Hugo Carneiro tinha proferido. Lacerda Sales interrompeu-o, pedindo-lhe contenção quanto a assuntos a envolver o SIS. O governante respondeu dizendo não conseguir "não reagir de forma veemente" quando uma "informação falsa" é "repetida várias vezes".
Já o deputado do PSD repudiou a "irritação forçada" Medina e citou as "sábias palavras" ditas recentemente pelo presidente da República, a propósito da polémica dos cartazes dos professores: "Não ofende quem quer, só ofende quem pode".
Baixar a guarda quanto aos gastos da TAP será "erro gravíssimo"
Questionado pelo PCP, o governante afirmou que os resultados da TAP em 2022 e no início de 2023 são "positivos" e "dão ânimo relativamente ao processo de recuperação" da empresa. No entanto, alertou que não se deve agora dar como garantido que a empresa voltou a ser "sustentável" indefinidamente.
"Discordo de quem diz que, por a TAP ter resultados positivos - ou por ir ter resultados igualmente [positivos] ou até melhores em 2023 -, pura e simplesmente as dificuldades terminaram", afirmou Medina, em resposta ao deputado comunista Bruno Dias.
No entender do ministro, a transportadora não pode "regressar a um processo de menor controlo relativamente aos custos operacionais". "Isso seria uma tragédia e um erro gravíssimo, porque seria deitar fora o esforço dos trabalhadores", frisou, embora admitindo que é possível "começar a construir as bases" que, no futuro, levem a uma "recuperação gradual dos vencimentos" dos funcionários.
Bruno Dias também pediu que Medina esclarecesse uma "mentira recente do sr. [David] Neeleman", que disse ter levado a TAP de uma situação de capitais negativos de 512 milhões de euros até mil milhões positivos. O comunista quis saber se isto seria verdade ou se, pelo contrário, a TAP fechou 2019 - o último ano em que foi privada - com quase 700 milhões de euros de capitais próprios negativos. Medina confirmou a versão de Bruno Dias.
"Até ao plano de reestruturação, a TAP mostrou dificuldade em assegurar uma sustentabilidade futura como uma empresa capaz de sobreviver sem injeção de recursos públicos", afirmou Fernando Medina. Com a pandemia, a situação piorou ainda mais, lembrou.