Comparticipação do Estado por criança não é atualizada desde 2017 e está a asfixiar as instituições. Creches privadas e ensino particular vão ficar mais caros em setembro.
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As misericórdias admitem fechar salas do Pré-Escolar já no próximo ano letivo devido à falta de verbas. O apoio do Governo por criança, sem atualização desde 2017, é insuficiente e está a estrangular a resposta social. A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS) também está preocupada, pois a situação financeira das IPSS é muito débil. As creches privadas e os estabelecimentos de ensino particular vão ficar mais caros em setembro por causa do aumento do custo de vida.
As misericórdias gerem mais de 200 equipamentos em todo o país, frequentados por 12 mil crianças. Algumas já formalizaram a intenção de encerramento de salas do Pré-Escolar, que abrange menores dos três anos até à escolaridade obrigatória, no próximo ano letivo, junto das câmaras e do Governo. Outras instituições alertam que o farão no ano seguinte (2024/2025), se o Executivo socialista não atualizar o valor contratualizado por cada utente.
Segundo apurou o JN, a comparticipação paga por criança - na componente educativa e na componente de apoio à família - não sofre alterações há vários anos, estando fixada nos 175,23 euros por aluno desde 2017. Mais: nos últimos 20 anos, a componente educativa aumentou apenas 13,67 euros e a componente de apoio à família subiu 7,94 euros. Contas que tornam o encerramento de salas do Pré-Escolar inevitável para muitas misericórdias, caso não haja uma intervenção "maciça" do Estado ou do poder local, justifica Manuel Lemos ao JN.
O presidente da União das Misericórdias Portuguesas insiste na necessidade do aumento da comparticipação do Estado por aluno. Nem com o crescimento da procura nem com mais crianças em lista de espera é possível fazer face às despesas das instituições.
IPSS "vão aguentando"
Manuel Lemos reconhece que até há "listas de espera" para o Pré-Escolar, mas as instituições "não aguentam os prejuízos". Aquelas que conseguem suportar os custos só o fazem "para proteção das crianças", desabafa.
O cenário é corroborado pelas IPSS, que denotam as dificuldades de sustentabilidade financeira atuais, comparáveis com o que as famílias estão a sentir. Mas afastam, para já, o encerramento de salas. Ao JN, a CNIS esclarece que está a trabalhar, junto do Governo, tendo em vista a atualização das comparticipações às instituições. Filomena Bordalo, assessora da direção da CNIS para a área da cooperação, sublinha que o valor pago pela tutela "acaba por não cobrir" as despesas e por "criar dificuldades" às IPSS. Como "se afeiçoam às crianças", vão aguentando "sempre mais um ano".
Muita procura
No ensino particular, o aumento da mensalidade será inevitável no próximo ano letivo, por causa da subida da despesa com energia e alimentação e dos custos com pessoal. Nas creches particulares, há outro fator a provocar o crescimento do preço: "a falta de educadores de infância e professores", o que inflaciona os ordenados, explica Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos do Ensino Particular (ACPEEP).
Esta subida das mensalidades não está, no entanto, a afastar a procura das instituições privadas. Rodrigo Queiroz e Melo, diretor-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), confirma um "aumento da procura em relação a anos anteriores" e diz que há colégios com alunos em lista de espera. A "estabilidade laboral que se vive no setor" particular e a confiança demonstrada durante a pandemia são as principais razões, apontadas pelo diretor da AEEP, para a preferência de muitas famílias.
Com a entrada em vigor do programa Creche Feliz (ler "Saber Mais"), a procura agigantou-se e colocou a descoberto o grande problema de haver "apenas metade das vagas para o número de crianças" existentes em Portugal, constata Susana Batista. "Condiciona a eficácia desta medida e leva ao desespero muitos pais que querem ir trabalhar e não têm um espaço seguro para deixar os filhos".
SABER MAIS
O que é?
O programa Creche Feliz, criado pelo Governo, formaliza a gratuitidade das creches para todas as crianças. Depois do setor público e das IPSS, a medida foi alargada em janeiro ao setor privado. O objetivo é que estejam integradas cerca de 100 mil crianças até 2024.
Quem pode beneficiar?
Todas as crianças que nasceram depois de 1 de setembro de 2021. As crianças que nasceram antes desta data só estão abrangidas, se beneficiarem do 1.° ou 2.° escalão de ação social. As famílias podem escolher a creche onde pretendem colocar a criança. No setor privado, só é possível se não houver vaga disponível na rede solidária.
Como pedir o apoio?
As famílias devem entregar o pedido de apoio ao programa de gratuitidade através da app Creche Feliz. Na aplicação, é ainda possível consultar a lista de creches disponíveis na respetiva área de residência ou do local de trabalho do encarregado de educação.
CONGRESSO
Costa promete financiamento mais equitativo
O primeiro-ministro assegurou, ontem, no encerramento do Congresso Nacional da União das Misericórdias Portuguesas, que haverá previsibilidade e um cofinanciamento mais equitativo nos próximos anos. António Costa lembrou que o setor social desempenha um papel fundamental, sobretudo nas respostas às dimensões dos cuidados continuados e das creches. Após uma intervenção com vários alertas ao Governo por parte do presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos - em que chamou a atenção para o impacto dos aumentos dos custos salariais -, o líder do Executivo dedicou a parte final do seu discurso à questão do cofinanciamento. "As dimensões dos cuidados continuados integrados e das creches são fundamentais. O acordo que temos, que resulta do pacto, é que estas são duas áreas em que o Estado confia ao setor social e solidário as respostas necessárias e, por isso, se compromete a cofinanciar de uma forma equitativa esse esforço".