Mais de metade dos maquinistas portugueses já esteve envolvida em acidentes com vítimas mortais e alguns confessam ter ficado traumatizados na sequência dos sinistros. O medo de atropelar alguém aflige os profissionais, que se sentem sobrecarregados por horas extraordinárias e sem tempo para a família. O retrato é traçado em três estudos e, para o Sindicato dos Maquinistas, os resultados são "altamente preocupantes".
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Os estudos sobre a qualidade de vida e fatores de desgaste psicológico associados à profissão incluem inquéritos a maquinistas de sete empresas e as conclusões serão tornadas públicas esta quinta-feira à tarde pelo Sindicato dos Maquinistas. Foram elaborados pelo Observatório para as Condições de Vida e do Trabalho da Universidade Nova de Lisboa, pelo Instituto Superior Técnico e pela Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto. A avaliação mostra que 65% dos profissionais já estiveram envolvidos em acidentes com vítimas mortais, sendo os suicídios nas linhas de comboio ou os atropelamentos por atravessamento indevido consideradas as situações mais marcantes.
O medo de atropelamentos domina entre os profissionais e "existem relatos nas diferentes empresas de trabalhadores que ficaram bastante afetados, ao nível psicológico, por terem vivido ou presenciado este tipo de situações".
Para o presidente do Sindicato dos Maquinistas, estes são dados "altamente preocupantes".
"Vivenciar a morte e uma certa interiorização da culpa causa, de facto, um trauma imenso que os maquinistas carregam para toda a vida. Para agravar a situação, temos colegas com mais do que uma colhida. É uma carga psicológica violenta. E não é só a situação em si, é o medo da situação ocorrer", conta, ao JN, António Domingues.
O dirigente sindical defende que os sinistros com vítimas sejam reconhecidos como acidente de trabalho. Pede, ainda, que haja um acompanhamento psicológico do maquinista ao longo de toda a sua carreira e não apenas no momento de ocorrência do atropelamento.
"Muitas vezes, a situação só vem à tona passado uns anos. Um maquinista que se depara com uma situação dessas, quando volta à atividade, tem de passar pela zona e, muitas vezes, depara-se como coroas de flores e memoriais. Também perturba", confidencia.
Material "obsoleto" e "desconfortável"
Além dos sinistros, há mais sinais de alerta no que toca à qualidade de vida e trabalho dos maquinistas. Cerca de 59% afirmam estar esgotados algumas vezes por mês ou por semana. Mais de metade não gozou mais de 12 dias seguidos de férias completos e a maioria teve de ir trabalhar nas folgas.
Quase todos trabalham por turnos e 75% afirmam não ter tempo livre para a família. E para si próprios. Entre os principais fatores de desgaste, os maquinistas apontam as escalas de trabalho e o material circulante "obsoleto", "inadequado" e "desconfortável".
Os investigadores que analisaram os fatores de desgaste psicológico concluem, ainda, que há "mais desgaste no metro do que no [comboio de] longo curso e regionais".
"Trabalhamos em muitos dias de descanso e isso leva a que, por vezes, os trabalhadores descansem apenas dois ou três dias por mês", denunciou António Domingues, admitindo que há falta de maquinistas nas empresas.
Perante esta avaliação crítica, António Domingues pede uma atuação em duas frentes: a nível empresarial e político.
Nas empresas, a par da inclusão dos atropelamentos como acidentes de trabalho, defende o "acompanhamento do maquinista ao longo do tempo em situações de colhidas" e a renovação do material motor. Até porque, na CP, há material "dos anos 50 ou 60". A nível político, defende, por via legislativa, a criação de benefícios para a classe no acesso à reforma, quer seja pela antecipação da idade para requerer a pensão de velhice, quer seja através de uma bonificação.
"Os profissionais chegam perto da idade da reforma e estão exaustos", alertou o sindicalista.