Metade dos professores mais novos admite abandonar a profissão nos próximos anos, segundo um estudo divulgado esta quinta-feira, que revela também que a grande maioria escolheu ser docente como primeira opção profissional e 70% repetiriam a escolha.
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Estas são algumas das conclusões do estudo "A Voz dos Professores: Motivações, Desafios e Barreiras ao Desenvolvimento da Carreira", desenvolvido por investigadores da School of Business & Economics da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) e da Escola de Economia, Gestão e Ciência Politica da Universidade do Minho, com base em entrevistas realizadas este ano a mais de quatro mil professores e diretores escolares.
A grande maioria dos inquiridos (81%) optou pela carreira docente como primeira escolha profissional e sete em cada 10 diz que o voltaria a fazer, apontando o gosto pelo ensino, a relação com os alunos e o sentimento de missão como as principais razões para continuar na profissão.
No entanto, um em cada cinco professores admitiu vir a abandonar a carreira nos próximos cinco anos, uma percentagem que dispara para 54% entre os docentes com menos de 30 anos.
Para Luís Catela Nunes, da Nova SBE, a vontade de mudar de profissão "não significa que estejam descontentes". Os investigadores perguntaram se consideravam a possibilidade de abandonar a profissão e muitos disseram ser uma opção, mas ficou por responder o motivo para deixar de dar aulas.
"Pode haver muitas razões. Se calhar entre os mais novos até pode estar relacionado com os salários, mas pode haver muitos outros fatores, como o facto de estarem em início de carreira e quererem explorar outras oportunidades profissionais", sublinhou Luís Catela Nunes.
A ideia é partilhada por Miguel Herdade, da Fundação Semapa - Pedro Queiroz Pereira, lembrando que se entre a população mais velha nunca existiu o hábito de mudar de profissão, os mais novos já olham para "outras possibilidades de carreira".
O estudo promovido pela Fundação Semapa defende a necessidade de criar condições para a retenção e valorização dos professores, até porque faltam professores nas escolas e há muitos que desejam ver chegar o dia da reforma.
Entre os docentes com pelo menos 60 anos, sete em cada 10 planeiam reformar-se assim que possível, mas os restantes 30% admitem continuar nas escolas depois da idade mínima de reforma, dizendo estar motivados, sobretudo, pelo prazer de ensinar (77%).
A falta crónica de professores nas escolas, em especial nas regiões de Lisboa, Alentejo e Algarve levou o ministério da educação a desenhar um programa para atrair novos profissionais mas também para manter os que ainda dão aulas e até prolongar para além da idade da reforma.
Aos investigadores, os inquiridos também apontaram o que dizem ser preciso mudar na profissão, repetindo o que tem sido dito pela voz dos sindicatos: melhores condições de trabalho, menos carga administrativa, modernização das infraestruturas, e mais professores e técnicos que apoiem quem já está na sala de aula, até porque há cada vez mais alunos estrangeiros e com necessidades educativas especais.
Os professores defendem que é urgente apostar na saúde mental e no bem-estar, assim como no desenvolvimento de estratégias de sala de aula para lidar com a indisciplina.
Ensino privado
Numa comparação entre ensino privado e público, os investigadores perceberam que um em cada quatro professores do privado (24%) admitiu passar a dar aulas numa escola pública em breve. A estes juntam-se outros 18% que, quando questionados sobre uma possível transferência para o ensino público, disseram estar indecisos.
Numa comparação entre mais novos e mais velhos, cerca de 60% dos professores consideram que os colegas em início de carreira chegam às escolas com pior formação pedagógica e científica e poucos sabem que existem programas formais de acolhimento.
Já a formação contínua é praticamente universal, com 99% dos docentes a participarem em ações de formação, sobretudo nas áreas de tecnologias educativas, atualização disciplinar e metodologias pedagógicas.
Uso de "smartphones" mais limitado nos colégios
Neste ano letivo, entrou em vigor a proibição de telemóveis inteligentes nos 1.º e 2.º ciclos. Entre março e junho deste ano, quando os "smartphones" ainda não eram proibidos entre os alunos mais novos, professores e diretores de escolas de todo o país responderam a um inquérito que revelou que 89% escolas privadas do 1.º ciclo assim como em 59% das escolas públicas já não permitiam o seu uso.
As conclusões, incluídas agora no estudo "A Voz dos Professores: Motivações, Desafios e Barreiras ao Desenvolvimento da Carreira", mostram que 35% das escolas públicas e 43% das privadas tinham regras restritivas.
Se as novas tecnologias podem ser vistas com receio tendo em conta o uso abusivo por parte das crianças, também vieram alargar as oportunidades educativas e de gestão escolar.
No ano passado, por exemplo, a maioria dos professores já recorreu a técnicas usadas em jogos para tornar as matérias mais atrativas e usou Inteligência Artificial (IA) para preparar as aulas.
O investigador João Carlos Cerejeira Silva, da Universidade do Minho, um dos coautores do estudo, salienta que estas duas práticas são mais habituais nas escolas privadas e entre os docentes mais novos, segundo as respostas de 3767 professores de 731 escolas do ensino básico e secundário.
No entanto, os professores queixam-se que continua a faltar apoio técnico para os ajudar com as novas tecnologias, assim como faltam equipamentos para docentes e alunos. Alguns denunciaram não ter ainda acesso a uma rede de internet de qualidade, assim como os seus alunos e famílias não têm formação adequada para usar os recursos digitais disponibilizados.