Por ano, oito milhões de toneladas de plástico vão parar ao fundo dos oceanos. Mas, na verdade, a origem deste problema está nos grandes centros urbanos, onde se concentra a maior fatia da população mundial. Por isso, é nas cidades que as campanhas de sensibilização fazem cada vez mais sentido. Por uma vida mais amiga do ambiente, é preciso mudar comportamentos.
Corpo do artigo
O alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) dá que pensar: em 2050, dois terços da população mundial viverão nas cidades. E nessa altura os oceanos terão "mais plástico do que peixes". É preciso, por isso, mudar comportamentos. A tarefa parece difícil. Mas é de todos. Das famílias, das empresas, dos supermercados e das autarquias. Essa é a visão da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da associação ambientalista Quercus, que têm vindo a apostar em campanhas de sensibilização.
Segundo os dados do Eurobarómetro relativos a novembro de 2017, a maioria dos europeus (87%) demonstra estar consciente para o impacto causado pelos plásticos descartáveis. E os portugueses encontram-se acima da média. Mais de 90% da população nacional admite essa preocupação.
Recolha seletiva aumentou
Graças ao serviço de recolha seletiva porta à porta, a Lipor, cuja área de intervenção conta com oito municípios do Grande Porto, conseguiu "aumentar em cerca de 14%" os números da recolha seletiva dos resíduos de plástico. Em 2017, eram recolhidas 21 toneladas por dia. Este ano, são 24. O que, segundo a empresa, significa que "mais de 830 toneladas de plástico" que iriam parar ao lixo indiferenciado seguiram, assim, "para a reciclagem". Dados que colocam estes oito municípios "ao nível dos melhores países europeus", assegura a empresa, que salienta a importância da "participação da população" no que toca à separação dos resíduos.
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a ameaça do plástico deve-se ao facto de se tratar de um material "largamente disponível, de baixo custo, persistente e frequentemente tóxico", que pode causar "efeitos adversos no ambiente" e constituir "um problema de saúde pública". Por isso, a APA está "a acompanhar os trabalhos de discussão" de uma "diretiva apresentada pela Comissão Europeia", que visa a redução do impacto deste tipo de produtos. Medidas que passam, por exemplo, pela substituição dos produtos descartáveis por materiais alternativos, "reutilizáveis, biodegradáveis e compostáveis".
Este é um caminho que tem sido feito apostando na sensibilização dos cidadãos e com recurso aos chamados sistemas de incentivos fiscais. Como é o caso, por exemplo, da taxa aplicada, desde 2015, à compra dos sacos de plástico leves. Segundo a APA, essa foi uma medida que "teve o efeito desejado de redução da quantidade" deste tipo de sacos e, desde aí, notou-se uma "preferência dos consumidores" para "soluções ambientais mais sustentáveis", como os sacos reutilizáveis.
Onde vive muita gente, há um maior consumo dos recursos e materiais. E, quando o assunto é a quantidade de resíduos descartáveis que todos os dias vai parar ao fundo dos oceanos, a realidade é assustadora: oito milhões de toneladas de plástico. Se nada for feito, em 2050 o cenário será caótico, como lembrou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na cimeira do G7, que decorreu em junho, no Canadá.
Em Portugal, de Norte a Sul, são vários os projetos que incentivam à substituição dos artigos de plástico por outro tipo de materiais. Contudo, a Quercus deixa uma alerta: não é expectável que as famílias se desfaçam de todos os materiais de plástico que têm em casa. Isso, garante a associação, "seria aumentar a produção de lixo" e "não é esse o objetivo". A Quercus explica: "O que se deve combater são os produtos descartáveis. E isso faz-se, por exemplo, substituindo uma escova de dentes, quando chegar a altura de trocar por uma nova, por outra, num material mais sustentável".
Incentivos fiscais
Até ao final deste ano, cabe a um grupo de trabalho criado pela APA "avaliar a aplicação dos incentivos fiscais associados à redução do consumo de sacos plásticos e a sua aplicabilidade a outros produtos". E a agência lembra que "são vários os exemplos de países que implementaram sistemas de depósito" para estes materiais, nomeadamente para "as garrafas de plástico". Uma tarefa importante tendo em conta que "a utilização dos produtos descartáveis é tendencialmente crescente", por questões práticas e de "conveniência". Algo que nas grandes cidades é ainda "potenciado pela crescente pressão turística", recorda a APA.
Cidades tomam iniciativa
Em Guimarães, a redução do consumo do plástico já é uma realidade. "Care" é o nome do projeto que arrancou, há cerca de dois meses, com o objetivo de acabar com os copos de plástico no chão do Centro Histórico. Para isso, a Autarquia implementou um conjunto de quatro copos que podem ser reutilizados até 100 vezes e que passaram a marcar presença em muitos dos bares vimaranenses, reduzindo assim a poluição nas ruas da cidade.
Já a Câmara de Cascais decidiu abolir as garrafas de plástico. Desde julho, os funcionários dos gabinetes utilizam garrafas de vidro. E aqueles que vão para o exterior levam a água num cantil. Uma decisão que permitiu ao Município retirar de circulação meio milhão de garrafas.
"É melhor lavar os copos no fim da festa"
Em casa de Cármen Lima, engenheira do ambiente, de 42 anos, e Vasco Sousa, psicólogo, de 44, a "guerra" aos descartáveis é assumida e não tem tréguas. Que o digam as três filhas, Filipa, de 12 anos, Joana, de 9, e Rita, de 6. "Foi a mãe que nos ensinou que devemos proteger o ambiente e evitar os plásticos", contam as três menores, orgulhosas pelas suas "descobertas" diárias no sentido de evitar´ o recurso a materiais poluentes.
Desde muito cedo que as três ouviram os pais dizer que organizar festas de aniversário com materiais descartáveis como copos e pratos em plástico e muitos balões não era uma boa opção. "É melhor lavar os copos no fim da festa do que usar os de plástico", diz, meio envergonhada, mas muito segura, Rita, a mais nova.
Rita ouviu os conselhos dos pais e, desde cedo, bebeu o exemplo das irmãs. Joana conta que um professor abordou o tema dos plásticos, a propósito das palhinhas do leite escolar. "Só em dois dias conseguimos recolher 20. E é fácil. É cortar o pacote e beber por um copo", explica a jovem, a frequentar o quarto ano de escolaridade.
Mais experiente, Filipa conta como teve de explicar a uma professora que as palhinhas eram depositadas no lixo indiferenciado e não no contentor amarelo. "Era ela que estava enganada", diz, orgulhosa.
Este é o retrato de uma família educada para o ambiente desde o berço. "Tentamos sempre reciclar materiais e evitar os utilização única", explica Cármen. E não faltam exemplos curiosos. "No caso da Filipa, quando foi para a escola, comprámos uma mochila com a Violeta, uma personagem da Disney que estava na moda. No ano seguinte, passou de moda e ela já não quis usar mais aquela mala. Com as outras já não cometemos o mesmo erro. Percebemos que não devemos optar por materiais que sejam produto da moda", explica.
Escovas de madeira
O pai escuta orgulhoso o discurso das meninas e lembra que ele desde muito jovem se habituou a reciclar. "Juntávamos o cartão e os jornais e íamos entregar às pessoas que o recolhiam ou à Junta de Freguesia", conta.
Na família a preocupação ambiental é também um desafio. Por isso, vão surgindo novas opções para evitar desperdícios. As tradicionais escovas de dentes e de cabelo em plástico foram substituídas por outras com cabo em madeira, os copos são utilizados e lavados diariamente, em vez de usar garrafas, e a fruta vai para a escola em recipientes próprios em vez de sacos