Medicamentos caros, diagnóstico tardio e listas de espera no SNS dificultam acesso aos tratamentos.
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Cerca de 200 mil pessoas sofrem de psoríase em Portugal, mas metade não trata a doença por não conseguir pagar os tratamentos ou consultas, diagnóstico tardio ou incorreto, terapêuticas desadequadas ou desconhecimento da patologia.
Os problemas mais prementes são "a não comparticipação dos medicamentos tópicos, como cremes ou pomadas, que são muito caros, e as listas de espera no Serviço Nacional de Saúde" (SNS), segundo Paulo Ferreira. "Ao final de tanta espera ou fracasso terapêutico, acabam por desistir. Deveria haver um maior investimento do SNS", defende o dermatologista.
As dificuldades sentem-se mais no Interior do país e nas ilhas, onde os doentes esperam um ano para terem uma consulta de dermatologia no SNS. "Há uma grande assimetria entre as grandes cidades e o Interior ou ilhas e dos doentes que têm seguros daqueles que não os têm. Há ainda quem não tenha simplesmente dinheiro para ir a uma consulta privada", refere o também consultor científico na PSOPortugal - Associação Portuguesa da Psoríase. O desconhecimento ou a vergonha associada à doença também leva muitos a não procurarem tratamento médico.
A psoríase é uma doença da pele que se manifesta através de lesões avermelhadas em qualquer parte do corpo e descamação que causam "desconforto e comichão". Apesar de ser reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como uma patologia não contagiosa grave, ainda há muito estigma.
"Não é contagiosa, contagioso é o preconceito que ainda existe", lamenta o dermatologista. Atinge sobretudo a pele, mas pode afetar outros órgãos e tem patologias associadas, como artrite psoriática, risco cardiometabólico, depressão, isolamento social ou propensão suicida.
Discriminação laboral
Cerca de três quartos dos doentes são diagnosticados antes dos 40 anos, "nas décadas de maior exposição social e profissional". Além da discriminação no acesso a algumas profissões, "muitos doentes dizem que são olhados de forma indiscreta nos autocarros, piscinas ou ginásios". "Como a doença pode atingir qualquer parte do corpo, desde genitais, cara ou couro cabeludo, traz muitos impactos, principalmente nos adolescentes quando querem começar a namorar. É das doenças que mais impacto produz na autoestima. Muitos são vítimas de bullying", explica.
Nos últimos 20 anos houve "uma evolução extraordinária das terapêuticas", enaltece Paulo Ferreira. Hoje, já é possível um doente não ter praticamente lesões. "Há 15 anos ficávamos satisfeitos se o doente tivesse 75% das lesões controladas, hoje conseguimos que tenha 95% a 100% da pele tratada. Os tratamentos biotecnológicos podem mesmo reverter e controlar a evolução da doença, mas ainda há falta de sensibilidade do SNS quanto à mais-valia destas terapêuticas".
Para mitigar o estigma associado à doença, a Associação Portuguesa da Psoríase tem promovido campanhas de sensibilização, webinars e fóruns. Lançou ainda uma aplicação para ajudar os doentes a encontrarem um dermatologista na área de residência e uma série de seis episódios para tirar dúvidas colocadas por doentes.
"O número de pessoas alcançadas tem aumentado e esperamos pouco a pouco ajudar nesta desmistificação", explica o presidente da PSOPortugal Jaime Melancia.
Manifesta-se na pele, o nosso cartão de visita, e as pessoas olham
Helena Guia, 30 anos, teve a primeira manifestação de psoríase aos 13 anos no cabelo, mas a doença só lhe foi diagnosticada aos 18, quando teve o primeiro surto, "o corpo repleto de manchas e lesões". "Fiquei feliz porque finalmente sabia o que tinha e podia começar um tratamento. Porém, ainda tive muitos anos a usar produtos não indicados", recorda. Hoje, a doença está estável, mas "ainda há preconceito a combater". "Manifesta-se na pele, o nosso cartão de visita, e as pessoas olham e comentam", lamenta.
Teve a primeira lesão quando a avó, que também tinha psoríase, morreu e acredita que, além da componente hereditária, este, que foi "o maior impacto emocional" da sua vida, poderá ter desencadeado a patologia. Correu hospitais públicos e clínicas e diferentes dermatologistas diagnosticaram-lhe "eczema ou seborreia". Só foi corretamente diagnosticada aos 18 anos, quando teve o primeiro surto mais visível. Otimista, nunca se isolou nem entrou "num ciclo depressivo", mas admite que "não foi fácil aceitar".
Evitava ser vista
"O meu corpo estava uma lástima. A escamação da pele deixava uma espécie de campo de neve por onde passava. Com esta idade, estamos a criar a nossa personalidade e identidade e é difícil", conta. Sempre que tinha surtos, "evitava praias ou lugares com muita gente e não vestia saias, vestidos ou roupa preta por causa da escamação da pele". "Ainda acham que é infeciosa ou falta de higiene. Há também quem desvalorize e diga que são só manchas na pele e que não devia ser considerada doença".
Quando começou a trabalhar como consultora de comunicação, aos 22 anos, tinha surtos constantes e "o tratamento não era o melhor". "O dermatologista prescrevia medicamentos por longos períodos, o que não é recomendável, e deixaram de fazer efeito. Quase desisti", confessa.
O pesadelo terminou há dois anos, quando mudou de médico, começou a administrar injeções e, em dois meses, ficou com a pele praticamente limpa, "apenas com 10% de lesões".
"Sou uma privilegiada por ter um seguro de saúde e porque o biossimilar que tomo é 100% comparticipado. Apesar disso, gasto muito dinheiro na farmácia com outros produtos", reconhece. Helena Guia alerta ainda que, embora nem todos precisem deste tratamento injetável, "não há dinheiro para injeções para todos os doentes", porque "saem caras ao Estado".
200 mil doentes
Estima-se que 200 mil portugueses sofram desta doença que provoca lesões na pele de várias partes do corpo. É uma patologia crónica não contagiosa, que pode surgir em qualquer idade e que afeta 1% a 3% da população mundial.
Informação online
A Associação Portuguesa da Psoríase disponibiliza no site informação útil sobre a doença e sobre a localização de médicos dermatologistas.