O presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, arguido numa investigação judicial relacionada com suspeitas de corrupção, recusa a possibilidade de abandonar o cargo, mesmo que venha a ser acusado no âmbito do processo.
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“Vou continuar no cargo, não tenho nenhum problema […], porque, em consciência, sei aquilo que sou e sei aquilo que fiz”, declarou o também líder social-democrata madeirense numa entrevista à agência Lusa, no Funchal.
Chefe do executivo insular desde 2015, Miguel Albuquerque salientou que no processo judicial a acusação “pode estar sujeita a instrução e depois é que há uma acusação definitiva”, considerando que algumas são “perfeitamente descabidas” e que “só por equívoco” poderá ser acusado de corrupção ativa ou passiva nesta investigação.
Miguel Albuquerque, que é licenciado em Direito e chegou a exercer advocacia durante alguns anos, acrescentou que “não há processos iguais” e que “a razão opõe-se à razão até surgir a evidência e a evidência só surge numa sentença transitada em julgado”.
“Essa ideia de que a acusação tem o monopólio da verdade é contrária ao Estado de direito”, pois “só num processo inquisitório é que o acusador já sabe que faz a acusação e a condenação”, acrescentou.
O governante insular referiu ainda que “os factos num processo criminal estão sujeitos a um conjunto de formalidades que, normalmente, não são entendíveis pelos leigos, mas que são a base do Estado de Direito democrático”.
O presidente do Governo Regional assegurou que não foi ouvido pelas autoridades judiciais, nem faz ideia “em que ponto está o processo”.
Depois de o PSD ter vencido as eleições antecipadas de 23 de março, conquistando 23 dos 47 lugares do hemiciclo madeirense, e ter assegurado a maioria absoluta com um acordo com o CDS-PP, Miguel Albuquerque perspetiva agora que a atual legislatura irá durar quatro anos.
“Agora temos um acordo, como aliás está estabelecido, um acordo de governo com o CDS, o líder do CDS faz parte do governo [regional]. Para além desse, temos um acordo no quadro parlamentar, temos uma maioria e, neste momento, temos todas as condições para governar”, salientou.
De qualquer forma, mesmo “não havendo desenvolvimento no processo”, na política “há sempre contingências”, admitiu.
O presidente do governo madeirense foi constituído arguido no final de janeiro de 2024, numa operação desencadeada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária na Madeira, nos Açores e em várias zonas do continente. Miguel Albuquerque é suspeito de corrupção, prevaricação, abuso de poder e atentado contra o Estado de Direito, entre outros crimes.
O processo envolve também o então presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e o empresário do setor da construção civil Avelino Farinha e Agrela (responsável do grupo AFA), que chegaram a estar preventivamente detidos durante 22 dias e foram depois restituídos à liberdade com Termo de Identidade e Residência como medida de coação.
Na altura, a deputada do PAN, com quem o PSD tinha celebrado um acordo de incidência parlamentar para assegurar a maioria absoluta que perdeu nas eleições de 24 de setembro de 2023, retirou a confiança política a Miguel Albuquerque, o que levou o governante madeirense a pedir a demissão, provocando eleições antecipadas que se realizaram em 26 de maio de 2024.
Nesse sufrágio, o PSD/Madeira elegeu 19 deputados e apenas contou com o apoio dos dois eleitos do CDS-PP, tendo governado em minoria até 17 de dezembro desse ano, quando o executivo regional foi derrubado na sequência da aprovação de uma moção de censura apresentada pelo Chega, o que voltou a desencadear um processo eleitoral.
Em 23 de março deste ano, o PSD venceu as eleições regionais antecipadas ao eleger 23 deputados, ficando a um da maioria absoluta, a qual garantiu com um acordo de governo e parlamentar com o eleito do CDS-PP.
A Assembleia Legislativa da Madeira é ainda constituída por 11 deputados do JPP, oito do PS
Portugueses querem um Governo com estabilidade
Miguel Albuquerque, onsidera, a propósito das legislativas de domingo, que os portugueses querem um executivo estável para acabar com a “histeria justicialista” e os “populismos que andam aí à solta”.
“As minhas expectativas são que esta maioria [referência à coligação PSD/CDS-PP] ganhe as eleições, forme um Governo com estabilidade, que é isso que os portugueses querem. Os portugueses, neste momento, querem é um Governo que governe e que se acabe esta histeria justicialista e estes populismos que andam aí à solta da extrema-esquerda e da extrema-direita”, disse, numa entrevista à agência Lusa, no Funchal.
Para o governante insular, também líder do PSD/Madeira, é preciso assumir que “é fundamental o país ter um Governo para governar ao longo de uma legislatura”.
Miguel Albuquerque sublinhou que, antes da queda do executivo do social-democrata Luís Montenegro, Portugal tinha já passado pela queda do Governo de António Costa (PS), no final de 2023, o que também provocou eleições.
“Só com estabilidade política e uma maioria a governar é que é possível ter previsibilidade”, insistiu, defendendo a afirmação de “uma linha de rumo" para Portugal, até porque “ninguém faz um investimento relevante no país se não souber aquilo que se vai passar nos próximos tempos”, ou seja, perante uma imprevisibilidade política.
“Estamos em Governo de gestão e isso não é bom para o país, e parece que estamos um pouco desligados da realidade europeia. Estamos aqui a olhar para o nosso cantinho, quando há talvez a maior mudança geopolítica desde o pós-guerra”, salientou.
Miguel Albuquerque argumentou que a Europa se confronta agora “com grandes desafios que vão alterar completamente as políticas, designadamente no quadro da segurança, da defesa, do atraso tecnológico”.
Na sua opinião, “Portugal, sendo um país atlântico, mas sendo um país europeu, tem de se posicionar nesta nova conjuntura e tem de ter uma linha de rumo”, sendo necessário ter em atenção que “o que se passa no exterior, na política externa ou na conjuntura europeia e na conjuntura mundial, afeta direta e indiretamente uma pequena economia” como a portuguesa.
Questionado sobre o facto de muitas vezes adotar uma postura crítica e de confronto no relacionamento com os órgãos da República, o chefe do executivo do arquipélago respondeu que, “como português, tem de ser crítico” e ter “um olhar realista sobre a conjuntura política”.
“E, depois de olharmos, temos de dizer aquilo que é a verdade. Se estão a correr mal dizemos, se estão a correr bem também dizemos. Portanto, essa ideia de que vamos transformar a política num processo de condicionar aquilo que dizemos com medo de pisar ovos ou de ofender este ou aquele não faz sentido”, concluiu.
Recusa falar da sucessão na liderança para "evitar sarilhos"
Miguel Albuquerque recusa falar da sucessão na estrutura regional do PSD para “evitar sarilhos” e critica o regime de incompatibilidades que visa “funcionalizar” os políticos, considerando ser necessário “recrutar quadros de qualidade”.
“Eu nunca digo ‘eu vou sair’ para evitar sarilhos. Mas, é evidente que já estive 19 anos na câmara [do Funchal], já estou aqui [presidência do Governo da Madeira] há bastante tempo. Mas, é evidente que às vezes é mais fácil entrar do que sair”, disse o governante madeirense, que é também líder do PSD/Madeira numa entrevista à agência Lusa, no Funchal.
Segundo Miguel Albuquerque, um responsável quando deixa um cargo quer que “tudo continue a correr bem”, daí a “grande dificuldade” em sair, até porque “normalmente não corre” bem.
“Portanto, o que nós temos de fazer é recrutar quadros para a área política”, sustentou, reforçando que atualmente existe “um problema muito difícil que é o recrutamento de quadros de qualidade para o exercício de funções públicas”.
“Isso é um problema das democracias”, reforçou, reconhecendo que “hoje em dia, muito poucas pessoas qualificadas estão dispostas” a ir para a política, “porque estão muito expostas, estão muito condicionadas, ganham mal”.
Ou seja, “as mais competentes e mais qualificadas vão para a sua vida, vão para os seus negócios, têm a preservação da sua imagem, da imagem da família”, acrescentou, contrapondo com o que acontecia na sua geração, que estava motivada para a política.
Nessa altura, lembrou Miguel Albuquerque, de 64 anos, surgiu “um conjunto de quadros muito importantes” que foram para a política, enquanto “hoje em dia é muito difícil e isso é mau porque o exercício do serviço à ‘res publica’ deve ter os melhores” e deveria levar a que se reflita “um pouco sobre o que se está a passar”.
Criticando o que classificou de “história das incompatibilidades”, o presidente do Governo da Madeira considerou que o facto de "não haver portas giratórias vai funcionalizar os políticos, vai transformar os políticos em funcionários”.
Na Assembleia Constituinte e nos primeiros parlamentos nacional e regional, os hemiciclos eram constituídos “por pessoas que tinham a sua vida, eram administradores, empresários, advogados” e “conheciam o que era a realidade da sociedade civil”, lembrou.
“Essa ideia de ter o político numa redoma, isolado, sem experiência da vida prática e da vida que todos os dias os cidadãos normais têm é mau porque, por um lado, os políticos não têm independência, ficam dependentes do chefe político, e, por outro lado, depois não têm nem a visão humanista, nem o ‘background’ para atuar sobre a realidade”, argumentou, insistindo ser má ideia “fechar as portas, funcionalizar os políticos”.
Miguel Albuquerque salientou ainda que, neste momento, é o “único político no ativo na Madeira da sua geração”, existindo uma diferença de quase 10 anos em comparação com atual geração a nível nacional.
Relativamente à sua sucessão no PSD/Madeira, o líder da estrutura regional assegurou tratar-se de “um partido maduro” que saberá encontrar uma solução, tal como aconteceu há 10 anos, quando substituiu o histórico líder madeirense Alberto João Jardim, que esteve à frente do executivo e do partido durante quase quatro décadas.
Nessa altura, realizaram-se eleições internas no PSD/Madeira, concorreram seis candidatos e “tudo correu bem”, recordou. “Portanto, o partido tem sempre essa capacidade de renovação e de se renovar, não vale a pena estarmos aqui a fazer previsões. Quatro anos é muito tempo, aqui no caso é quatro e meio, e vamos ter tempo até lá para encontrarmos soluções”, anteviu.