Miguel Pinto Luz: "Venha quem vier, privados, espanhóis, a CP será o principal operador dos comboios de alta velocidade"
Miguel Pinto Luz nasceu em Lisboa há 47 anos, foi vereador e vice-presidente da Câmara de Cascais e secretário de Estado das Infraestruturas no curto Governo de Passos Coelho, em 2015, que antecedeu a geringonça. Voltou ao Governo, em 2024, com Luís Montenegro, para assumir o Ministério das Infraestruturas e Habitação.
Corpo do artigo
Das conversas que tem mantido com a ANA Aeroportos, já tem uma ideia do custo que terá para o Estado a construção do novo aeroporto de Lisboa?
O Governo, mal chegou, tomou uma decisão sobre o aeroporto e ditou as regras de forma clara. Não estávamos disponíveis para nenhuma solução que tivesse impacto nos contribuintes, nomeadamente no Orçamento de Estado. A ANA teve seis meses para se preparar e apresentou um relatório em que aponta para um custo do aeroporto de cerca de 8,5 mil milhões de euros. Ao lançar o desafio à ANA para apresentar uma candidatura dentro de 36 meses, que é o passo subsequente, o Governo não está a validar o conteúdo do relatório. Desde logo no valor, os 8,5 mil milhões, que é possível reduzir. Depois, na prorrogação do prazo da concessão [dos aeroportos] por mais 30 anos. Não há informação suficiente no relatório que justifique esses 30 anos. E, finalmente, no prazo de construção. Portugal precisa de um aeroporto rapidamente e é possível fazê-lo de uma forma mais eficaz e eficiente. O Governo sinalizou a sua posição e decorre um período de seis meses de discussão pública, em que toda a gente pode ler o relatório, num escrutínio saudável.
De uma forma ou de outra haverá uma participação do Estado nos custos. Por exemplo, através da extensão do contrato de concessão à ANA. Até onde é que o Estado pode ir no pagamento dessa fatura?
A extensão de uma concessão não é uma fatura direta para o Estado. Pode dizer-se que tempo é dinheiro, mas não há uma fatura direta para o Orçamento do Estado. E foi esse o nosso compromisso. Temos dezenas de concessões no país que são prorrogadas. Se obrigamos o concessionário a fazer um investimento, ele pede mais anos. No caso do novo aeroporto, o investimento não justifica mais 30 anos. Aliás, o investimento foi sobrevalorizado, é possível fazer mais barato. Mas há mais uma dimensão que quero sinalizar: o Estado português não abdica de qualquer estudo da avaliação de impacto ambiental, os valores naturais terão de ser absolutamente garantidos.
A construção do aeroporto implica a construção de uma nova ponte, toda a estrutura rodoviária, e uma nova ligação ferroviária. Uma fatura para o Estado e, portanto, para o contribuinte?
Também não. A nova ponte, a famigerada TTT [terceira travessia do Tejo], será lançada através de um concurso similar ao da ponte Vasco Gama, que foi construída a troco da operação na ponte 25 de Abril. No que diz respeito à ferrovia, à ligação de alta velocidade, é conhecida a posição do Governo português, aliás a mesma que o Governo anterior: o objetivo é lançar uma PPP [parceria público-privada) e, também neste caso, não imputável diretamente ao Estado. Finalmente, as autoestradas que alimentam Alcochete, a A13 e a A33, são concessões da Brisa. Mas não fujo à questão, uma vez que estão a tentar perceber onde é que o Estado tem que pagar qualquer coisa. Desde logo, o Estado obrigou-se a entregar um terreno sem ónus. Como sabemos, o campo de tiro de Alcochete é um equipamento militar, tem de haver preparação, para se poder construir um aeroporto. Esse custo caberá ao Estado. E haverá outro custo, encontrar um terreno onde a Força Aérea possa ter um campo de tiro, que é obrigatório para estarmos na NATO.
O Governo garantiu que o processo de reestruturação da TAP está concluído e que a privatização vai avançar. Quantos interessados bateram à sua porta? E quem?
Cabe aos interessados dizerem publicamente se o são. Já foram sinalizados mais de uma dúzia de interessados, mas há três que, como é público, participaram em reuniões comigo e com o ministro das Finanças: Air France/KLM, Lufthansa e IAG/British Airways. O que isto quer dizer é que hoje há uma enorme apetência pela TAP. Depois da injeção de capital de 3,2 mil milhões de euros, é uma companhia saudável, com paz social, a crescer, ainda que limitada nesse crescimento pelo plano de reestruturação. Todos os passos necessários ao processo de privatização estão a ser dados. E não foi este Governo que lançou a privatização, que fique claro. Costumo dizer que, nesta pasta, tomamos decisões para gerações. Há divergências entre o PS e o PSD sobre qual deve ser o modelo de privatização: se são 100%, se são 49%, se é ou não a maioria do capital. Isso será resolvido a seu tempo. O Governo, quando apresentar a sua proposta de decreto-lei para a privatização, deixará claro quais são as suas regras. Sabemos, com humildade, que temos um governo minoritário, que temos que viver com estas circunstâncias. Mas não podemos deixar que haja incerteza, Portugal tem que ser entendido como um país de palavra. Já tivemos a experiência de uma privatização da TAP, que depois foi desfeita, e três anos depois acabou numa nacionalização. De uma vez por todas, temos que tomar decisões. É mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. E o que nos une, neste caso, é vender a TAP, nisso o PS e o PSD estão de acordo. As circunstâncias, vamos defini-las.
Referiu-se a três grandes grupos da aviação. Não teme que sejam capazes de engolir a TAP? O que é estratégico para Portugal nesta privatização?
Isso é conhecido. O primeiro-ministro [Luís Montenegro] não coloca a privatização da TAP como um fim em si mesmo. Se não forem garantidas as questões estratégicas para o país, não há privatização e a TAP fica como está. Quais são? O hub em Lisboa, a manutenção da sede da empresa em Lisboa, a manutenção das rotas estratégicas. Quais são as rotas estratégicas? A América Latina, em particular o Brasil, e depois a América do Norte. Quando a TAP, na última privatização, descobriu a América do Norte como destino, abriu o país a novas oportunidades de investimento, a economia cresceu também à custa da TAP. Tem sido uma ferramenta essencial para o país e, portanto, as questões estratégicas têm de estar salvaguardadas. Não abdicaremos delas. Se, em algum momento, algum destes interessados, esses três ou outros, não garantir as questões estratégicas, não avançamos com a privatização da TAP.
Também é estratégico que a TAP volte a ganhar importância no Porto? A oferta de voos da TAP, de e para o Porto é cada vez menos interessante, de acordo com as queixas de várias vozes políticas do Norte.
Têm-se queixado, com algum grau de injustiça para a TAP, que está num plano de reestruturação. A TAP não consegue hoje ter mais aviões, está impedida. Para ter sinergias, tem de concentrar muito a sua ação em Lisboa. A TAP que ambicionamos, maior, com mais aviões, mais rotas, é uma TAP que inevitavelmente terá que operar também a partir do Porto, o segundo maior aeroporto do país. O Sá Carneiro, que hoje é um aeroporto eminentemente ponto a ponto, mas com ligações aos principais destinos da Europa, deu competitividade à cidade, à área metropolitana, à região. Não nos esquecemos disso, mas é injusto apontar o dedo à TAP. As críticas são legítimas, em política temos que defender os interesses de quem nos elege, os interesses das nossas regiões, mas cabe-me a mim também defender a TAP e explicar que houve critério e que teve muito a ver com o plano de reestruturação.
Acha que há condições, por um lado, e interesse do Governo, por outro, em que a TAP seja controlada por capitais nacionais ou que tenha uma gestão portuguesa?
Acho que isso é irrelevante. O que é relevante é a questão estratégica.
Não foram bater à sua porta?
Não, não bateram à minha porta. Há sempre esses fantasmas de que o Ministério das Infraestruturas tem assim uns encontros… Essa condição [ser português] não é absolutamente necessária, nem é suficiente. O que é necessário e suficiente é termos um grupo em que haja sinergias, que mantenha o hub e que tenha capital para fazer a TAP crescer. A TAP, para ter outra vez mais aviões, precisa de investimento, precisa de visão, que só um grupo grande lhe pode dar. Podemos ficar orgulhosamente com um investidor português, mas não estou a ver hoje em Portugal essa capacidade. Estou a ver, isso sim, investidores portugueses associarem-se a investidores internacionais.
Além das Infraestruturas, tem também a pasta da habitação. O PSD foi muito crítico das políticas do Governo anterior, mas os dados mais recentes do INE parecem remeter para uma certa falta de eficácia do atual Governo. O preço médio das casas subiu 10% no terceiro trimestre do ano passado, em comparação com o mesmo período do ano anterior. E o valor das rendas subiu em média 7% durante o ano passado, a maior subida dos últimos 30 anos.
É injusto dizer-se que isso aconteceu por causa das nossas medidas, que estão agora a ser tomadas. Como é injusto dizer-se que o Governo atuou do lado do preço. O que é que o Governo fez nos últimos seis meses? Atuou do lado da oferta: são 59 mil casas, e mais 6800 de promoção própria do IHRU [Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana], com um financiamento de mais de quatro mil milhões de euros, o maior investimento de sempre em habitação pública, não tenhamos dúvidas. Mas há mais exemplos de trabalho pelo lado da oferta: o símplex urbanístico e a lei dos solos.
Mas não seria de esperar, pelo menos, que houvesse uma desaceleração da subida dos preços? Quando é que as pessoas podem ter a expectativa de, se não pagar menos, pelo menos não pagar mais do que já se paga hoje pela habitação?
Não vou fazer futurologia. Não é um problema que se resolva de um dia para o outro. A lei dos solos vai permitir construção de habitação com preços médios 20% mais baratos para a classe média. Os 59 mil fogos (mais os 6800 do IHRU), para os que mais precisam, estarão concluídos até 2030, e os primeiros 33 mil até 2026. Agora, a lei dos solos não se aplica por obra e graça do Espírito Santo. Acredito que possa ter ganho de causa no Parlamento, mas depois é preciso que as câmaras façam as alterações aos PDM [planos diretores municipais], para que seja possível a injeção de terrenos mais baratos para a construção de novas casas. E não se constroem novas casas do pé para a mão. Eu não tenho utilizado esta questão da habitação para criticar o Governo anterior. Não vejo isto como uma competição, é um problema nacional. O PS implementou medidas com as quais concordamos em parte, mas há outras com que não concordamos e estamos a corrigir. Não por uma questão ideológica, mas porque não tiveram eficácia. O que aconteceu no último ano? Com menos licenciamentos urbanísticos, menos construção, menos habitação, o que era expectável, ao contrário do que disse, era uma subida dos preços.
Esta semana foi ao Parlamento e admitiu fazer alterações à lei dos solos. Isso tem alguma coisa a ver com as muitas críticas que a lei recebeu, da esquerda à direita?
À direita, não vi nenhuma crítica. À esquerda, sim, há críticas absolutamente dogmáticas, circunscritas a uma certa visão de sociedade. Mas devo dizer que este Governo é humilde, tem a noção de que é minoritário. E um Governo minoritário, se for com arrogância para o Parlamento, não executará nada, nenhuma reforma. Vamos ouvir as propostas dos partidos e avaliaremos. Acham normal que um governo minoritário pudesse ter uma atitude de soberba e de arrogância e dissesse, “nós não negociamos, este é o nosso decreto-lei e daqui não saímos”? [Já depois desta entrevista, PSD e PS deram sinais de aproximação]
Já referiu que a proposta de lei de solos vai permitir baixar os preços de habitação em 20%. Consegue explicar melhor em que é que se baseia para fazer essa afirmação?
No estudo que sustenta o decreto-lei, em que se analisaram os 308 municípios do país. Podemos dizer com rigor que é possível baixar o preço em cerca de 20%, em média. Há concelhos onde desce mais, noutros menos. Também é importante acrescentar que não se deixará construir em zonas de risco, de sensibilidade ambiental, ou em que haja potencial agrícola considerável.
Depois destes meses no cargo, já percebeu qual é a razão para os privados não aderirem à operação ferroviária? Na prática, temos um grupo privado a gerir uma ligação entre Lisboa e Setúbal, e temos grupos privados a operar carga. Não há mais.
Disse bem, a operar carga só há grupos privados, o Estado já não está, depois da privatização da “CP Carga”, concluída recentemente. Depois temos concessões como a da Fertagus, que funcionam bem. Temos investimento público e estamos comprometidos em potenciar e empoderar a CP. A postura do Governo é de total abertura para os privados entrarem na ferrovia. Mas não abdicaremos da posição de incumbente da CP, capaz de oferecer um serviço que seja líder de mercado e de competir com quem quer que venha.
Ao ponto de entrar também na alta velocidade?
No próximo mês, anunciaremos o concurso para a aquisição de comboios de alta velocidade. E a CP será o principal operador de alta velocidade em Portugal, não tenham dúvidas nenhumas sobre isso. Venham os privados, venham espanhóis, venha quem vier, a CP estará lá para competir e com qualidade. Este governo acredita na CP. Se não acreditasse, não tinha lançado o passe verde ferroviário, que hoje tem mais de 100 mil utentes. Primeiro, disseram que ia entupir o serviço, que não ia funcionar, que não íamos conseguir. Depois disseram que o Governo não ia ressarcir a CP, mas o Governo já decidiu injetar na CP o que a empresa necessita para reequilibrar as suas contas.
Vem de um concelho [Cascais] onde os transportes urbanos municipais são gratuitos para os munícipes, através de uma concessão privada. A gratuitidade significa mais utilizadores e melhores transportes públicos?
Quando é possível fazer esse investimento. Vemos pela experiência do passe ferroviário verde que, quando baixamos o preço, vêm mais utilizadores para o sistema. Aconteceu no concelho onde eu fui autarca durante muitos anos e acontece em Lisboa, com a gratuitidade para os mais jovens e os mais velhos. Acontece sempre que baixamos o preço. Mas tem de haver capacidade de investir por parte de quem está a oferecer o serviço.
Voltar a acreditar na política é o nome do livro que editou há uns anos. Estes meses de Governo ajudam-no a manter este otimismo?
Eu sou um otimista militante. Embora, sendo pai de três filhos, já tarde, depois dos 40, sou um pai preocupado com o mundo e com o futuro. Entreguei grande parte da minha vida à coisa pública e estou cada vez mais convencido de que tomei a decisão certa. Precisamos de trazer gente que queira transformar as nossas vidas para melhor, que seja capaz de entregar um mundo melhor do que aquele que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. E não de continuar a desprezar a vida pública, em que ser político é quase cadastro. Estou otimista quanto ao futuro do país, voltei a acreditar na política, desde logo com a liderança de Luís Montenegro. Não é propaganda, é um primeiro-ministro que se revelou como um líder absolutamente excecional. Os portugueses estão cada vez mais próximos dele, é um homem do terreno que não cede a interesses, defende as suas equipas, defende o seu caminho.
A ambição que revelou de um dia vir a ser líder do PSD foi abandonada?
Seria prejudicial que alguém com as funções que estou a exercer hoje - infraestruturas, habitação, telecomunicações, património do Estado, mobilidade - perdesse o seu tempo a pensar no seu futuro político. Não perco um minuto a pensar nisso, estou motivado e tranquilo.