Inspeção da Saúde arrasa atuação de técnica e de médico regulador do CODU. INEM já abriu processo disciplinar.
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Quase trinta minutos de atraso no acionamento de uma viatura médica de emergência e reanimação (VMER) foram fatais para Sérgio Abreu, de 53 anos, vítima de enfarte agudo de miocárdio que entrou em paragem cardiorrespiratória, no passado dia 4 de novembro, em Pombal. O relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) a uma das 12 mortes ocorridas durante as greves no INEM arrasa a atuação do médico regulador do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) de Coimbra e da técnica de emergência pré-hospitalar (TEPH) que intervieram no processo, acusando-os de terem agido com “falta de zelo, de cuidado e de diligência”, e de não cumprirem com as boas práticas da emergência médica.
Por haver “indícios suficientes” de conduta infratória, a IGAS propôs ao INEM que decidisse sobre a abertura de um processo disciplinar à técnica e sobre a manutenção ou não da prestação de serviços com o médico, e enviou o relatório para o Ministério Público. O instituto acatou a decisão, mas a polémica está a subir de tom. Os partidos querem esclarecimentos da ministra da Saúde, que já veio dizer que se manterá no cargo. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, garantiu que haverá oportunidade para o escrutínio político do caso no Parlamento.
A fita do tempo vertida no relatório da IGAS, a que o JN teve acesso, revela uma ocorrência em que tudo correu mal, com atrasos no atendimento das chamadas pela linha 112 e um imbróglio de indecisões no CODU que atrasaram o socorro.
Médico “alheado”
Os inspetores concluíram que “o desfecho fatal poderia ter sido evitado caso tivesse havido um socorro, num tempo mínimo e razoável, que tornasse possível a evacuação da vítima para uma via verde coronária de um dos hospitais mais próximos” – de Leiria ou de Coimbra – “onde poderia ser submetido a angioplastia coronária” numa unidade hemodinâmica.
Porém, este procedimento cardíaco tem de ser feito em menos de 120 minutos. O que não foi possível porque desde a primeira chamada para o 112 até à chegada da VMER junto de Sérgio Abreu passaram 110 minutos, tendo sobrado escassos minutos para atuar.
Os inspetores focam-se nos últimos 30 minutos antes da chegada da VMER ao local. Segundo o relatório, às 13.55 horas, a técnica do INEM, pelas chamadas que recebeu e foi efetuando, já tinha informação sobre a gravidade do caso e a localização exata da vítima. Porém, até à decisão de acionamento da VMER de Leiria distaram 29 minutos e 46 segundos, “tempo demasiadamente excessivo e que comprometia a possibilidade de reversão do quadro”.
Já o médico, clínico geral, teve conhecimento da gravidade do caso à mesma hora, mas agiu com “total desprendimento e quiçá alheamento dos deveres funcionais de um médico regulador”. Mostrou até “um certo desconhecimento do que é a dinâmica da Emergência Médica”, refere a IGAS.
O INEM também não sai bem no retrato. “Descurou o socorro à vítima” ao não ter atendido as várias chamadas efetuadas para o 112 e encaminhadas para o CODU. Levando os familiares a agir, para a vítima ser socorrida mais rapidamente pelos bombeiros. “Houve pois omissão do dever de auxílio”, realça a IGAS.
Fita do tempo
13.12 horas
A mulher de Sérgio Abreu liga para a linha 112 a pedir socorro para o marido, que sentiu uma dor no peito e mal-estar súbito em casa, em Pombal. A chamada demorou dez minutos e 44 segundos a ser atendida. O operador pediu que aguardasse a chegada do socorro.
13.28 horas
Nova chamada para o 112, sem sucesso. O pai de Sérgio Abreu fez mais duas chamadas. Numa delas, a vítima chegou a falar com o operador e a implorar que “viessem o mais depressa possível” porque estava “muito aflito”. Face à demora dos meios de socorro, a mulher pegou no carro para levar o marido ao hospital mais próximo. Menos de um quilómetro depois, Sérgio teve uma alteração do estado de consciência provocada por um enfarte, num contexto de aterosclerose coronária grave, “caindo para o lado”.
14.04 horas
Pessoas que vieram em auxílio do casal chamaram os Bombeiros de Pombal, que acionaram a ambulância de Albergaria dos Doze. Chegou cerca de seis minutos depois e foram iniciadas manobras de suporte básico de vida durante cerca de uma hora. A equipa da ambulância SIV de Pombal foi acionada às 14.33 horas.
14.25 horas
A VMER de Leiria foi acionada e chegou ao local às 15.02 horas.
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Ministra não sai
A ministra da Saúde disse ontem que vai continuar no cargo. “Nunca fugirei às minhas responsabilidades de natureza política, mas o que aqui está em causa é que não houve nenhuma relação entre a infeliz ocorrência e a greve do INEM”, afirmou Ana Paula Martins.
Pedida CPI ao INEM
A Iniciativa Liberal desafiou os partidos a viabilizarem uma comissão parlamentar de inquérito à gestão do INEM, se querem “resolver os problemas” do instituto.