Fenómeno raro deu a volta ao mundo, mas já passou. É preciso recuar a 1883 para encontrar um semelhante.
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A erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Haʻapai, submerso no oceano Pacífico junto às ilhas Tonga, provocou uma onda de choque atmosférica que viajou mais de 17 mil quilómetros até Portugal e deu a volta ao mundo. Menos de um dia após a explosão, no passado dia 15, um tsunami provocou agitação marítima ao largo de Portugal durante várias horas, com ondas que chegaram aos 40 centímetros. Só em 1883 tinha havido algo semelhante.
"As ondas do tsunami de origem atmosférica deram a volta ao mundo inteiro", diz Rachid Omira, investigador do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), explicando que se tratou de um "fenómeno muito raro". Para se encontrar um "fenómeno parecido, a uma escala global", é preciso recuar a "1883, aquando da erupção do vulcão Krakatoa, na Indonésia", diz.
O que o mundo inteiro sentiu, com maior ou menor intensidade, não foi um tsunami comum, como os que são gerados por uma fonte pontual como um sismo, colapso vulcânico ou deslizamento submarino. "Numa onda tsunami de origem sísmica, a energia propaga-se na bacia oceânica onde foi formada, dificilmente tem capacidade de se propagar a outras", explica Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas, no caso de Tonga, "aconteceu uma erupção muito energética" que provocou um "abanão" na atmosfera, ou seja, uma "onda de choque atmosférica", que, por ser "contínua e gradual", teve capacidade de se propagar "por toda a atmosfera terrestre".
Essa onda de choque exerceu, por sua vez, uma "perturbação de pressão sobre o oceano", provocando um tsunami de origem meteorológica, a que se chama "meteotsunami".
Mais forte nos Açores e Peniche
Ao redor de Tonga, as ondas atingiram vários metros, provocaram mortos e deixaram um rasto de destruição. A violência da explosão foi captada por satélites, como revelam imagens divulgadas pelo Instituto Cooperativo de Pesquisa na Atmosfera e pela Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.
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Em Portugal, de acordo com o IPMA, registaram-se "variações do nível do mar em praticamente todas as estações maregráficas em operação na costa portuguesa". O sinal de maior amplitude foi em Ponta Delgada (Açores), onde houve ondas de 40 centímetros. Em Peniche registaram-se 39 centímetros e no Funchal (Madeira) 20. Noutros pontos da costa continental portuguesa, nomeadamente em Cascais, os valores ficaram abaixo dos 20 centímetros.
Não há relatos de danos. Em Cascais, por exemplo, aponta Carlos Antunes, a maior perturbação foi "na baixa-mar, sem grande impacto". Mas se o evento tivesse acontecido "durante uma maré viva - na qual as ondas podem chegar aos quatro metros", aquele impacto teria contribuído para "inundações".
No marégrafo de Cascais, o efeito foi registado 20 horas após a erupção. Viajou "17 534 quilómetros", medidos em linha reta, destaca José Campos, da Direção Geral do Território, técnico responsável pelo marégrafo. Ali a ocorrência foi registada durante "cerca de 19 horas".
João Dinis, técnico na área da Inovação Ambiental e Alterações Climáticas da Cascais Ambiente, realça que o equipamento analógico do marégrafo (datado de 1882) ainda funciona e é dos mais antigos do mundo. Tem, por isso, "das mais longas séries de registos do comportamento das marés e nível do mar", dados que "são usados por cientistas de todo o mundo".
Cinco mortos
Pelo menos três pessoas morreram em Tonga e outras duas no Peru, na sequência da erupção, relata a imprensa internacional. Foram emitidos alertas de tsunamis em diversos países, como os Estados Unidos, Chile e Japão.
Outros "meteotsunamis"
Portugal já foi atingido por outros "meteotsunamis" nos últimos anos, mas foram acontecimentos "pequenos e locais", sem ligação a vulcões, diz Rachid Omira. Um dos mais conhecidos foi em 2010, na sequência de "perturbações atmosféricas no norte de África", conta Carlos Antunes.
Detetar offshore
Portugal tem uma rede de marégrafos na costa, mas "não Offshore" (oceano profundo), alerta Omira, explicando que seria possível detetar as ondas antes de chegarem a terra e lançar um alerta. Está a ser estudada a possibilidade de instalar um sistema que detete sismos e tsunamis aquando da mudança dos cabos submarinos de comunicação entre o continente e ilhas.
Marégrafo do século XIX
O marégrafo de Cascais, o mais antigo de Portugal e dos primeiros a serem instalados em todo o mundo, data de 1882 e o seu equipamento analógico ainda funciona. Atualmente também dispõe de modernos sistemas digitais acústicos e de radar.