Poder local é motor do investimento público, apesar de ter menos receitas. Pandemia terá prejudicado contas.
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Das mais de três centenas de câmaras municipais do país, 22 estavam no vermelho, em 2019. Seis anos antes, o número ascendia a 81. A redução de 73% demonstra o esforço de redução de dívida feito pelo poder local, na última década, e ajuda a explicar por que razão, durante anos, muitos autarcas tiveram como prioridade pagar ao banco.
As 22 câmaras no vermelho têm uma dívida superior em 1,5 vezes à receita média dos três anos anteriores, o indicador de alerta para um desequilíbrio financeiro. Mas com problemas graves havia, em 2019, apenas três: Fornos de Algodres, Cartaxo e Vila Real de Santo António. É uma grande diferença face aos anos da troika, quando a dívida de duas dezenas de câmaras era grande o suficiente para obrigar a um resgaste.
"Em 2019, considerando o universo dos 308 municípios, o valor da dívida total ficou distante 65,5 pontos percentuais do limite máximo da dívida total", indica o Anuário Financeiro dos Municípios, do Instituto Politécnico do Cávado e Ave. O progresso é "assinalável", nota Francisco José Veiga, da Universidade do Minho.
Hoje, e apesar de haver municípios em desequilíbrio, no conjunto do poder local as receitas são superiores às despesas, resultando num saldo efetivo positivo - ou seja, em bom português, num lucro.
Dimensão europeia
A evolução das contas tem permitido aos autarcas investir mais do que a administração central. Em Portugal, em 2019, as câmaras municipais eram responsáveis por pouco mais de metade (52%) do investimento público, bem acima da média europeia de 36,1% - apesar de receberem só 14,2% das receitas públicas, o que compara com os 24,3% da média europeia.
São indicadores como estes que demonstram o tamanho da fatia dos recursos públicos entregue à administração central e reforçam as reivindicações dos autarcas para uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos.
Quanto à dimensão dos municípios, o Anuário nota também que Portugal está em sexto lugar, entre os países europeus. Em média, cada município português tem 33 524 mil habitantes. O Reino Unido e a Irlanda são claramente a exceção (mais de 150 mil), mas em Espanha, por exemplo, o número está muito abaixo: do outro lado da fronteira, cada município tem uma média de 5720 habitantes.
Cinco empresas municipais com números críticos
Durante anos, autarcas criaram empresas municipais para desorçamentar despesa, ou seja, para gastar dinheiro sem que tivesse reflexo negativo nas contas da autarquia. Em 2013, ano em que já estavam em vigor os limiares de sustentabilidade para o setor empresarial local, o Anuário Financeiro dos Municípios dava conta de 17 empresas. Hoje, são cinco as que não cumprem os rácios financeiros mínimos: as sociedade de reabilitação urbana de Lisboa e Vila Real de Santo António, as empresas de turismo NaturTejo (Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Nisa e Vila Velha de Ródão), a Cura Aquae (termas de Melgaço) e a Terras da Beira Baixa (sociedade de desenvolvimento agroindustrial de Castelo Branco).
77
As receitas próprias em 77 municípios são metade ou mais do total das receitas, uma medida da sua independência financeira
Câmaras cobram mais impostos do que recebem do Orçamento
A maior fatia das receitas municipais vem dos impostos e taxas cobrados (40%). De transferências correntes recebem 30% das receitas.
12,4 euros
Em Arronches, Portalegre, se todos os habitantes entrassem com 12,4 euros, a Câmara ficaria sem passivo. É o menor do país.